domingo, 27 de dezembro de 2009

Entre o natal e o ano-novo


Sempre tive a nítida sensação de que entre os dias 26 de dezembro e 31 de dezembro todas as pessoas estavam na praia.

Isso foi antes dos muitos anos de análise (e dos 2 últimos anos da minha vida) me levarem a considerar outras possibilidades diferentes das minhas próprias.
Parece fácil, mas se pesquisarem bem ao seu redor observarão que o julgamento absolutamente auto-referente da realidade é o padrão. Explico-me: a grande parte das pessoas (e esse dado estatisticamente válido está embasado nas mais recentes pesquisas presentes nas revistas científicas de indexagem internacional) não é capaz de enxergar, perceber ou julgar o mundo, a realidade, os outros a não ser pelas suas estreitas lentes, que contém as próprias experiências de vida, as coisas que aprendeu e em conseqüência as limitações e preconceitos pessoais.
Não é por pura maldade, é apenas difícil, para a grande maioria das pessoas (vejam a validade estatística dessa generalização) olhar o diferente e considerá-lo apenas diferente sem colocar a questão nas gavetas mentais de certo/errado, feio/bonito, melhor/pior.

Um exemplo: ontem, eu comendo uma especiaria delivery da cozinha japonesa (ou a variação deliciosa que fizeram disso aqui no Brasil) e uma querida pessoa ao meu lado confabulando sobre o alimento em questão: Eu não acredito que você come isso aí, é branco, é cebola? Eca, você vai dar o que sobrou para o porteiro? Dá uma coca junto pra disfarçar, apesar de que esse cheiro já está em todo o quarteirão.

Essa era a exata sensação que eu tinha sobre passar esses dias intermediários no próprio lar. E eu achava que a cidade ficava vazia, até ir ao shopping nessa tarde de chuva. OK, nem todo mundo vai a praia e faz alguma coisa desses dias esquisitos entre uma festa e outra. Muitas pessoas vão trocar os presentes que não gostaram.

Então, como nem o porteiro está lá na portaria (mesmo com os anos de análise e com a observação da quantidade exorbitante de pessoas no shopping continuo achando que não tem ninguém na cidade e que eu deveria estar em outro lugar) e não pára de chover, compartilho o meu mais novo vício, capaz de preencher com risadas solitárias esses strange days (citando Jim Morrison para esse post ficar mais cool).

Uma cilada da vida de solteira é a pessoa viciar em alguém, e por alguém I mean uma idéia ilusória de qualquer ser do outro sexo que se mova no espaço (ou do mesmo sexo, sem preconceitos nesse blog).
E quero salientar que ter um espaço para algo além de si mesma é um ponto importante na escala de saúde mental, mas as mulheres em especial são fãs convictas desse tipo de vício, imagino que cada um de vocês já tenha participado da alucinação causada pela abstinência da substância viciante em questão em conversas cheias de angústia como: Ele não ligou, eu mandei a mensagem há 7 horas, porque em 7 horas ele não responde????? Eu deixei um recado com o porteiro, eu vi o porteiro interfonar, porque ele age como se não tivesse recebido nada ou ainda: porque ele só me liga quando volta da balada sozinho as 3:30h?


Na tentativa de não cair nesse “mundo das drogas” (adoro quando ouço pessoas dizerem “mundo das drogas”, ficaria perto do “mundo de Marlboro”?), do vício e da abstinência comecei a assistir séries em dayli bases (daqui a pouco vocês vão entender a razão das mais que excessivas expressões in english). Sem pretensão, só porque não tenho cable TV e tinha uns DVDs por aí.
Eis que a verdade é... passei do vício em Sex and the City para o vício em The Big Bang Theory. Não me critiquem, sei que outras pessoas passaram por problemas semelhantes com “24 horas”, “Lost” e “Grey´s Anatomy”.

Quem já passou por isso entende agora as muitas expressões em inglês né? Assim como com o vício em uma substância masculina em que a usuária passa a achar lindo tudo o que o cara em questão gosta, e assim como em Sex and The City em que você passa a narrar o seu próprio dia com a voz da Carrie começando com: “In New York city...” mas esse efeito colateral só aparece em altas dosagens de exposição à episódios ininterruptos (se você tem as temporadas completas em DVD sabe do que estou falando).

