quinta-feira, 4 de novembro de 2010

por um triz

Camille Claudel deu o nome de Sakountala ou L´Abandon à primeira escultura dramática de sua autoria. Diz-se que fez essa escultura após flagrar seu amante, Rodin, com uma de suas modelos.

Sakountala, segundo uma lenda indiana, era a filha de um sábio. Um rei poderoso, numa de suas andanças fora de seu domínio, vê Sakountala e se apaixona. Ela também se apaixona e eles têm um filho juntos. O rei volta ao seu reino para preparar o casamento. Nesse momento Sakountala é amaldiçoada por um feiticeiro. A maldição: o rei não lembraria nunca mais dela, assim como um homem bêbado que não se lembra do que fez ou do que falou no dia anterior. Sakountala vai ao encontro do rei e conta a historia de amor deles, mas ele não a reconhece. Ela fica desolada com a humilhação e se recolhe. Alguns anos mais tarde, o rei a reencontra, a reconhece e pede perdão pelo esquecimento. Ela aceita o perdão, inclina-se para o homem ajoelhado diante de si que a aperta em um abraço tenso. Ele amassa seu rosto na parte que ela lhe oferece para beijar. Ela, sem forças, deixa cair o braço esquerdo enquanto com a mão direita segura o coração no abraço do homem amado. Feliz em se saber reconhecida pelo seu amor, ela morre.
Camille teria se sentido amaldiçoada pelo esquecimento de seu Rodin, ao vê-lo com outra?

Tão antiga essa coisa da mulher viniciana (de Moraes) feita apenas para amar, sofrer pelo seu amor e ser só perdão.

Que jogue o batom preferido aquela que não teve um amor assim, de broke the heart, aquele amor que deixou uma saudade amarga do gosto do que não foi.

Todo amor irrealizado ganha tons de pérola e cristal, não gasto pela realização da rotina o amor que não foi, fica sendo aquele que poderia ter sido.

Esse amor que é só e é puramente feminino.

Porque homem não sabe o que é chorar antes de dormir pela ligação não recebida.

Não sabe como uma mentira faz arder o ar que entra em uma inspiração.

Homem não sabe o sentimento de culpa misturado com raiva que dá, ao sentirmos que não somos suficientes pra ele.

Não sabe o que é ouvir a mesma música semanas seguidas porque ela fala o que a gente está sentindo, como se na voz e na melodia aquela dor fosse tomar forma e então poder ser jogada fora.

Homem não sabe o quanto dói querer que ali onde ele me deseja, eu queria que me amasse.

Um amor irrealizado é como passar o dia inteiro cozinhando e não vir ninguém para jantar. Trágico se oferecer para o vazio, para a falta, uma falta escolhida pelo outro, ativa, proposital, e jogar a comida toda fora, no lixo.

Sakountala não poderia ter sido esculpida por um homem. Esse desejo que contém tamanha potência que, se realizado, se pode morrer. Desejo de ser reconhecida em seu amor, vista e legitimada pelo seu amado.

E entre a Amélia, as esposas de Vinicius e Sakountala vamos tentando encontrar algo mais parecido com nós mesmas, sabendo que como para Beatriz , nossa natureza última de mulher

“Para sempre é sempre por um triz”

Por Mirabelle

Beatriz, música de Chico Buarque e Edu Lobo