segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O caracol continua o estrelato: Exaltação do outono, parte 2

[continuação do post de 6 de dezembro, que conta a odisseia do Júnior (e de seus pais) para caçar um caracol e levá-lo para a escola...]


Amanhece o dia e o Júnior oferece um despertar difícil, não consegue acordar de jeito nenhum, chora, reclama, esperneia, pede pra dormir mais. É preciso desenvolver a arte da argumentação nesses momentos e, com algo de criatividade, proponho: vamos ver como o caracol acordou para você levá-lo para a escola?

Funciona. Júnior levanta e reage, vou à cozinha buscar a lesminha amanhecida, solenemente ignorada até aquele momento por meu eu matinal ainda entorpecido. Pero... pero... ela está de cabeça pra baixo, grudada no Magipack... e na parte final da concha havia um buraco... MEU DEUS!!! Será que o caracol morreu? Não posso acreditar no tamanho da decepção e do trauma que isso acarretaria no Júnior em plena segunda-feira de manhã. Olho melhor pro pote e vejo que há uns cocozinhos no fundo. Reflito. Pode ser que o molusco terrestre ainda esteja vivo. Prendo a respiração e, depois de alguns momentos de tensão, vejo que a lesminha sai da concha, mostra as anteninhas e solto um suspiro de alívio enquanto entôo, mentalmente: “Cargol treu banya!”.

E assim vou eu e a Zilminha levar o Júnior pra escola. Ele sai de casa orgulhoso, com seu copinho na mão, pronto para realizar descobrimentos científicos interessantíssimos junto de seus coleguinhas, todos com entre 2 e 3 anos de idade. Caminhamos pelo bairro com cuidado, pois o próprio Júnior está levando o recipiente (eu tenho as mãos ocupadas empurrando o carrinho da Zilminha). Outros pequenos cientistas vão chegando com seus potes com caracóis. Ali, no meio daquele furor matinal, na esquina da escola, a poucos passos do objetivo final, o Júnior, num desses momentos de imprevisibilidade da vida, tropeça. E o copinho voa, se espatifa em mil e um pedaços e meu futuro Darwin abre o berreiro: “Buááááá... o caracol... meu caracol...”

A mãe respira fundo, coloca o freio no carrinho da bebê, agacha-se com elegância no meio da calçada (para não dizer que ficou de quatro), recupera o pedaço de Magipack e, com suas próprias mãos e superando o nojo, resgata o caracol-anão do meio dos cacos de vidro e cascalho. Pronto. Problema contornado, a Ciência está a salvo.

Finalmente, o Júnior cruza o portão da escola exitoso, exultante, com seu pequeno molusco ainda com vida embrulhado no pedaço enrugado de Magipack e chega ao objetivo final. Missão cumprida.


DESFECHO
Pela tarde, depois de buscar o Júnior, pergunto a ele como foi o dia e o estudo dos caracóis.
- A Sara pisou no meu caracol!

E é assim como nosso caracol, que quase escapou pela parede da cozinha, que acreditei ter morrido por algum componente corrosivo do Magipack em sua noite de cárcere, e que sobreviveu à queda e destruição daquilo em que era transportado em uma rua transitada esquivando-se da possibilidade de ser pisoteado, chega a seu fim, cumprindo o destino de sacrificar sua vida em nome da ciência.

by Womber Woman

O Zé Carioca, o Bofe Escândalo, o Rabino e o Carona.



Era um vez a Margarida, que depois de grandes titubeações resolveu aparecer. Ela morava numa casa na floresta, veio para a cidade, aproveitou a moda (que voltou) de saia e shorts curtos, cortou também o cabelo (foi a tesoura do desejo, desejo mesmo de mudar- Alceu Valença), trocou o carro pela bicicleta e levantou os olhos para ver quem passava.

E encontrou primeiro com o Zé Carioca. O Zé ia ao Maracanã ver os jogos do Flamengo e até cantou pra ela “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, tocava pandeiro num grupo de samba, dirigia um fusca azul calcinha. Sotaque carregado, folgado, “tirava onda” (para usar do carioquês) dos “erres” da Margarida, levou-a num samba na lage de algum lugar com vista pra baía de Guanabara e pra tomar um banho de cachoeira na floresta da Tijuca.
Tudo que o Rio tem de melhor, mas o Zé não parava de repetir, a cada lugar lindo, a cada vista, a cada música: “Olha o que eu te proporciono”. Mesmo sendo a Margarida grande amante da cultura brasileira e sentindo-se até honrada de topar com tal folclórica figura, ela cansou de agradecer por tudo o que lhe estava sendo proporcionado, e então, na porta da nova casa na cidade, conheceu o Bofe Escândalo.

O Bofe Escândalo bronzeava-se ao sol do meio dia, Ipod e celular a postos, 6:30h da manhã era o encontro quase diário com seu personal, que fazia um bom trabalho visto o braço do Bofe ser maior que a perna da Margarida. Certa noite, ao redor de despretensiosa mesa o Bofe diz que não come a noite, lhe explica que sua dieta orientada para a hipertrofia muscular não permite nem refrigerantes que não sejam “zero”, nem nada que seja diferente de batatas e albumina. Margarida sente-se constrangida por ser ela mesma assim tão desatenta às questões nutricionais, ao mesmo tempo em que faz questão de não pedir mais nada light, já que alguém tinha que ser homem suficiente para pedir: Coca normal por favor!
Diferente do Zé o Bofe Escândalo aprendera lições de gentileza com a Rainha Elizabeth e comportava-se com esmero, mas não podia passar perto de um espelho que perdia-se da conversa ao arrumar o cabelo. De nada adiantava Margarida tentar salvar o Bofe do afogamento, já acontecido com Narciso, no espelho. Sua imagem bronzeada, forte, de cabelos levemente grisalhos já o tinham levado para longe dela.

E então Margarida continuou andando, mais ressabiada que no início, já não tão mais aparecida assim deu de encontro com o Rabino. Ele tinha uma foto de bela sinagoga israelense no celular e falava com aquele sotaque próprio de quem fala hebraico (Margarida imagina que seja uma espécie de moda local de Higienópolis). Morara em Nova York e em Israel e animou-se exageradamente ao saber das raízes judaicas de Margarida. Da noite em que se conheceram até ela acordar na manhã seguinte o Rabino telefonara 17 vezes e deixara 5 mensagens. Margarida fugiu assustada, apesar das várias curiosas perguntas que ela ainda tinha para lhe fazer a respeito da vida em Nova York e se ele conhecera Bernie Madoff (aquele que foi preso, criador da Nasdak).

Margarida fechou um pouco o vidro do carro, mais ressabiada com as ilustres esquisitas figuras com quem ela foi topando no caminho. E do mundo virtual e do túnel do tempo surgiu o Carona.
Há 9 anos atrás Margarida tinha dado carona para o Carona numa ilha do outro lado do planeta, pelas ferramentas mágicas da internet o Carona encontrara-a e declarava seu amor por Margarida, não correspondido na última década. No momento da troca de correios eletrônicos o Carona, solitário, afogava suas mágoas no mar da Indonésia, Margarida não teve dó dele.

A Margarida agora está menos aparecida, mais pensativa, continua na cidade, ela considera a fauna masculina algo de exótico, mas ás vezes se assusta e foge de volta pra floresta para descansar das outras espécies entre as suas amigas e família de margaridas.

por Mirabelle.
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