Com Big Bang Theory você passa a incluir expressões em inglês que acha interessantes nos seus diálogos (ou nos seus pensamentos, o que já aponta para um grau mais grave de adicção) e também a considerar o que o Sheldon diria em determinada situação. Eu ainda não comecei a incluir o Sheldon como uma referência nas conversas como: O Sheldon diria... porque aí as pessoas começariam a estranhar.
Outras diferença é que na fase Sex and the City você tem vontade de tomar Cosmoplitan (apesar desse drink não constar nos cardápios de quase nenhum lugar, meninas: peçam ao barman, eles fazem mesmo assim!) e na Big Bang Theory você passa a pedir comida tailandesa em casa, ou ter inexplicáveis desejos por hamburguers.

Se você tem um nerd dentro de você, se você estudou em uma universidade na qual a metodologia científica era mais importante do que o que você tinha pra dizer, se você era proibido de dizer qualquer coisa sem referenciar-se em autores consagrados, ou se você é uma pessoa divertida, assista para a gente poder conversar “in Sheldon bases”.

E acreditem, parece mentira, mas eu conheço pessoas que não conseguem falar com mulheres/pessoas sem citar referências bibliográficas (ou que não conseguem falar com mulheres at all).

Depois me digam se vocês também não torcem pela Penny e pelo Leonard, e quanto à minha culpa... what the hell, as pessoas falam de personagens da novela como se fosse a prima de todo mundo, você chega num lugar e a pessoa vai logo te insultando: Esse esmalte/ corte de cabelo/ vestido é igual ao da fulaninha da novela!!!

Pelo menos no Big Bang Theory a gente ainda aprende um pouco de física... só pra não perder a nerd que tenho dentro de mim.
Feliz ano novo para todos (e se for passar o reveillon em casa, dica: têm as duas primeiras temporadas em dvd)!!!

Por Mirabelle

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O caracol continua o estrelato: Exaltação do outono, parte 2

[continuação do post de 6 de dezembro, que conta a odisseia do Júnior (e de seus pais) para caçar um caracol e levá-lo para a escola...]


Amanhece o dia e o Júnior oferece um despertar difícil, não consegue acordar de jeito nenhum, chora, reclama, esperneia, pede pra dormir mais. É preciso desenvolver a arte da argumentação nesses momentos e, com algo de criatividade, proponho: vamos ver como o caracol acordou para você levá-lo para a escola?

Funciona. Júnior levanta e reage, vou à cozinha buscar a lesminha amanhecida, solenemente ignorada até aquele momento por meu eu matinal ainda entorpecido. Pero... pero... ela está de cabeça pra baixo, grudada no Magipack... e na parte final da concha havia um buraco... MEU DEUS!!! Será que o caracol morreu? Não posso acreditar no tamanho da decepção e do trauma que isso acarretaria no Júnior em plena segunda-feira de manhã. Olho melhor pro pote e vejo que há uns cocozinhos no fundo. Reflito. Pode ser que o molusco terrestre ainda esteja vivo. Prendo a respiração e, depois de alguns momentos de tensão, vejo que a lesminha sai da concha, mostra as anteninhas e solto um suspiro de alívio enquanto entôo, mentalmente: “Cargol treu banya!”.

E assim vou eu e a Zilminha levar o Júnior pra escola. Ele sai de casa orgulhoso, com seu copinho na mão, pronto para realizar descobrimentos científicos interessantíssimos junto de seus coleguinhas, todos com entre 2 e 3 anos de idade. Caminhamos pelo bairro com cuidado, pois o próprio Júnior está levando o recipiente (eu tenho as mãos ocupadas empurrando o carrinho da Zilminha). Outros pequenos cientistas vão chegando com seus potes com caracóis. Ali, no meio daquele furor matinal, na esquina da escola, a poucos passos do objetivo final, o Júnior, num desses momentos de imprevisibilidade da vida, tropeça. E o copinho voa, se espatifa em mil e um pedaços e meu futuro Darwin abre o berreiro: “Buááááá... o caracol... meu caracol...”

