quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Da arte de viajar...


“Sempre me pareceu que estaria bem onde não estou, 
e essa questão da mudança é um tema que estou
 sempre cogitando na minha alma.“ 
(Baudelaire)


Em “A arte de viajar”, Alain de Botton reflete deliciosamente sobre essa atividade tão antiga quanto a humanidade, de fazer as malas e ir para outro lugar.

O título, a princípio, se faz de despretensioso, mas guarda significado tão óbvio quanto infinito.
Pra viajar não basta a CVC oferecer pacotes em 10 vezes sem juros.

Viajar é talento, viajante tem que ser muito artista nessa arte de ir e se deixar, se levando junto, pra se trazer transformado, e ainda assim, continuar sendo si mesmo.

Para viajar é necessário muita coisa, de dinheiro a coragem de ficar consigo em quarto diferente, sob outra luz, sem as amarras confortáveis da rotina.

É necessário férias, planejamento, necessaire, passaporte e certa disposição rara de deixar pra trás o que se é e se experimentar com novos temperos, outros acompanhamentos.

Mas tem muita gente que engana que viaja, só se move de lugar, mas permanece o mesmo, olho no Iphone, emails, testa enrugada, olho no sapato.

Viajar é olhar pra frente e ver as pessoas passarem e ir reparando em cabelos, roupas, sotaques. Viajar mesmo acontece quando a gente passa aquela euforia do Free Shop e ouve o que a cidade conta, se é silenciosa ou se grita, se acorda tarde ou adormece cedo.

Tem lugar que é velho, outros que são jovens. As praias do Brasil são adolescentes, ruidosas, coloridas, gritantes. O mar mediterrâneo chega com calidez, mansa e silensiosamente, convida a ler na areia que nem esquenta tanto. O verão europeu é ansioso, conta com seu fim antecipado pelo frio e por isso o sol quer ficar até o fim, nunca ir embora.    

Alain de Botton começa contando de um desejo intenso de ir a uma praia de areia branca e palmeiras que o acometeu em certo inverno londrino (imagino que uma praia ensolarada fique intensamente atrativa no cinza de Londres).

O escritor nos leva junto fazendo-nos lembrar que viajar é bem mais que aquela foto de mar azul e areia branca do folheto da agência de viagens. É também as duas horas de antecedência no aeroporto, fila, vontade de ir ao banheiro, mala pesada, passagem perdida no bolso, mais fila, tirar a bota pra passar no detector de metais, poltrona apertada, comida ruim, tontura, calor, mala perdida, suor, trem errado, taxi caro, pousada longe, apartamento alugado mofado…

Ele (Botton) diz que um detalhe lhe escapou ao planejar e desejar a viagem, o detalhe que ele se levaria consigo, e assim todas as suas dores (da de barriga ä mais existencial) iriam também, junto.

Porque por vezes a vontade de viajar vem do desejo de deixar a si mesmo e partir rumo a uma paisagem de cartão postal. Rumo a qualquer outro lugar, outra coisa. Mas como uma companhia indesejável, a gente chega e viu que se trouxe junto.

Um engano freqüente é achar que se viaja para conhecer novos lugares, qual não é a surpresa ao descobrirmos que viajamos para aprender a estar em um lugar, o único possível, o mais exótico e desconhecido. Presente dentro de si mesmo.  

Por Mirabelle

"A arte de viajar", Alain de Botton 1969 (ed Rocco)