quinta-feira, 21 de junho de 2012

Meninos e meninas


Sabe quando você cansa de ouvir balela e se pergunta se na sua testa está escrito "idiota", com letras bem grandes e reluzentes? Pois é mais ou menos assim que estou me sentindo por conta de uma dessas "trivialidades" (muitas, muitas aspas) da vida de mãe: a difícil tarefa de escolher uma escola para os filhos.


Não, não é a primeira vez que tenho que fazer isso e o processo em si não é novidade, nem um bicho de sete cabeças. Mas agora é diferente: moro em outro lugar, e o Júnior começa o 1º ano em 2013, então é aquele momento em que ele vai começar a estudar de verdade (pelo menos na nossa cabeça e na do sistema).

Então lá vamos nós agendar visitas, pedir referências a outros pais e conhecidos, numa saga já algo familiar. E, como agora moro aqui, na cidade em que cresci, uma das opções cogitadas é a escola em que estudei. Que, naquela época, umas duas décadas atrás, era considerada uma escola de vanguarda, com pedagogia inovadora, que desenvolvia nos alunos o senso crítico, conhecida por dar uma formação que é bagagem para a vida e não só para passar num vestibular – e graças à qual agradeço em boa medida por ser quem sou.

Acontece que essa escola, também em boa medida, me fez acreditar que meninas e meninos eram igualmente capazes, igualmente inteligentes, com possibilidades igualmente fantásticas de serem pessoas realizadas e bem-sucedidas. E eu acreditei nisso.

Mas o mundo aqui fora não é bem assim. E agora, nessa procura de escola para o Júnior e a Zilminha, apesar de minha escola ter sido ampliada, ter mudado (fui à festa junina e fiquei com a sensação de que o que antes era organizado pelas famílias e pela comunidade escolar agora está tudo terceirizado) eu, a princípio, ainda acredito em sua proposta pedagógica. O que não acredito MESMO é que, já no século XXI, essa mesma escola ainda não ofereça nenhuma opção de período integral aos alunos e suas famílias (como a maioria das escolas).

Por que a indignação? Porque, hoje, o mundo mudou. Eu trabalho, o Asdrúbal trabalha e nenhum dos dois está disposto a colocar a carreira em segundo plano – e, ainda assim, alguém deve ficar com as crianças numa parte importante do dia. Os avós das crianças trabalham (vovó pesquisa redes neurais, inteligência artificial e programa robôs, que os netinhos adoram ver) e nós não temos empregada nem babá, em parte por opção, em parte pelos custos mesmo. Somos uma dupla de malabaristas para fazer a vida doméstica funcionar.

Lembra que a escola me ensinou que eu poderia ser alguém bem-sucedida? Poisé, eu sou. E que eu poderia ter as mesmas oportunidades que os meninos? Então. Pra mim, hoje, vinte anos depois, está faltando coerência nesse discurso (que tenho certeza que continua a ser ensinado aos alunos). Aqui temos alguns poréns caso você, que foi menina, tenha decidido ou deseje algum dia optar pela maternidade.

Por mais bela e inovadora e fantástica que seja a proposta pedagógica de uma escola, não dá para se propor a ensinar os alunos a ter pensamento crítico e prepará-los, meninos e meninas, para um mundo de igualdade de oportunidades e direitos se, com esse horário escolar, o que se consegue é uma atitude sexista e classista. Sexista porque se alguém tiver que ficar tomando conta dos filhos no horário em que eles não estão na escola muito provavelmente esse alguém vai ser a mãe, e não o pai (os tempos mudaram, mas certas mudanças requerem seu tempo). E então aquelas incríveis oportunidades profissionais caberão num vasinho de violeta na janela da cozinha. E classista porque, se a mãe não puder, provavelmente entrará em jogo uma babá ou empregada (observem novamente como este tipo de trabalho exclusivamente feminino é considerado pouco qualificado) e ei-nos perpetuando o modelo casa-grande-e-senzala em suas novas vertentes do novo milênio.

Com escola em período integral para todo mundo eu, como mãe e mulher, disponho de mais tempo para me dedicar à carreira e me sentiria menos culpada de deixar meus filhos em algum lugar todo o dia caso haja um sistema escolar que normalize essa atitude. E babás e empregadas e outras mulheres menos favorecidas que "optam" por ficar em casa (na verdade porque a perspectiva dos empregos aos que têm acesso muitas vezes fazem com que não valha a pena o ato de "trabalhar fora" em si) terão mais tempo para estudar e quem sabe a gente consiga um mundo um pouquinho mais democrático não só pra mim, que tenho nível universitário, estou mandando meus filhos pra escola particular e tenho minhas preocupações pequeno-burguesas com a existência.

