quinta-feira, 20 de maio de 2010

Esse estranho “amigo”, meu corpo


Um dia em que eu estava correndo, correndo de exercício, não correndo de pressa nem de ninguém, e tinha a impressão de que se eu não parasse, eu ia morrer (deliciosa sensação recorrente de quem corre mal), amaldiçoei a moda de atividade física, me imaginando no paraíso se eu pudesse ter a saúde (a barriga e o bum bum) que eu quero sentada numa poltrona lendo um livro e tomando um vinho.

Acho que outras pessoas compartilham o sentimento que eu tinha a respeito de academias (de ginástica). Academias me davam medo, além de uma preguiça colossal. Aqueles homens puxando, pelos braços, pesos maiores que o dobro de mim inteira, mulheres de macacão branco justos nos quais não se visualiza sinal de celulite ou calcinha, as músicas da Jovem Pan tocando alto demais.

Mas comecei a olhar e ver que eram meninos grandes, na melhor das hipóteses. Isso quando não eram senhores muito grandes, o que já fica além de engraçado, um tanto esquisito. É que é difícil mesmo olhar no rosto desses homens musculosos em que a cabeça deles fica perdida e estranhamente pequena equilibrada nos ombros, costas e trapézios.

Não cultivo apreço algum pelo esporte. Fui de chinelo e calça jeans a todos os dias que tive educação física na escola. Meu corpo, apesar de nunca ter sido devidamente apresentado á uma bola- acho que por misericórdia o professor de educação física deixava eu nunca jogar nada- sempre precisou se mexer, se mexer muito, de suar. De deitar a noite e lembrar que está ali, presente, em ombro, perna e pé.

Me pego ás vezes pensando que agüentar mais fisicamente (mais peso, maior velocidade) é uma mera futilidade narcisista incentivada pelos professores de academia. Mas desconfio, em outros momentos, se a superação do nosso corpo não fortalece também a parte de dentro da gente.

Nunca fiz aulas de bike (spinning) mais fortes que quando estava no cursinho, pensando, na hora em que eu não agüentava mais, que aguentar aquele pouquinho era conseguir passar na faculdade que eu queria.

Hoje está muito frio. Um dia gelado e cinza acordou a cidade. Lá fora as pessoas reclamam, mau-humoradas de terem que levantar da cama quente.

Aqui dentro, do vestiário da academia, mulheres animadas (díssimas) voltam da aula de bike orgulhosas e com certa sensação de alegria incondicional por terem aguentado até o fim a aula especial “Lady Gaga”, quando, na hora que tocou "Bad Romance" as pernas ardiam e a respiração faz parecer que seu coração vai sair pela boca. Os cabelos molhados de suor, o rosto quente, a vontade à toa de sorrir.

Lá fora, mãos e narizes gelados, corpos sonolentos e olhos preguiçosos, aqui dentro, depois de meia calça, filtro solar, bota e bochecha vermelha, saio para a manhã de um dia frio, sinto a blusa de lã quente no cabelo e penso que só tenho a agradecer meu corpo por ele me convidar a estar assim, tão perto, tão dentro dele.

Por Mirabelle