A mãe respira fundo, coloca o freio no carrinho da bebê, agacha-se com elegância no meio da calçada (para não dizer que ficou de quatro), recupera o pedaço de Magipack e, com suas próprias mãos e superando o nojo, resgata o caracol-anão do meio dos cacos de vidro e cascalho. Pronto. Problema contornado, a Ciência está a salvo.

Finalmente, o Júnior cruza o portão da escola exitoso, exultante, com seu pequeno molusco ainda com vida embrulhado no pedaço enrugado de Magipack e chega ao objetivo final. Missão cumprida.


DESFECHO
Pela tarde, depois de buscar o Júnior, pergunto a ele como foi o dia e o estudo dos caracóis.
- A Sara pisou no meu caracol!

E é assim como nosso caracol, que quase escapou pela parede da cozinha, que acreditei ter morrido por algum componente corrosivo do Magipack em sua noite de cárcere, e que sobreviveu à queda e destruição daquilo em que era transportado em uma rua transitada esquivando-se da possibilidade de ser pisoteado, chega a seu fim, cumprindo o destino de sacrificar sua vida em nome da ciência.

by Womber Woman

O Zé Carioca, o Bofe Escândalo, o Rabino e o Carona.



Era um vez a Margarida, que depois de grandes titubeações resolveu aparecer. Ela morava numa casa na floresta, veio para a cidade, aproveitou a moda (que voltou) de saia e shorts curtos, cortou também o cabelo (foi a tesoura do desejo, desejo mesmo de mudar- Alceu Valença), trocou o carro pela bicicleta e levantou os olhos para ver quem passava.

E encontrou primeiro com o Zé Carioca. O Zé ia ao Maracanã ver os jogos do Flamengo e até cantou pra ela “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, tocava pandeiro num grupo de samba, dirigia um fusca azul calcinha. Sotaque carregado, folgado, “tirava onda” (para usar do carioquês) dos “erres” da Margarida, levou-a num samba na lage de algum lugar com vista pra baía de Guanabara e pra tomar um banho de cachoeira na floresta da Tijuca.
Tudo que o Rio tem de melhor, mas o Zé não parava de repetir, a cada lugar lindo, a cada vista, a cada música: “Olha o que eu te proporciono”. Mesmo sendo a Margarida grande amante da cultura brasileira e sentindo-se até honrada de topar com tal folclórica figura, ela cansou de agradecer por tudo o que lhe estava sendo proporcionado, e então, na porta da nova casa na cidade, conheceu o Bofe Escândalo.

O Bofe Escândalo bronzeava-se ao sol do meio dia, Ipod e celular a postos, 6:30h da manhã era o encontro quase diário com seu personal, que fazia um bom trabalho visto o braço do Bofe ser maior que a perna da Margarida. Certa noite, ao redor de despretensiosa mesa o Bofe diz que não come a noite, lhe explica que sua dieta orientada para a hipertrofia muscular não permite nem refrigerantes que não sejam “zero”, nem nada que seja diferente de batatas e albumina. Margarida sente-se constrangida por ser ela mesma assim tão desatenta às questões nutricionais, ao mesmo tempo em que faz questão de não pedir mais nada light, já que alguém tinha que ser homem suficiente para pedir: Coca normal por favor!
Diferente do Zé o Bofe Escândalo aprendera lições de gentileza com a Rainha Elizabeth e comportava-se com esmero, mas não podia passar perto de um espelho que perdia-se da conversa ao arrumar o cabelo. De nada adiantava Margarida tentar salvar o Bofe do afogamento, já acontecido com Narciso, no espelho. Sua imagem bronzeada, forte, de cabelos levemente grisalhos já o tinham levado para longe dela.