Até lá, ou até que alguém me explique porque os horários escolares dessa escola não viram alteração em seus 35 nos de existência, vou ficar assim, com cara de idiota por ter acreditado nesse conto da carochinha.

Womber Woman



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sonho de uma noite de verão




Férias escolares, verão chegou e com ele o momento de ir visitar a sogra. Ok, ok, a visita não é exclusivamente a ela, é a toda a família do Asdrúbal, longe de ser pequena. Como acontece na vida de muitos, dentro de muitas casas (e espero que um dia dentro do coração do Júnior também), ela, A Mãe, é a figura que adquire protagonismo em se tratando de família. Então vamos lá: subimos no aviãozinho e cruzamos o equador para visitar a sogra.

Minha sogra é um amor - e ela é mesmo, não é ironia (os quilômetros que nos separam por tantos meses do ano talvez ajudem a ter essa opinião). O que não me impede reconhecer que somos diferentes em muitos aspectos. Quis o Universo que ela seja dessas senhoras que criou cinco filhos com os pés nas costas, que senta um, dois, três, dez comensais (em turnos, se preciso for) na mesinha da cozinha e vai esquentando tortillas para iniciar uma produção de tacos em série enquanto conversa e, quando você termina de jantar e pensa em começar a ajudar com alguma coisa a louça já está lavada, você pode guardar aqueles dois tupperwares com umas sobrinhas na geladeira (porque essa arte de calcular as quantidades perfeitas para refeições com número de pessoas sempre variável realmente é uma arte que minha matemática não domina) e voilà, você está liberada para ir ao quarto dormir e encontrar sua roupa magicamente passada e perfumada esperando que você decida onde guardá-la.

Eu, por minha vez, posso acabar histérica se meus dois únicos rebentos resolvem dar chilique e meus superpoderes (super?) se inclinam mais em controlar um mundo secreto de clientes e colaboradores desde meu laptop do que as quantidades e procedimentos de preparos de comida. Remover manchas é um suplício, não motivo de orgulho, e agradeço até hoje aos neozelandeses por terem me ensinado que é possível viver dignamente sem passar roupas.

Diz o ditado que cabeça vazia é panela do diabo. Lá tão longe da grande civilização você pode relaxar do seu mundo – e eis que, quando você baixa a guarda, seu inconsciente aproveita para dar o golpe.

Passei essas semanas tendo sonhos (pesadelos?) , flashes e reminiscências de figuras opressoras, nada fofas, de sogras do passado. Na verdade, nem todas eram sogras, mas Grandes Matronas, dessas que eu já não serei. A mãe de meu namoradinho da adolescência observando cada um de meus movimentos quando eu, na ousadia dos meus 16 anos, me ofereci para ajudá-la na cozinha: "Também é assim que eu lavo as batatas", disse, panela em riste, depois de eu tê-las esfregado uma a uma cuidadosamente com bucha e sabão na pia da cozinha. Ou o olhar de ódio da dona Dalva, que me alugou um quarto quando cheguei para estudar em São Paulo dois anos mais tarde, ao cruzar comigo no ônibus do bairro semanas depois de eu ter me mudado para uma república e ousado abandonar o seio e os valores de sua família monoparental (era assim: enquanto ela ralhava com a filha da minha idade porque não tinha lavado a louça ou terminado a faxina, os dois caçulas inúteis de 13 e 16 anos viam TV e pediam: "Mãe, traz água" e a senhora ia até a sala toda solícita, copo de água em mãos. Com um pratinho embaixo.)

A verdade é que, tanto quando entrei na cozinha da senhora mãe-do-meu-namoradinho como na casa da dona Dalva, era uma inepta em assuntos domésticos. E foi assim, com a paciência que essas matronas tiveram comigo (não por opção delas, mas com gentileza até) que aprendi tudo aquilo que não me ensinaram em casa - como cozinhar feijão, escolher o programa da máquina de lavar, que minha roupa já estava seca o varal. E que o olhar opressor, na verdade, sou só eu quem vê, refletido desde o poço de minhas inseguranças.


Womber Woman, jan/2012