quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Julie & Julia


Chove. Me sirvo de outra taça de vinho, hoje fui comprar e sempre que posso, tento encostar no sommelier para ver se aprendo algo novo, hoje aprendi: untuoso. O quê? Não sei o que é isso. É amanteigado. Untuoso de untar? Que nem unta fôrma de bolo, com manteiga? É. Ah!

A chuva acalma um dia quente com uma lista de 16 coisas para fazer. Um vizinho toca a campainha para devolver o prato no qual estavam os pedaços de bolo que ofereci ontem.

Um amigo da faculdade disse que um clichê é lindo quando é verdade. Por exemplo: Você é a manteiga do meu pão. Quem já viu identificou a frase: Julie & Julia.

É clichê escrever em um blog sobre um filme que fala de uma Julia que escreve em um blog. Mas é de verdade, então... Como foi lindo ver o filme usando colar de pérolas, sem saber antes do colar de pérolas das personagens. Dá uma sensaçãozinha de perda de direitos autorais quando a gente vê exatamente aquilo que queria dizer, ao mesmo tempo em que o coração se sente posto no colo.

Há dias venho pensando em uma coisa: na pressa. Em como a falta de tempo está na moda. Quanto pega bem falar que a agenda está cheia e quanto dá até vergonha falar no celular: "Não estou ocupada, posso falar". Ou: "Obrigada pelo convite, vou sim!"

Uma segunda-feira qualquer. 18:40h. Chego para pegar o carro que tinha deixado para lavar. Moça sentada em um banco do estacionamento/lava-rápido olhando para o chão. Me vê e: "Nossa que correria né? Tá uma correria, o ano já tá acabando!" Que boneco atual esse, pensei. Fica em stand by, quando alguém bate palma ele fala a frase gravada: correria...

Penso se a moça do lava-rápido seria muito diferente de todas as pessoas que ouço repetirem essa exata frase. Seriam minhas amigas tão mais ocupadas que a moça blade-runner?

No filme a Julia almoça com três amigas e cada uma fala no celular, uma delas “cordialmente” tenta agendar algo com Julia, saca seu sei-lá-o-quê eletrônico onde moram seus infinitos compromissos e diz que sua agenda está lotada. Talvez um café da manhã?

Jantar, nem pensar (prime-time, que nem na Warner) almoço também não, você não é tão relevante assim, já sei: café da manhã. Aquela refeição rápida que você tem que fazer mesmo, porque não aproveitar e encaixar 10 minutos de uma desimportante pessoa?
E eu até fiz um bolo para um desses breakfast dates (a palavra em inglês já diz: rápido).
Sou tão démodé.

Não é toa que o filme fala, se passa e traz a comida francesa à mesa. Os tempos indefinidos passados nos cafés, as refeições de 7 pratos, as receitas de um dia inteiro.

A minha Julie é a Heloisa Bacellar, estudou também na Cordon Bleu e escreveu dois livros (2 que eu conheço) lindos lindos com receitas que dão sempre certo, fotos de crianças, panelas e toalhas vermelhas.

A Heloisa me ensinou que não precisa ter louça combinando para convidar pessoas para jantar, que se pode fazer arranjo de flor do jardim e que é importante pensar se os convidados têm coisas em comum a conversar. Há pouco tempo me perguntaram: "Quanto tempo demorou para fazer tudo isso?/ O dia inteiro", respondi.

Nilton Bonder, um rabino que está escrevendo coisas interessantes, disse que pode ser que a mulher moderna volte para a cozinha. Cozinha não como escravidão e submissão, mas como outra relação com o tempo, com o servir e com o outro.

Sei que as orelhas se arrepiam ao falar em mulher na cozinha, mas não falo aqui na mulher viniciana (de Moraes, com suas 9 esposas), feita apenas para amar, para chorar/sofrer (não sei, os dois talvez) pelo seu amor e para ser só perdão- samba da bênção.

Mas das mulheres, e homens, que podem usar seu tempo para preparar algo para o outro. O que dá uma satisfação individual incrível, não tem nada a ver com santidade ou anulação, mas com aquela recusa, da qual nos fala tão docemente Lenine:

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Cozinhar demora. Cozinhar é valsa. Se um pão tem que esperar uma hora para crescer para depois ser sovado novamente e esperar mais 2 horas... nada acelera isso.

Quando penso na cozinha francesa e nas típicas dietas de revistas brasileiras me pergunto: como as francesas são magras e as brasileiras não? Os nutricionistas estariam errados nas contagens calóricas? Porque o que o filme mostra é verdade, você nunca vai comprar e usar tanta manteiga na sua vida quanto quando você cozinha receitas francesas.

Talvez o que a revista NOVA e a Woman´s Health não considerem é que a comida é mais que caloria, é alimento. E nada alimenta menos que barrinha de cereal e sanduíche light (daqueles embrulhados em plástico).

Sentir-se bem alimentada emagrece, porque não precisa comer mais.
Acho que por hoje, com o filme e o vinho, posso dizer (como se diz polidamente à mesa): estou satisfeita.
Por Mirabelle
Heloisa Bacellar: Cozinhando para amigos é o vol.1, o vol.2 se chama: Entre panelas e tigelas, é ainda mais bonito, mas prefiro a distribuição do primeiro, que é: dias quentes, na frente da TV, reveillon na praia etc, no vol.2 as receitas são separadas por situações como: festa junina, ovos, arroz e feijão.
O melhor mesmo é ter os 2. Já dei de presente em alguns casamentos, tenho considerado o presente mais delicioso de dar e receber. Editora DBA, fotos de Romulo Fialdini.
Nilton Bonder: o livro dele, A alma imoral, ed. Rocco, está entre os meus preferidos.