E então Margarida continuou andando, mais ressabiada que no início, já não tão mais aparecida assim deu de encontro com o Rabino. Ele tinha uma foto de bela sinagoga israelense no celular e falava com aquele sotaque próprio de quem fala hebraico (Margarida imagina que seja uma espécie de moda local de Higienópolis). Morara em Nova York e em Israel e animou-se exageradamente ao saber das raízes judaicas de Margarida. Da noite em que se conheceram até ela acordar na manhã seguinte o Rabino telefonara 17 vezes e deixara 5 mensagens. Margarida fugiu assustada, apesar das várias curiosas perguntas que ela ainda tinha para lhe fazer a respeito da vida em Nova York e se ele conhecera Bernie Madoff (aquele que foi preso, criador da Nasdak).

Margarida fechou um pouco o vidro do carro, mais ressabiada com as ilustres esquisitas figuras com quem ela foi topando no caminho. E do mundo virtual e do túnel do tempo surgiu o Carona.
Há 9 anos atrás Margarida tinha dado carona para o Carona numa ilha do outro lado do planeta, pelas ferramentas mágicas da internet o Carona encontrara-a e declarava seu amor por Margarida, não correspondido na última década. No momento da troca de correios eletrônicos o Carona, solitário, afogava suas mágoas no mar da Indonésia, Margarida não teve dó dele.

A Margarida agora está menos aparecida, mais pensativa, continua na cidade, ela considera a fauna masculina algo de exótico, mas ás vezes se assusta e foge de volta pra floresta para descansar das outras espécies entre as suas amigas e família de margaridas.

por Mirabelle.
Mais fotos sensacionais no www.thesartorialist.com

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O ponto em que estou



Estive em São Paulo. Revisitei horas de trânsito a fio fundida ao assento suado do ônibus. Tracei destinos mais além do ponto inicial e final de uma linha, procurando meus próprios inícios e fins, minhas próprias fronteiras. Eu já fui daqui, mas e hoje, de onde sou? Agora tenho mais medo da chuva.

Tudo é mais ou menos igual, mas sutilmente diferente. Como a linha verde de metrô que você sabe até onde te leva, mas cresceu um pouco, encurta tempos e distâncias. Ou o taxista afável que me conta de seus filhos, da esposa – pai orgulhoso – e, ao me perguntar os itinerários, não percebe minha hesitação. A Rebouças ainda é a Rebouças, mas agora tem corredores de ônibus nos quais me confundo sem saber se devo descer pela direita ou esquerda do veículo, tudo depende do ponto em que você está. Copio os demais passageiros, acho que ainda sei quando devo me levantar para saltar na boca do metrô Consolação.

Fui à USP. Utilizei um professor querido como pretexto, mas me dei conta de que a visita, na verdade, era a mim mesma. O professor me contou anedotas: quando era pequeno, foi pescador de urubus. Um dia eu direi que vinha aqui todos os dias. Que meu radar ainda funciona para identificar a centenas de metros os espécimes locais: os que vão ao campus para correr; os funcionários; os militantes do SINTUSP; os estudantes descolados; a beleza interessante das alunas de Letras; os engenheiros; os mestrandos; os próprios professores. Que tenho esse vínculo afetivo com esse pedaço horizontal da cidade repleto de bibliotecas, digressões e árvores porque aqui me tornei quem sou.

Aqui reencontro aquela parte de mim de que gosto e percebo que ela, também, continua mais ou menos igual, mas sutilmente diferente. Em algum lugar há uma livraria mais bonita, com mais luz e mais histórias, ou um elevador novo, melhor preparado para subir até onde você tem que chegar. Como os do professor que pescava urubus. Ele me sorri, me despede, há dois continentes e algumas feiras onde podemos nos encontrar casualmente uma próxima vez. Dessa vez foi de propósito: ele é uma das colunas que vim visitar.

Darling Darling

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Volta pra casa



Estou naquela que chamei de minha casa por mais de década e meia. As pessoas que moraram comigo continuam aqui e, como que instintivamente, quando penso em voltar pra casa, penso em chegar aqui. Algo em meu peito relaxa aliviado ao ser acolhido pelo barulho da chuva, os sons de terra molhada, o cheiro de jardim ao abrir amplas janelas. Uma minúscula aranha me observa no banheiro.

