quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sonho de uma noite de verão




Férias escolares, verão chegou e com ele o momento de ir visitar a sogra. Ok, ok, a visita não é exclusivamente a ela, é a toda a família do Asdrúbal, longe de ser pequena. Como acontece na vida de muitos, dentro de muitas casas (e espero que um dia dentro do coração do Júnior também), ela, A Mãe, é a figura que adquire protagonismo em se tratando de família. Então vamos lá: subimos no aviãozinho e cruzamos o equador para visitar a sogra.

Minha sogra é um amor - e ela é mesmo, não é ironia (os quilômetros que nos separam por tantos meses do ano talvez ajudem a ter essa opinião). O que não me impede reconhecer que somos diferentes em muitos aspectos. Quis o Universo que ela seja dessas senhoras que criou cinco filhos com os pés nas costas, que senta um, dois, três, dez comensais (em turnos, se preciso for) na mesinha da cozinha e vai esquentando tortillas para iniciar uma produção de tacos em série enquanto conversa e, quando você termina de jantar e pensa em começar a ajudar com alguma coisa a louça já está lavada, você pode guardar aqueles dois tupperwares com umas sobrinhas na geladeira (porque essa arte de calcular as quantidades perfeitas para refeições com número de pessoas sempre variável realmente é uma arte que minha matemática não domina) e voilà, você está liberada para ir ao quarto dormir e encontrar sua roupa magicamente passada e perfumada esperando que você decida onde guardá-la.

Eu, por minha vez, posso acabar histérica se meus dois únicos rebentos resolvem dar chilique e meus superpoderes (super?) se inclinam mais em controlar um mundo secreto de clientes e colaboradores desde meu laptop do que as quantidades e procedimentos de preparos de comida. Remover manchas é um suplício, não motivo de orgulho, e agradeço até hoje aos neozelandeses por terem me ensinado que é possível viver dignamente sem passar roupas.

Diz o ditado que cabeça vazia é panela do diabo. Lá tão longe da grande civilização você pode relaxar do seu mundo – e eis que, quando você baixa a guarda, seu inconsciente aproveita para dar o golpe.

Passei essas semanas tendo sonhos (pesadelos?) , flashes e reminiscências de figuras opressoras, nada fofas, de sogras do passado. Na verdade, nem todas eram sogras, mas Grandes Matronas, dessas que eu já não serei. A mãe de meu namoradinho da adolescência observando cada um de meus movimentos quando eu, na ousadia dos meus 16 anos, me ofereci para ajudá-la na cozinha: "Também é assim que eu lavo as batatas", disse, panela em riste, depois de eu tê-las esfregado uma a uma cuidadosamente com bucha e sabão na pia da cozinha. Ou o olhar de ódio da dona Dalva, que me alugou um quarto quando cheguei para estudar em São Paulo dois anos mais tarde, ao cruzar comigo no ônibus do bairro semanas depois de eu ter me mudado para uma república e ousado abandonar o seio e os valores de sua família monoparental (era assim: enquanto ela ralhava com a filha da minha idade porque não tinha lavado a louça ou terminado a faxina, os dois caçulas inúteis de 13 e 16 anos viam TV e pediam: "Mãe, traz água" e a senhora ia até a sala toda solícita, copo de água em mãos. Com um pratinho embaixo.)

A verdade é que, tanto quando entrei na cozinha da senhora mãe-do-meu-namoradinho como na casa da dona Dalva, era uma inepta em assuntos domésticos. E foi assim, com a paciência que essas matronas tiveram comigo (não por opção delas, mas com gentileza até) que aprendi tudo aquilo que não me ensinaram em casa - como cozinhar feijão, escolher o programa da máquina de lavar, que minha roupa já estava seca o varal. E que o olhar opressor, na verdade, sou só eu quem vê, refletido desde o poço de minhas inseguranças.


Womber Woman, jan/2012