Tem coisas-pessoas que sou eu quem olha, e essas não me contam delas, sou eu quem tenho que inventar. Eu almoçava no restaurante italiano perto da aula e entrou uma senhora, devia ter a idade próxima a da minha avó, uns 70 anos, ela tinha olhos bem azuis e o cabelo arrumado daquele jeito das senhoras, fofo, que nem algodão-doce azul. O cabelo cinza iria ficando azul pra combinar com o fim da vida? Se as cores de dentro da gente são alaranjadas quando quentes, somos azulados quando esfriamos. Mas essa senhora não estava fria, ela vinha fazer uma reserva para o jantar daquela noite: Madame Fulana, uma mesa para dois as oito horas. O gerente anotou e ela agradeceu saindo sorridente.
As oito horas daquele e de vários outros dias fui tomada pela delicada tarefa de bordar em pensamento os pontos daquele jantar. Um velho amigo, um amor, um filho, uma neta?
O desejo sem saída, que é quase obrigação, de cercar cor, cabelo e hora com letras juntinhas e separadas, afim de fincar estacas pelas quais passa um fio de ritmo com vírgula e respiração amarrando ali dentro o que pediu, ou o que escolhi, para ser contado. Deixar de fora o que não é e chegar o mais perto da coisa antes dela escapar.
Não tenho dúvida, na minha fantasia bonita- é minha e então enfeito-a como fazia com as Barbies- que aquele jantar foi bom, que aqueles olhos azuis profundos (pois são fundos os azuis escuros) sorriram no espelho ao afofar o cabelo de algodão-doce, que ela até chegou um pouco mais cedo (porque gente mais velha não se atrasa, com exceção do meu avô), e que seu/ua acompanhante chegou uns 15 minutos atrasado/a, desculpando-se, e os olhos azuis desculparam, porque os mais velhos sabem que os mais novos se atrapalham com o que não importa.
E àquela senhora que vi, peço desculpas respeitosas para pedir emprestada sua noite e convidar minha avó para jantar, que tem olhos azuis também, mas não são profundos desse jeito porque também têm um tanto de cinza, o que os faz um pouco mais mansos e tristes, mas não triste de chorar, triste sem barulho, só triste, de tristeza acalmada.
A minha avó tem o melhor colo do mundo. Todos os netos, um a um passaram por ele, os cachorrinhos e netos-primos também acalmaram seus choros, medos e sono ali. E sentiram uma calma chegando como chega a espátula do bolo na cobertura branca de chantilly. Minha avó não faz barulho, e também não se mexe, nunca gostei de quem barulha para respirar. Sua imobilidade faz a criança-água em seu colo parar de ondular, suspirar e adormecer.
Como os netos e cachorrinhos, os livros estiveram sempre no colo dela. Eles também, quem sabe, gostem de escorregar no rio de prateleiras, livrarias e mãos desajeitadas para o canto manso, desapressado do colo azul.
As oito horas daquele e de vários outros dias fui tomada pela delicada tarefa de bordar em pensamento os pontos daquele jantar. Um velho amigo, um amor, um filho, uma neta?
O desejo sem saída, que é quase obrigação, de cercar cor, cabelo e hora com letras juntinhas e separadas, afim de fincar estacas pelas quais passa um fio de ritmo com vírgula e respiração amarrando ali dentro o que pediu, ou o que escolhi, para ser contado. Deixar de fora o que não é e chegar o mais perto da coisa antes dela escapar.
Não tenho dúvida, na minha fantasia bonita- é minha e então enfeito-a como fazia com as Barbies- que aquele jantar foi bom, que aqueles olhos azuis profundos (pois são fundos os azuis escuros) sorriram no espelho ao afofar o cabelo de algodão-doce, que ela até chegou um pouco mais cedo (porque gente mais velha não se atrasa, com exceção do meu avô), e que seu/ua acompanhante chegou uns 15 minutos atrasado/a, desculpando-se, e os olhos azuis desculparam, porque os mais velhos sabem que os mais novos se atrapalham com o que não importa.
E àquela senhora que vi, peço desculpas respeitosas para pedir emprestada sua noite e convidar minha avó para jantar, que tem olhos azuis também, mas não são profundos desse jeito porque também têm um tanto de cinza, o que os faz um pouco mais mansos e tristes, mas não triste de chorar, triste sem barulho, só triste, de tristeza acalmada.
A minha avó tem o melhor colo do mundo. Todos os netos, um a um passaram por ele, os cachorrinhos e netos-primos também acalmaram seus choros, medos e sono ali. E sentiram uma calma chegando como chega a espátula do bolo na cobertura branca de chantilly. Minha avó não faz barulho, e também não se mexe, nunca gostei de quem barulha para respirar. Sua imobilidade faz a criança-água em seu colo parar de ondular, suspirar e adormecer.
Como os netos e cachorrinhos, os livros estiveram sempre no colo dela. Eles também, quem sabe, gostem de escorregar no rio de prateleiras, livrarias e mãos desajeitadas para o canto manso, desapressado do colo azul.
Minha avó- lê mais ou menos um livro a cada duas semanas, tem 73 anos, lê assim desde os 14, ela conta que com essa idade lia alguma revista, como “Capricho” da época e que seu pai propôs uma troca, ele assinaria o Círculo do Livro (espécie de biblioteca que chega em casa com um livro surpresa) e ela receberia um livro por semana, ao invés de ler a revista. Resultado: é a melhor indicadora de leitura, principalmente os clássicos, as coisas novas, vou eu mostrando para ela. Ela tem gosto apurado e aprecia os textos escarpados de Graciliano Ramos (“Angústia” é um dos seus favoritos), Tolstoi e outros que foram revoluscionários: Henry Miller, Simone de Beauvoir.
POR MIRABELLE