segunda-feira, 25 de julho de 2011

Goodbye

Há alguns anos, na faculdade, uma pergunta surgiu como uma questão importante diante de mim: porque sinto prazer com uma obra de arte? Porque a humanidade ouve música, vai ao teatro e lê?
Porque pessoas vão ver a Monalisa há centenas de anos? E nós de vez em quando precisamos ouvir aquela música (muitas vezes)?
O que uma música conversa com a gente a revelia da nossa razão e consciência? O que um quadro fala com nossos olhos que nós mesmos não vemos? E outra pergunta, que vinha junto com essa: O que faz uma obra de arte ser duradoura e outra passar desapercebida de um carnaval para o outro?
Fui fuçar em quem já se perguntou isso e na psicanálise encontrei mais ou menos assim (Segal 1952/1982):




A obra de arte, seja a música, a poesia, a imagem da fotografia ou o cinema, faz um eco dentro de mim, espontâneo, natural, como se eu passasse diante dela e me visse ali, refletido em um espelho. Assim se daria a identificação de cada um com certo tipo de arte e de artista, guardadas as especificidades de cada indivíduo, uma pessoa é mais tocada pela música, outro pela linguagem da poesia, ou pelo teatro.



Olho pela lente daquela música (ou poesia, cinema) e ali eu me enxergo, vejo a minha dor (a minha história). A minha questão pessoal, ali, ganha contornos, melodia e palavras, ou cores e texturas. Aquele artista tem um mundo destruído e caótico assim como eu o tenho, mas tem a condição- que eu não tenho- de criar algo a partir desse sofrimento e desse caos, a com isso ele faz som, imagem e letra e entrega à mim. Ouvindo essa música minha dor toma forma, ganha palavras, timbres e à medida em que a ouço repetidas vezes, saio da minha sensação confusa e obscura mais enriquecido e inteiro (as crianças precisam assistir desenhos que tratam das suas questões emocionais diveeeersas vezes).


"É tentador sugerir que isto ocorre porque em uma grande obra de arte o nível da negação do instinto de morte é menor do que em qualquer outra atividade humana, que o instinto de morte é reconhecido, tão plenamente como pode ser suportado. É expresso e aprisionado para as necessidades do instinto de vida e da criação" (Segal, 1952/1982, p. 270).

Dá pra dizer, pelos artistas que tiveram vidas perturbadas, enlouquecidas, prematuramente interrompidas, que talvez eles tenham coragem (condição/ única alternativa?) maior que outras pessoas de se ater, de sentar na calçada de suas dores até dali nascer música, quadro e poesia.


Dos poucos momentos de grandes dores (para mim foram as minhas grandes) que tive, eu só quis que elas passassem, só quis me livrar e de preferência que ninguém ficasse sabendo. Ela ganhou 5 Grammys com as dela. Em uma obra de arte a negação do instinto de morte é menor do que em qualquer outra atividade humana...



Ter coragem de negar o instinto de morte menos que qualquer um. Não vejo ninguém mais generoso que um artista que nos presenteia com sua obra, a revelia da própria vida, não que isso seja consciente ou caridoso, provavelmente ela não poderia fazer nada diferente do que fez.

Alguém que senta perto da morte e nos ajuda ao dizer que quando “you go back to her/ I go back to black” e que “love is a loosing hand” (quem joga pôquer há de entender isso de uma maneira + interessante), dá nome á um sentimento à revelia da norma vigente dizer que todo mundo pode sair com todo mundo, o que a gente sente quando ele vai embora (He walks away) é que “the sun goes down/ He takes the day, but I´m grown/ And in your way/ in this blue shade/ My tears dry on their own”.


A artista que não apenas pela poesia da letra, mas pela autenticidade da interpretação, pela pegada nova do jazz, teve o talento para capturar e transformar em experiência comunicável toda uma dimensão apaixonada dos relacionamentos e das dores desses, atual, livre, louca, independente, sofrida, carente, compulsiva e solitária.


Ela podia não ter morrido? Ela podia ter feito a música que fez se não tivesse essa proximidade com o sofrimento? Esse enamoramento com o trágico?

Deixo meus sentimentos de gratidão. Sem ela, muitas lágrimas teriam ficado sem nome.
I say my goodbye in words...



Missis Amy Winehouse



Por Mirabelle



Segal, H. (1982). Uma abordagem psicanalítica da estética. In H. Segal, A obra de Hanna Segal. P. 245-272. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1952).