segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Quanto mais homem menos homem?



(Relatório 1.0 expedição Terra)


Grande área: antropologia cultural inter-planetária.
Local: Terra.
Era cultural: Pós-modernidade.
Foco de pesquisa: vestuário, moradia, comunicação grupal, relacionamento sexual dos habitantes locais.
Metodologia: 1. Participação como sujeito do evento em observação (Levi-Srauss). 2. Revisão sistemática da literatura terrestre dos campos: sociologia, antropologia, mitologia, psicanálise, religião e filosofia. 3. Questionário informal aplicado aos habitantes locais.


Pesquisador XL500 (não é nome de caminhonete nem de arma): sujeito em forma de habitante do sexo feminino (o que se refere ao corpo biológico como nasceu), solteira (referente ao estado civil, o que implica em sujeito não casado com outro de sexo oposto, ou do mesmo sexo, como o código jurídico de alguns países consideram), na faixa dos 20 aos 30 anos (contados em anos solares).


Evento n. 1: “Balada GLS”- festa, evento que costuma acontecer a noite (referente à transação da Terra em seu próprio eixo). G: gay. L: lésbica. S: simpatizante.
Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais distintos com intuito de estabelecer parâmetros e concluir tipologias no que se refere a vestuário, comunicação e relacionamento.
Objetivo geral: incluir grande dossiê sobre a sexualidade e gênero interplanetário.

Diário de observação em campo: com o espírito dos antropólogos franceses que habitaram aldeias indígenas, dirijo-me ao local sábado a noite, 24 graus. Cidade de 14 milhões de habitantes, meio do feriado. Informam-me que tudo está vazio porque todo mundo foi a praia (anotado: terrestres vão à praia no feriado). Espécie feminina que me acompanha oferece dado curioso:


“Com esse carrão a gente vai fazer sucesso, homem adora esse tipo de carro, meio tanquinho de guerra, é tipo o brinquedo que eles adoravam quando crianças, só que de gente grande!”


Outro dado relevante: “Essa balada é gay, fui uma vez, é meio pesado, aqueles caras se pegando, não sei não!” - fala da fonte feminina.
Chegando: não há reação quanto ao veículo com o qual nos transportamos.

Hipótese 1: gay não liga pra carro.


Recentemente em minhas pesquisas ouvi, em tom jocoso, que: “Mulher gosta de dinheiro, quem gosta de homem é gay”. So far, a realidade oferece lastro para tal compreensão.
Na fila: GLS? Gays homens muitos (é o que parece pelos estudos que fiz). Lésbicas? Não. Simpatizantes? Não é possível saber. Penso em alguma espécie de placa, tiara com luz piscante ou cor de camiseta que identifique tão importantes decisões individuais, mas logo considero que a sugestão poderia não ser bem aceita. Entro.
A segurança revista-me duas vezes, uma antes de ver a bolsa, outra depois. Seria ela a primeira lésbica que identifico na balada? Questionamento pendente.
Lá dentro. Lugar agradável, com espaço aberto, duas pistas, bares distribuídos. 90% de terrestres organicamente masculinos. Esse, pelo que percebo, é o único dado passível de apreensão imediata (alertaram-me para o fato dessa observação ser possível tão somente não haja a presença de travestis). A categoria de gênero e escolha de parceiro sexual são áreas que começo a desconfiar serem bem mais complexas do que a literatura é capaz de apreender.


Em minhas pesquisas identifiquei algumas características marcadamente femininas: trejeitos, delicadeza, voz mais fina, movimentos suaves. Alguns terrestres masculinos (organicamente) apresentam tais características, o que facilita a identificação por uma opção homossexual: gostam da mesma coisa que uma mulher (em se tratando de escolha de parceiro). No entanto, em campo (balada GLS), uma informação factual conflita com meu arcabouço teórico.


Homens, como definido por diversos autores e pela maneira com que são ilustrados pela cultura em mitos, romances, poemas, novelas etc, são indivíduos com força física superior à espécie feminina. Tendo, portanto, desenvolvido ao longo da história, trabalhos fisicamente mais desgastantes e utilizado, inclusive, tal diferença física como parte do jogo de sedução e acasalamento com seus pares de sexo oposto para fins de perpetuação da espécie humana. Os “homens” (no sentido orgânico) dessa balada são os mais fortes que já vi desde que cheguei à Terra. A noite é um mar de músculos e barrigas definidas, auxiliadas por algum tipo de produto que reflete a luz: dançarinos de bermuda e botas bezuntados de óleo.

Segundo a literatura clássica ali estariam os Hércules pós-modernos. Pelo que estudei os gregos adorariam a pós modernidade!


Questionamento teórico paradoxal: quanto mais homem menos homem?

Sendo o primeiro no sentido físico e o segundo no de escolha sexual.

Diante da cena repetida de músculos e barrigas (não sei se o uniforme era calça jeans, tatuagem e mais nada, ou se era apenas a ditadura da moda) a mostra da espécie feminina (amiga) conclui: "Se eu fosse homem eu seria gay, olha que lindo!"
À medida que o álcool age no entorpecimento do SNC (sistema nervoso central- esse é outro assunto que merece pesquisa aprofundada) o que era esquisito passa a ser visto como lindo.


Tendo chegado um momento, já perto de amanhecer, em que uma espécie feminina um tanto acabrunhada de início passa a mão carinhosamente em duas carecas (faria parte do uniforme também?) de um casal de caras enormes “se pegando” (como se diz por aqui) e exclama: “Que liiiiiindo!”
(to be continued! )


Por XL500