sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Minha versão do dia


“agora que a madrugada se esvaiu - quem me devolve as intensidades do azul...?”
Ondjaki

Sem a mais mínima pretensão de conseguir me expressar como Mirabelle, uma das maiores devoradoras de livros que conheço, com invejável quilometragem de linhas lidas, resolvi pegar uma carona no post Minha versão da noite e compartilhar uma recente descoberta literária da nossa pátria língua portuguesa (que bom que Pessoa pensou assim e podemos adotá-lo como nosso compatriota!). Mesmo que culturalmente sejamos “países separados por uma mesma língua”, pois não sei sequer dizer o que poderia haver em comum (ou não) entre o Brasil e o Moçambique de Mia Couto ou a Angola de Ondjaki.

Ondjaki, esse moço que eu descobri, nasceu em Luanda em 1977 (ou seja, deve ter acabado de fazer trintinha, retomando outro dos nossos tópicos. A gente podia perguntar pra ele se ele já fez alguma plástica).

Ah, você nunca ouviu falar dele? Pois deveria. O rapaz é uma voz potente que vem de longe e tive que conhecê-lo lendo uma edição mexicana do romance Bom dia camaradas. Um dia, numa dessas conversas despretensiosas de sentar pra tomar um café-com-leite no meio da tarde, um amigo mexicano me falou dele e me deu o livro de presente. Era a edição em espanhol, e minha primeira reação foi de ficar bloqueada, pois era muito estranha a idéia de ler um texto escrito em português na tradução. Mas não agüentei de curiosidade e, como aqui no exílio não é tão simples encontrar a edição na língua materna, acabei me lançando.

Superado o estranhamento, gostei muito. E gostei mais ainda quando descobri que no site dele há um fragmento generoso em português. Gente, o sabor de ler as palavras que a gente entende e vêm de outro país é delicioso. E também o que a se aprende. O pano de fundo: a infância de crianças angolanas que estudaram com professores cubanos (e comunistas, claro, os camaradas!) que vieram para ajudar a reconstruir o país. O narrador é um dos meninos.

Agora trouxeram pra mim duas outras edições do Ondjaki made in Portugal, publicadas pela editora Caminho: E se amanhã o medo, de contos, e O Assobiador, outro romance curto, o próximo da minha fila de leituras depois da graphic novel lésbica e autobiográfica que estou terminando.

Aí folheando as primeiras páginas do Assobiador, encontrei esse trecho que abre o livro - e dialoga com o do Mia Couto que a Mirabelle citou:
...depois do amanhecer é quando já terei morrido. Nesse momento só conhecerei as belas coisas: as certas, as apetecidas. Quando o sol me banhar, serei outro: sem espelhos, sem tristezas. Terei falecido, mas terei renascido. Assobiarei melódicas entoações. Desprestigiadas mas, enfim, leves.
O Assobiador
Noite ou dia, depende de onde estão as estrelas que você vê, se perto demais para ofuscar as outras ou longe e serenas para permitir o escuro. Dois autores e um mesmo tema, duas vozes que brilham com raios discretos e ajudam a formar essa nossa constelação literária em língua portuguesa, que eu torço pra gerar muitos super stars.

Serviço:

Ondjaki – site oficial, com trechos deliciosos:
http://www.kazukuta.com/ondjaki/ondjaki.html

No Brasil você encontra:
Bom dia camaradas, Ed. Agir, 2006.
O Avodezanove e o Segredo dos Soviéticos, Companhia das Letras, 2009

E, como o moço também é poeta e antenado, você pode acompanhar os últimos versos no Twitter (achei genial esse movimento que em vez de poetry, faz poetwi!):
http://twitter.com/ondjaki

Fui.

Womber Woman