Fui percebendo ao longo do tempo que a Páscoa sempre trazia mudanças importantes, não necessariamente boas, mas grande transformações.
Pessach, a Páscoa judaica, comemora a libertação dos filhos de Israel após mais de dois séculos de cativeiro no Egito. O Êxodo do Egito tornou-se o ponto central da história judaica, pois cristalizou a identidade nacional e marcou o nascimento dos judeus como um povo livre.
Assim Pessach representa um movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade.
Egito é acima de tudo um símbolo, por representar um lugar que “já foi bom” e deixou de ser. As analogias se tornam mais interessantes ainda se reconhecermos que a etimologia hebraica da palavra Egito- mistraim- quer dizer “lugar estreito”.
Não gostamos de sair, de mudar. São a estreiteza e o desconforto que nos convencem de que não existe outra saída. Mas para onde ir? Se não se conhece nada diferente de si mesmo? Como seguir rumo à “terra prometida”, ao futuro, se entre o presente e ela existe um fosso, um mar. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos e o corpo experimenta a mais temida das sensações- o pânico de se extinguir.
Encurralados diante do mar, o povo assume algumas posturas possíveis, sem saber o que fazer, se divide em quatro acampamentos. O primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se no mar, o quarto se mobiliza em oração.
Mas se nenhuma dessas condutas é apropriada, qual o caminho então? A resposta de Deus é igualmente decisiva e intrigante, disse à Moisés (o empreendedor da saído do lugar estreito(Ex: 14:15): “Diga a Israel que marche.”
Marchar, dar andamento, a que? Para onde? Que solução óbvia é essa que a divindade apresenta, pela qual nenhum acampamento consegue dar conta de uma saída?
Conhecemos o final do relato bíblico em que o mar se abre. Mas, para a Midrash- comentários alegóricos dos rabinos- a abertura do mar se dá de uma maneira muito peculiar. Um homem chamado Nachshon bem Aminadav, que não sabia nadar, começou a entrar na água. Estas, no entanto, não se abriram num primeiro instante. Somente quando o homem já estava com a água no nível do nariz, as águas se abriram.
Nascshon compreendeu a recomendação de Deus: “marchem”. O futuro existe se vocês marcharem. Saber abrir mão desse lugar conhecido na fé de que outro se constituirá é saber dar o passo que leva até onde “não dá mais pé”. Enquanto der pé, estaremos estacionados em acampamentos.
Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível.
Quando nos percebemos expostos á estreiteza, e quando está consciente de que seu desconforto provém dela, surge então a possibilidade de acampar em frente ao mar. A partir desse lugar de improbidade e angústia, olhamos o horizonte.
Há uma entrega, um despojamento nessa margem, que não só desnuda o corpo, mas o modifica. Essa metamorfose nos assusta com a possibilidade de estarmos abrindo mão da nossa integridade e identidade.
De maneira simbolicamente parecida a páscoa cristã fala de passagem e renascimento, transformação de um estado a outro.
Pessach sob essa interpretação é uma metáfora belíssima de qualquer mudança. As mudanças importantes, que nos transformam, são aquelas nas quais nos deixamos para trás e temos a coragem de marchar para dentro do oceano desconhecido.
Freud falou sobre essa perspectiva na vida inconsciente. Mesmo quando estamos certos de que algum comportamento ou atitude não nos serve mais, isso é, se tornou o “lugar estreito”, um lugar de escravidão, lutamos com unhas e dentes para manter o padrão conhecido, seja de um comportamento, reação ou relacionamento.
Assim Pessach representa um movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade.
Egito é acima de tudo um símbolo, por representar um lugar que “já foi bom” e deixou de ser. As analogias se tornam mais interessantes ainda se reconhecermos que a etimologia hebraica da palavra Egito- mistraim- quer dizer “lugar estreito”.
Não gostamos de sair, de mudar. São a estreiteza e o desconforto que nos convencem de que não existe outra saída. Mas para onde ir? Se não se conhece nada diferente de si mesmo? Como seguir rumo à “terra prometida”, ao futuro, se entre o presente e ela existe um fosso, um mar. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos e o corpo experimenta a mais temida das sensações- o pânico de se extinguir.
Encurralados diante do mar, o povo assume algumas posturas possíveis, sem saber o que fazer, se divide em quatro acampamentos. O primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se no mar, o quarto se mobiliza em oração.
Mas se nenhuma dessas condutas é apropriada, qual o caminho então? A resposta de Deus é igualmente decisiva e intrigante, disse à Moisés (o empreendedor da saído do lugar estreito(Ex: 14:15): “Diga a Israel que marche.”
Marchar, dar andamento, a que? Para onde? Que solução óbvia é essa que a divindade apresenta, pela qual nenhum acampamento consegue dar conta de uma saída?
Conhecemos o final do relato bíblico em que o mar se abre. Mas, para a Midrash- comentários alegóricos dos rabinos- a abertura do mar se dá de uma maneira muito peculiar. Um homem chamado Nachshon bem Aminadav, que não sabia nadar, começou a entrar na água. Estas, no entanto, não se abriram num primeiro instante. Somente quando o homem já estava com a água no nível do nariz, as águas se abriram.
Nascshon compreendeu a recomendação de Deus: “marchem”. O futuro existe se vocês marcharem. Saber abrir mão desse lugar conhecido na fé de que outro se constituirá é saber dar o passo que leva até onde “não dá mais pé”. Enquanto der pé, estaremos estacionados em acampamentos.
Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível.
Quando nos percebemos expostos á estreiteza, e quando está consciente de que seu desconforto provém dela, surge então a possibilidade de acampar em frente ao mar. A partir desse lugar de improbidade e angústia, olhamos o horizonte.
Há uma entrega, um despojamento nessa margem, que não só desnuda o corpo, mas o modifica. Essa metamorfose nos assusta com a possibilidade de estarmos abrindo mão da nossa integridade e identidade.
De maneira simbolicamente parecida a páscoa cristã fala de passagem e renascimento, transformação de um estado a outro.
Pessach sob essa interpretação é uma metáfora belíssima de qualquer mudança. As mudanças importantes, que nos transformam, são aquelas nas quais nos deixamos para trás e temos a coragem de marchar para dentro do oceano desconhecido.
Freud falou sobre essa perspectiva na vida inconsciente. Mesmo quando estamos certos de que algum comportamento ou atitude não nos serve mais, isso é, se tornou o “lugar estreito”, um lugar de escravidão, lutamos com unhas e dentes para manter o padrão conhecido, seja de um comportamento, reação ou relacionamento.
Freud chamou de resistência, de manter o sintoma. Mas essa imagem de olhar o mar sem saber o que fazer me parece mais poética.
Essa interpretação trazida pelo rabino Nilton Bonder me faz sempre pensar que em momentos difíceis de mudança, Pessach nos oferece um exemplo de coragem e fé, nos dizendo: "Diga a Israel que marche!"
Essa interpretação trazida pelo rabino Nilton Bonder me faz sempre pensar que em momentos difíceis de mudança, Pessach nos oferece um exemplo de coragem e fé, nos dizendo: "Diga a Israel que marche!"
Por Mirabelle
Interpretação de Pessach por Nilton Bonder, no livro "A alma imoral"
1998, ed. Rocco