Mas esta já não é a minha casa. Meus dedos encontraram a pele daquele que é perfeita ao meu tato, o denso cabelo onde gostam de se perder, paragens ao redor da nuca que me invadem de aromas. Esse pedaço de matéria humana no espaço-tempo com quem troquei palavras em outra língua, receitas secretas, as obscenidades mais íntimas e ao redor de quem aprendi a orbitar descobrindo que é possível ser anã-marrom, estar no céu e no chão como estrela e planeta.

Minha casa é ao lado dele, onde ele estiver, e ele não está aqui. Faço do título deste texto um chamado – a ele, a mim mesma, a uma fuga: vem.

[Foto de Ana Lira. Título: Boa Vista. Muitas outras ainda mais lindas aqui: http://www.flickr.com/photos/ana_lira]

Darling Darling

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Minha única alternativa é ser alternativo


Relatório 2.0
Pesquisador:
XL500

Evento n. 2: “Festa alternativex”

Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais diversos em um grupo específico: adultos (27 a 50 anos) que compartilham interesses e profissões culturais: bailarina/os, atores, clows, malabaristas, professores de teatro, dança, músicos.

Diário de observação em campo: continuo minhas pesquisas pela Terra e já me adianto ao evento científico de sábado a noite lançando mão de minhas mais recentes revisões de literatura sobre o vestuário feminino adequado: pretinho básico. Obtive informações de que esse traje pode ser adequado para as mais diversas situações. Vestidinho preto então para a festa de sábado.

Encontro o casal (heterossexual sendo este composto por uma espécie feminino a e um masculino) que me introduzirá no evento. No local: rua um tanto mal iluminada, muitos imóveis ao redor com placas de “aluga-se”, inclusive a casa onde é a festa. O casal informa: "eles estão mudando, a festa é de despedida, a casa está vazia".

O local, grande, sala sem móveis, música alta, poucos convidados. Na cozinha dispomos as bebidas trazidas pela pia e geladeira (a casa não está completamente vazia, se bem que a conta de água não deve ter sido paga, visto a descarga não funcionar).

De repente encontro um conhecido do planeta de onde venho. Estranhamento, o sujeito (em forma de espécie feminina) pergunta: “Quem você conhece aqui?”. Entendo o código, algo se assemelha aos filmes que estudei sobre a guerra fria, a sujeita me identificou como espiã e quis saber quem havia me introduzido no local. Respondida a pergunta, a sujeita apresenta-me sua namorada. Ok, talvez o evento n.2 não seja tão diferente do n.1 (relatada no post: “Quanto mais homem menos homem?” de 23 de novembro). Prosseguimos. Bebidas self-service em copos plásticos. “Com licença, posso pegar aquele copo ali?” Nenhum sorriso.

Hipótese 1: o pretinho básico não é básico por aqui. Parece que mais ninguém tem o básico no guarda-roupa. Salto alto então, nem pensar.

Percebo que errei no modelito e talvez essa seja a razão da cara de poucos-amigos que recebo.

OK, ninguém sorri, ninguém pergunta de onde venho ou se estou gostando da festa. Para não fazer pose de estátua e nem cansar as bochechas no sorriso de aproximação fracassado, danço.

Na pista de dança;
empenhei-me em minhas pesquisas tomando aulas de dança e revisando filmes para me integrar bem em um ambiente dançante (que faz parte da pesquisa), porém, percebo que talvez, assim como os trajes, meus movimentos não sejam os mais apropriados ao local.

Moças de cabelos cacheados curtos se balançam enroladas em tecidos coloridos, segundo minhas pesquisas, espécies de “cangas” ou “bandanas” maiores. Os movimentos dos dançantes assemelham-se às danças performadas em rituais de umbanda ou candomblé. Referências logo compreendidas quando sou informada, pelo casal-fonte, que muitos dos presentes pesquisam danças brasileiras na Unicamp.


Hipótese 2: os bailarinos “profissionais” (estudiosos das artes do corpo segundo as mais sofisticadas versões sócio-antropológicas da cultura brasileira) dançam feio.

