Eu sou aquela que acordou a cada pequeno choro ou suspiro contido por noites a fio sempre que eles precisaram. Sou aquela que emprestou o corpo para gerar vida e alimentá-la, exausta ou insone, os bíceps tarimbados por sempre ter estado ali quando os pequenos braços se estendiam a mim.
Também sou aquela que postergou projetos por não existir projeto maior que um ser humano menor que você capaz de proporcionar tamanha ilusão de posse: meu filho, minha filha. Tão incoerente que você se dedica a ensinar-lhes, inexaurível, a fazer o que querem, e não o que você manda.
Eu sou tudo isso. Mas sou também aquela que aprende a gritos internos – com a generosidade e disponibilidade do parceiro – a ser egoísta o suficiente para afastar-me por três horas de voo e sete dias até viver outra vida talvez menos desejada, mas não menos merecida.
Eu fui aquela que o encanto dos DJs obrigou a dançar na areia diante do azul mediterrâneo, sereia serena, até o sol se por ou raiar, cinco anos mais jovem segundo os olhares alheios que, como eu, podem não me imaginar ali. Mas fui e cumpri e fiquei morena para mergulhar até as profundezas de meus mares mais cristalinos, permitir-me aproveitar a condição de mulher brasileira bela e jovem e tão exotiquinha numa ilha exclusiva como self-gentileza por tudo o que custou chegar ali. Que pouco espaço existe entre ser turista e imigrante.
Também encantei e bebi grátis na piscina com vista cinematográfica, entrei como convidada nos templos da música eletrônica sentindo-me sagrada, até emprestar as costas sob céu estrelado para quatro mãos macedônias estudarem massagens recém-aprendidas eu emprestei. Merecidamente.
Sou tudo isso, sim. Queria ter sido todas as mulheres do mundo para que elas pudessem ser um pouco de mim. Como gesto de gratidão por toda a inveja que já tive daquelas que não eram eu algum dia, essa coisa tão feminina. Parodiando uma leitora, eu digo: “eu tenho dó de quem não é a gente”.
Volto mais plena, não com menos saudades dos meus. Que o mundo abrace minha pele morena, não tenho medo, quem irá devorá-lo sou eu.
Para Mirabelle, Cri e Asdrúbal, que fizeram esta aventura possível.
Womber Woman, Mykonos, verão europeu de 2011.
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