domingo, 22 de agosto de 2010

No México – o cineasta, o cowboy e outras coisas no pé do nosso país tropical

Numa ruazinha assim ficava o antro

Lá nos Altos de Jalisco, rodeada por extensas plantações de agave (a planta da qual se prepara a tequila), se erige, em meio a uma paisagem de colinas verdejantes pontilhadas por nopales (cactos do qual se comem as folhas e frutos), a histórica cidade de Lagos de Moreno. Histórica porque é muito antiga (imagine um centro com ruas estreitas e casarões coloniais em estado de conservação variável), e a origem remonta a 1583. Atualmente vivem por aqui cerca de 140 mil pessoas.

Neste cenário pitoresco, acabamos, Asdrúbal e eu, por motivos que não valem a pena ser esmiuçados, numa autêntica balada laguense. À sombra das torres da Paróquia (que eu sempre insisto em chamar de catedral pelo tamanho impressionante, mas não é, pergunte ao seu padre, bispo ou cardeal de devoção pelos detalhes da hierarquia eclesiástica), num calçadão de pedestres composto por fachadas coloniais, nos encontrávamos no antro (assim eles chamam os bares) da moda. Não reparei no nome, só sei que vendem cervejas importadas (tomamos uma checa e outra de Guadalajara mesmo) e que éramos provavelmente o grupo mais ancião do lugar. “Qué rucos”, sussurrariam entre si os adolescentes locais. O que nos importava un rábano.

Eu, por ser a única mulher da nossa rodinha de seis ou sete integrantes, meio que assumi minha postura de observadora e passei a tomar notas antropológicas mentais de toda a situação. Porque há lugares em que a coisa é assim: homem é homem, mulher é mulher e ponto, se acabou. Nada de firulas ou complicações. E Lagos é um desses lugares onde você, mulher do século XXI ou XVII, pode se preocupar apenas em arrumar um marido e criar os filhos – simplicidade que eu invejo, mas que jamais me faria feliz.

Antes disso, porém, tive a possibilidade de travar um par de diálogos com dois de meus anfitriões laguenses nessa noite: o vaqueiro e o cineasta.

Apesar de eu até ser capaz de dissimular, não passa desapercebido o fato de que sou brasileira – ainda mais em cidade pequena, onde as novidades voam de boca em boca. E, como estava com gente conhecida, os cavalheiros (ou cavaleiros?) tiveram a gentileza de puxar aquele dedinho de prosa, com essa naturalidade interiorana que faz você se sentir tão à vontade.

O cineasta é um tipo meio excêntrico, meio alcoólatra e meio cego (sim, ele só enxerga com um olho). Trabalha essencialmente no DF com o que pintar, desde que envolva uma câmera na mão: roda documentário, faz assistência de direção, de produção e até estaciona o carro de apresentadoras de TV desavisadas que pensam que ele é office boy (oh my god). O cineasta me disse que o Brasil é uma referência para o cinema latino-americano e que nossa produção cinematográfica é excelente. Uau. Não sabia que estávamos com essa bola toda – e, claro a gente fica toda orgulhosa de que os outros achem que o país vai pra frente.

Expliquei a ele como funcionava a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, que empresas tão potentes como Petrobrás apoiavam muitos projetos, e digressionamos um pouco sobre por que leis parecidas não vingaram no México – por corrupção, por desvio de verbas, porque as empresas e empresários aderiam à lei como forma de embolsar parte da grana destinada aos projetos e fazer uma produção bem merreca só pra dizer que fez, o que resultou em um monte de filmes de péssima qualidade que levaram à conclusão de que a tal lei não funcionava. Contei da relação irmãos Meirelles-Unibanco-Centro Cultural Unibanco, com o que quis dizer que havia gente muito influente interessada em que nossas leis de incentivo à cultura funcionassem.

Trocamos sorrisos, o Asdrúbal chegou com outra cerveja (sempre long neck, latas jamais), brindamos e a conversa seguiu rumos diferentes. Outro interlocutor, o vaqueiro, já conhecido de outros encontros anteriores, se aproximou.

O vaqueiro é filho de um fazendeiro exitoso, com muitas vaquinhas leiteiras que são ordenhadas por máquinas ágeis não sei quantas vezes ao dia. A fazenda do pai do vaqueiro tem um casarão secular que saiu até num calendário. E assim ele se criou: entre vacas e alta tecnologia. Rixas familiares a parte, ele acabou se afastando dos negócios da família e agora trabalha com outros agroempresários locais em alguma coisa que tem a ver com touros, vacas e reprodução dos mesmos para aumento da produtividade (atenção, meninas: não é o primeiro distribuidor de sêmen bovino que eu conheço). Basicamente, digamos que habitamos planetas bastante distantes.

“O Brasil agora está liderando a genética das vacas”, ele soltou. “Estamos importando sêmen do Brasil.” Órale, respondi (isso denota surpresa). “A dose custa 30 dólares. O Brasil já está passando na frente até dos Estados Unidos”. Oh, pensei, regozijando-me novamente pelos avances de nosso país verde-e-amarelo. Os responsáveis? Segundo o vaqueiro, Lula, que protegeu o setor, e os criadores da raça zebu (de origem indiana, aprendi também), que receberam subsídios que resultaram em uma raça híbrida (desculpem, mas não fui capaz de aprender o nome) que é mais resistente e produz mais leite.

Eu estava surpresa. O mais perto que eu havia chegado a todo esse universo econômico até então foi calcular o quanto poderia investir no fundo para comprar sapatos Manolo Blahnik, por supuesto que de couro legítimo, proposto pela Mirabelle aqui no blogue. De repente, todo um novo mundo de possibilidades se abria a minha frente. Depois dessa fiquei até pensando em comprar umas ações. Ou umas vacas, talvez mais simpáticas que algumas das minhas vizinhas. Ou umas doses de sêmen, posso colocar no congelador lá de casa do lado da garrafa de tequila que o Asdrúbal comprou e esperar elas valorizarem. Até eu poder trocá-las por um par de sapatos do Manolo Blahnik.

Enquanto isso não acontece na nossa sala de justiça, a gente continua torcendo pelo hexacampeonato, pela erradicação da pobreza, pela diminuição das desigualdades sociais y otras cositas más. Pode ser que o país não tenha saneamento básico e níveis educativos decentes para uma parte considerável da população. Mas tem cinema com belos roteiros e fotografia - eita, paisão. E touros sementais tipo exportação. O que me leva a concluir que talvez eu acabe trocando o meu Manolo pela Melissa da Vivienne Westwood.

by Womber Woman