Gênero: muitas mulheres, poucos homens (geneticamente falando), menos ainda em termos de escolha sexual. A espécie feminina do casal-fonte me informa um tanto alterada, que um homem (geneticamente falando) ali presente com a namorada teve um caso com seu vizinho, e que coitada não devia saber de nada.

Aqui a distinção entre os conhecidos tipos de escolha sexual: hetero, homo, bi, é dificultada pelos trajes semelhantes e por uma espécie de código de decoro (estudar antropologia serve para alguma coisa, mas não para aprender a dançar!) que é mais ou menos assim:

- as mulheres dançam poderosas
- poucos homens que sabem dançar integram-se com elas
- o restante dos homens recosta-se pelas paredes

Hipótese 3: os homens recostados pelas paredes seriam os heterossexuais protegendo a retaguarda ou homossexuais tímidos?

Avisto um espécie masculina, aparentemente gay, que dança animadamente com algumas mulheres. Eu que gostaria de aprender a dançar melhor em dupla digo com cara simpática: “Dança comigo?” Tentando mostrar da melhor maneira a empatia entre iguais, como se eu dissesse: “Amiga, somos iguais, vamos só nos divertir dançando.”
Resposta: Não.
O espécie masculina (em termos genéticos) sai rapidamente da pista. Reviso minhas teorias de aproximação social para ver onde há um erro tão grave a ponto de eu ter assustado o terráqueo. Seria apenas o fato de eu ser mulher? O pretinho básico? O cabelo liso (super out por aqui)?

Fim da noite;

único contato conquistado mediante aproximação contundente (“Oi, tudo bem? Como você chama? Quer ser meu amigo?”). Assunto: a produção cultural local é autêntica e fértil, no entanto não tem público para apreciá-la. Mas por outro lado é bom, porque vender arte sempre reduz a liberdade de criação então é melhor assim mesmo. Profissão do informante: biólogo, malabarista e trapezista.

Hipótese 4: a população em questão aprecia a posição social de des-privilégio financeiro mesmo.

Esperando na porta do banheiro;

antes de partir (experimentando um estado, até então apenas estudado teoricamente, de enxaqueca): chega um cara depois de mim, esperamos. Ele se senta no degrau em frente ao banheiro, nenhum contato visual. Abre-se a porta do banheiro, ele se levanta e entra. Eu tinha estudado que quem chega primeiro entra antes, e que essa regra poderia ser quebrada caso um espécie masculina quisesse, por gentileza, oferecer seu lugar à espécie feminina, não é assim no Titanic: mulheres e crianças na frente?

Conclusão parcial: pelo menos na balada gay te deixam passar na frente no banheiro! Mas nessa festa, a seleção musical: da trilha sonora de Pulp Fiction, passando por Tim Maia, Amy Winehouse e samba quase vale perder a vez no banheiro.

Por XL500

domingo, 6 de dezembro de 2009

Exaltação do outono: estrelando... O CARACOL (parte 1)



Enquanto alguns travam debates acirrados para definir se a cor de esmalte do verão é rosa chiclete ou a do sapato da Barbie, ou qual o modelito mais in do biquíni Bond Girl para exibir a silhueta na praia, em outras latitudes, como na minha, tem início todo um processo de exaltação do outono. As folhas ficam laranjas, os “boletaires” vão aos bosques coletar cogumelos (que são iguarias gastronômicas locais essenciais em qualquer quitanda e não uma espécie alucinógena exótica) e, no meio de todo esse panorama, uma estrela brilha em destaque na Catalunha: O CARACOL.

Sim, sim, pensem no bichinho deliciosamente ensopado como na vizinha França, essa coisa de le escargot que muita gente pensa ser chique não é apenas um mito (comer caracol é, na verdade, uma coisa de camponês). Mas é preciso explicar como – como? – a devoção por esse personagem tem início, algo que é transmitido às criancinhas ainda em idade muy tenra. Eu, como mãe estrangeira e observadora, me empenho em aprender as tradições locais, mas a coisa custa um pouco.

