domingo, 30 de maio de 2010

Manuscrito


Por mais que me esforçasse, nunca consegui gostar do que a Sandy cantava. Sempre achei que ela tinha uma voz bonita, mas, mesmo depois que as músicas já não estavam pensadas para público infantil, achava aquilo pop demais, romântico demais, meloso demais para o meu gosto. Ainda assim, uma parte de mim tirava o chapéu por vê-la como uma artista completa: ela não só cantava bem, mas também dançava bem (e eu sabia o quanto custava dançar bem, cantar, então? Pra mim, não me atrevo nem no chuveiro, só na próxima encarnação mesmo). E ainda por cima, ela era boa aluna. Foi fazer faculdade, coisa a que pouca celebridade se atreve. E tudo isso sem ficar rebolando e mostrando a bunda para chamar a atenção (não que eu me identificasse com o jeito certinha dela, mas outra vez uma salva de palmas por ter chegado aos 27 anos vestida embaixo de tanto holofote, recusando mais de uma oferta da Playboy - e a tentação de virar sex symbol, que mulher nunca sonhou com isso tão secretamente?).

Remendando a frase acima, eu nunca consegui gostar do que a Sandy cantava até a semana passada, quando por curiosidade resolvi escutar o disco solo dela, Manuscrito, no top 10 da Rádio UOL. Que felicidade que ela não tem mais irmão pra ter que fazer dupla e duetos, banda pra fazer show, ritmos dançantes para coreografias que precisam encher o palco de movimento, luz e som, todo aquele ruído e estética pop para atrapalhá-la. Gente, agora a Sandy é ela. Só ela. Todas as letras são dela. Ela só tem que sentar no banquinho e cantar, cantar, cantar, acompanhada de belos arranjos de piano ou violão. Ritmos tranquilinhos, agradáveis. Letras elaboradas com sinestesias, figuras de linguagem, bem trabalhadas - por algo ela foi estudar Letras, e acho que neste caso pegar o lápis e compor é uma forma de lapidar o talento com transpiração.

Não vou dizer que gostei de tudo, mas de muita coisa (para mim o disco podia começar na faixa 5, eu jogava as quatro primeiras lá para o final). "Ela/Ele" conta uma história bonitinha demais, parece letra do Chico Buarque (sim, sim, eu me atrevo a dizer isso!). "Tão Comum" é assim como a gente pelo menos uma vez por semana: "Se você me perguntar o que eu quero do futuro, eu digo que não sei. Tão Comum. Errar, errar, e errar de novo". Nós e nossas cagadas, que bom saber que até a Sandy, tão perfeita em sua imagem pública, enfia o pé na jaca, e com um bom balanço. "Dedilhada" também sai do comum, está mais... mais... musicalmente ousada, acho. "Sem jeito" tem uma coisa meio rock que contrasta com a letra de perdida de amor por você, que não cai no óbvio. Esse disco, com minha opinião musical nada científica ou especializada, tem um quê de trabalhos anteriores da Marisa Monte ou da Zélia Duncan, por exemplo. E que bom encontrar essas semelhanças.

E assim, de repente, descubro que a sensibilidade da Sandy pode bater com a minha, a das minhas amigas, e a de outras mulheres de 27 ou 28 ou 30 e poucos anos como eu. Eu, que por anos e anos tantas vezes transitei pelos mesmos espaços que a Sandy, tive agora esse feliz encontro com ela, totalmente despretensioso e por pura coincidência do destino. E foi um prazer.

E aviso: com esse trabalho, ela chega a outros públicos, sim, e vai ter o mérito de aproximar os fãs do pop comercial a outros gêneros da música brasileira, em um movimento parecido ao que Paulo Coelho fez com a literatura ao criar o hábito de leitura em gente que antes não lia (e que, graças a ele, chegou aos clássicos).

Pra isso, Sandy, só falta você sambar.

W.W.