segunda-feira, 25 de abril de 2011

O homem "a nível de" frigobar no banheiro





“Que época mais interessante essa em que vivemos. E por isso mesmo tão complicada. De uma hora para outra a organização familiar que tinha controlado a vida privada e pública das pessoas foi totalmente transformada. Não que o patriarcado fosse a coisa mais legal do mundo, longe disso, mais dentro dele as pessoas sabiam se mover, havia uma experiência ancestral que ensinava, um know how passado de geração em geração. E agora estamos todos um pouco perdidos, as mulheres, os homens, os travestis e até os gatos de estimação.”

Roubei essas frases de um e-mail recebido recentemente de um amigo querido, chamemo-lo aqui carinhosamente de homem-frigobar. Um pouco assim porque o rapaz escreve bem e facilitou minha reflexão, outro tanto por um instinto de vingança ancestral feminina contra todas as palavras que os senhores escritores (gênero masculino, número plural) roubaram de esposas, amantes, mães ou amigas ao longo de muitos séculos sem nunca dar-lhes o crédito. Naqueles tempos não achavam sequer que mulher escrevia. Era algo assim dos machitos, como alfabetização, política ou essas coisas menos importantes que os bordados como votar, exercer cidadania, ter opinião. Por exemplo.

“Talvez os mais inseguros e perdidos sejam os homens”, ele diz, achando complicado ser masculino, impulsivo e viril num mundo em que alguém pode te mandar para cadeia por ter feito sexo sem preservativos, como aconteceu com o cara do Wikileaks. Ele se assusta porque hoje as mulheres “têm também um poder econômico e social muito grande” (tudo isso ele disse porque soube que fui mãe e acredita que temos um “poder de decisão sexual”, de “escolher quem vai passar os genes para a próxima geração” que o homem não tem).

Querido homem-frigobar, veja bem. Bendito seja o Senhor pelo poder econômico e social que nós, mulheres, vamos conquistando à base de migalhas e grãos de areia desde o infinito dos tempos – mas que, como você pode entender, está ainda muito longe de uma condição de igualdade em relação ao sexo oposto. Eu mesma duvido desse critério da igualdade para mensurar coisas tão diferentes, como o feminino e o masculino, o made in Venus ou made in Mars. Mas é o menos piorzinho que existe no momento, então vamos lá. A gente ainda ganha menos economicamente. E estuda mais, está mais bem preparada. E passa incontáveis horas a mais fazendo trabalhos não remunerados (como tudo aquilo que a senhora sua mãe sempre fez pelo seu bem dentro de casa, da comida às cuecas passadas – que cada uma aqui olhe para dentro de si e saiba até onde pode chegar). Veja o Congresso, a Câmara. As prefeituras. Isso é igualdade? Se é um poder social “muito grande”, pode preparar a voltagem que os amperes de pressão ainda precisam aumentar homericamente até nosso motorzinho social funcionar igual ao de vocês, varões.

Depois de dividir as contas com a patroa (muito 80s isso, por sinal! Welcome to the 21st century!), está complicado dividir também as tarefas domésticas? Você agora não é mais um bom partido se não souber cozinhar, se não deixar a cozinha arrumadinha, fizer a lista e a compra do supermercado (sem esquecer dos nossos cosméticos favoritos), colocar a roupa para lavar (tirando as manchas a mão se necessário) e, principalmente, tolerar nossas calcinhas penduradas no box e respeitar o horário sagrado da novela (aquela preocupação de abaixar a tampa da privada era do tempo do meu avô e esse defeito genético já foi corrigido na geração 1979.3.5.6.beta). Caso pense em procriar (e não só nos ensaios gerais para o ato), vá se informando sobre as últimas correntes pedagógicas, montando agenda de visitas para elaborar seu casting de escolinhas e berçários e saiba que você terá que ir nas reuniões bimestrais com as professoras (a desculpa de “papai está trabalhando” está muito, muito fora de moda, tão brega!). Sem falar em se documentar e por a mão no bolso para atender todos os caprichos relacionados ao parto ideal da parceira (cada uma saberá de si).

Difícil, meninos-frigobar? Pois não. Difícil é ter toda a lição de casa das mocinhas do novo milênio em dia, andar de salto alto com passo firme, cabeça erguida e unha feita, linda e cheirosa, educando os pequenos trogloditas que você carregou nas entranhas para que eles dêem um passinho a mais na cadeia evolutiva do Piteco. Ah, claro, e estando com um carinha como você. Que reclama porque a gente quer que você use creminho anti-rugas pra ficar mais inteiro daqui a 30 anos e não tenha barriga de cerveja.

Nesse cenário, diz o meu amigo, o camarada se sente perdido, totalmente fora de lugar, “como se fosse um frigobar no banheiro”. E acaba se sentindo fraco. E broxa. E acha que todo mundo acaba infeliz assim.

O que eu acho? Eu acho que a mina que foi pra cama com o Mr. Wikileaks realmente é um pouco bitch de estar acusando o cara de estupro, abuso sexual ou whatever. Mas também gostaria de lembrar que há não muito tempo (ontem?) muitas denúncias de estupro 1) não eram feitas 2) não eram levadas a sério porque o acusado era o marido 3) eram desconsideradas porque a mulher era acusada de ter seduzido o sujeito porque usava minissaia ou qualquer outra roupa que ela quisesse e o estaria provocando. Isso para não falar numa coisa que se chama Lei Maria da Penha. Então, não, não acho que seja fácil decifrar o manual de instruções dos relacionamentos entre os sexos da Era de Aquário, mas também não acho que exista desculpa para o homem se sentir um fraco. E menos ainda de broxar conosco. Afinal, a beleza e a delicadeza (que pode ser entendida como fragilidade) são a essência da feminilidade, e a isso, ser feminina, desculpe, mas não vamos renunciar (e viva aos terninhos da Marta Suplicy!)

Não lamento nada dizer que só resta aos homens-frigobar se reinventarem. Se quiserem, posso passar o telefone do seu Wilson, o meu técnico do ar-condicionado, que tem um primo que mora no exterior e conhece uns modelos diferentes que às vezes funcionam com nossa voltagem. Se quiserem tentar trocar uma peça para ver o que acontece, ele conhece um arquiteto-engenheiro da FAU que anda testando umas coisas experimentais que parece que estão agradando a mulherada.

Mas, por favor e principalmente, não desanimem, há esperança e o entendimento é possível: eu só posso concordar com meu amigo quando ele diz que “é preciso encontrar um ponto de estabilidade onde todo mundo esteja mais ou menos feliz. Pena que ninguém tenha a mais mínima ideia de onde esse tal ponto pode estar”.

Womber Woman