Depois de ouvir o Júnior cantar infinitas vezes, em catalão, o refrão de domínio público “Cargol treu banya, puja la muntanya...” (Caracol, mostra as anteninhas, sobe a montanha etc. e tal), eis que numa bela sexta-feira chega uma nota da escola: “Queridos pais, vamos começar a estudar os caracóis e montar um viveiro. Se vocês puderem ir ao parque com seus filhos neste fim de semana e trazer algum caracol vivo, agradecemos”.

VIVO? Hmmm. Ainda bem que o Júnior tem pai, um homem valente e viril que não tem nojo de bichinhos invertebrados e asquerosos. Domingão de sol, lá vão o Júnior, o pai e a Zilminha ao parque, cansar os moleques para a gente ter um pouco de paz à tarde e também caçar os tais caracóis. Depois de muito investigar o terreno (literalmente), voltam os três com uma das forminhas de areia repleta de caracóis (que são enormes para os padrões tupiniquins). Mas só um deles, o menorzinho, tinha lesma. O Júnior estava exaltante, já o Asdrúbal abriu uma cerveja. Me limitei a estacionar o copinho ao lado da janela da cozinha, sem encostar nas conchas (eca), e vou tocar a vida.

À noite, as crianças já dormindo, chega aquele momento de magia e exaustão de preparar a mochila para a escola no dia seguinte. Tenho que preparar também o caracol, encontrar um potinho onde o bicho possa dormir vivo e ser levado para que os pequenos cientistas montem seu experimento. Reviro os tupperwares da vida e concluo que o melhor seria um copinho de vidro de iogurte, pois temos vários e um a menos não vai fazer falat. Lá vou eu procurar o caracol na forminha de areia que deixei do lado da janela e... cadê o desgraçado? Já estava escalando a parede, em plena fuga. Quase perco o futuro científico do Júnior. Pior: tive que encostar na concha e observar como a lesma se despregava da parede com um "ploc" para encestá-la no copinho – aaaaargh, que nooooooooojo!!!

Cubro o copinho com Magipack, furo o plástico com um palito de dentes, preocupada com a respirabilidade da microcâmara até o dia seguinte e voilà, buenas noches, cargolet, até amanhã.

continua...

by Womber Woman

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Julie & Julia


Chove. Me sirvo de outra taça de vinho, hoje fui comprar e sempre que posso, tento encostar no sommelier para ver se aprendo algo novo, hoje aprendi: untuoso. O quê? Não sei o que é isso. É amanteigado. Untuoso de untar? Que nem unta fôrma de bolo, com manteiga? É. Ah!

A chuva acalma um dia quente com uma lista de 16 coisas para fazer. Um vizinho toca a campainha para devolver o prato no qual estavam os pedaços de bolo que ofereci ontem.

Um amigo da faculdade disse que um clichê é lindo quando é verdade. Por exemplo: Você é a manteiga do meu pão. Quem já viu identificou a frase: Julie & Julia.

É clichê escrever em um blog sobre um filme que fala de uma Julia que escreve em um blog. Mas é de verdade, então... Como foi lindo ver o filme usando colar de pérolas, sem saber antes do colar de pérolas das personagens. Dá uma sensaçãozinha de perda de direitos autorais quando a gente vê exatamente aquilo que queria dizer, ao mesmo tempo em que o coração se sente posto no colo.

Há dias venho pensando em uma coisa: na pressa. Em como a falta de tempo está na moda. Quanto pega bem falar que a agenda está cheia e quanto dá até vergonha falar no celular: "Não estou ocupada, posso falar". Ou: "Obrigada pelo convite, vou sim!"

Uma segunda-feira qualquer. 18:40h. Chego para pegar o carro que tinha deixado para lavar. Moça sentada em um banco do estacionamento/lava-rápido olhando para o chão. Me vê e: "Nossa que correria né? Tá uma correria, o ano já tá acabando!" Que boneco atual esse, pensei. Fica em stand by, quando alguém bate palma ele fala a frase gravada: correria...

Penso se a moça do lava-rápido seria muito diferente de todas as pessoas que ouço repetirem essa exata frase. Seriam minhas amigas tão mais ocupadas que a moça blade-runner?

No filme a Julia almoça com três amigas e cada uma fala no celular, uma delas “cordialmente” tenta agendar algo com Julia, saca seu sei-lá-o-quê eletrônico onde moram seus infinitos compromissos e diz que sua agenda está lotada. Talvez um café da manhã?

Jantar, nem pensar (prime-time, que nem na Warner) almoço também não, você não é tão relevante assim, já sei: café da manhã. Aquela refeição rápida que você tem que fazer mesmo, porque não aproveitar e encaixar 10 minutos de uma desimportante pessoa?
E eu até fiz um bolo para um desses breakfast dates (a palavra em inglês já diz: rápido).
Sou tão démodé.

Não é toa que o filme fala, se passa e traz a comida francesa à mesa. Os tempos indefinidos passados nos cafés, as refeições de 7 pratos, as receitas de um dia inteiro.

A minha Julie é a Heloisa Bacellar, estudou também na Cordon Bleu e escreveu dois livros (2 que eu conheço) lindos lindos com receitas que dão sempre certo, fotos de crianças, panelas e toalhas vermelhas.

A Heloisa me ensinou que não precisa ter louça combinando para convidar pessoas para jantar, que se pode fazer arranjo de flor do jardim e que é importante pensar se os convidados têm coisas em comum a conversar. Há pouco tempo me perguntaram: "Quanto tempo demorou para fazer tudo isso?/ O dia inteiro", respondi.

Nilton Bonder, um rabino que está escrevendo coisas interessantes, disse que pode ser que a mulher moderna volte para a cozinha. Cozinha não como escravidão e submissão, mas como outra relação com o tempo, com o servir e com o outro.

Sei que as orelhas se arrepiam ao falar em mulher na cozinha, mas não falo aqui na mulher viniciana (de Moraes, com suas 9 esposas), feita apenas para amar, para chorar/sofrer (não sei, os dois talvez) pelo seu amor e para ser só perdão- samba da bênção.

Mas das mulheres, e homens, que podem usar seu tempo para preparar algo para o outro. O que dá uma satisfação individual incrível, não tem nada a ver com santidade ou anulação, mas com aquela recusa, da qual nos fala tão docemente Lenine:

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Cozinhar demora. Cozinhar é valsa. Se um pão tem que esperar uma hora para crescer para depois ser sovado novamente e esperar mais 2 horas... nada acelera isso.

Quando penso na cozinha francesa e nas típicas dietas de revistas brasileiras me pergunto: como as francesas são magras e as brasileiras não? Os nutricionistas estariam errados nas contagens calóricas? Porque o que o filme mostra é verdade, você nunca vai comprar e usar tanta manteiga na sua vida quanto quando você cozinha receitas francesas.

Talvez o que a revista NOVA e a Woman´s Health não considerem é que a comida é mais que caloria, é alimento. E nada alimenta menos que barrinha de cereal e sanduíche light (daqueles embrulhados em plástico).

Sentir-se bem alimentada emagrece, porque não precisa comer mais.
Acho que por hoje, com o filme e o vinho, posso dizer (como se diz polidamente à mesa): estou satisfeita.
Por Mirabelle
Heloisa Bacellar: Cozinhando para amigos é o vol.1, o vol.2 se chama: Entre panelas e tigelas, é ainda mais bonito, mas prefiro a distribuição do primeiro, que é: dias quentes, na frente da TV, reveillon na praia etc, no vol.2 as receitas são separadas por situações como: festa junina, ovos, arroz e feijão.
O melhor mesmo é ter os 2. Já dei de presente em alguns casamentos, tenho considerado o presente mais delicioso de dar e receber. Editora DBA, fotos de Romulo Fialdini.
Nilton Bonder: o livro dele, A alma imoral, ed. Rocco, está entre os meus preferidos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Estou.


O vento me contorna,
reflito a luz numa parte lisa
guardo uma sombra n´outra curva
e faço calor.


Quero adormecer dentro
e acordar sem vazar.
Até que lugar é eu,
onde te começa?


Preciso caber só (e toda) nesse espaço
entre detrás do osso e o arrepio
um pouco além da pele
lá fora, já sua,
onde ainda eu assobio.


Por Pommelle