segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Minha única alternativa é ser alternativo


Relatório 2.0
Pesquisador:
XL500

Evento n. 2: “Festa alternativex”

Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais diversos em um grupo específico: adultos (27 a 50 anos) que compartilham interesses e profissões culturais: bailarina/os, atores, clows, malabaristas, professores de teatro, dança, músicos.

Diário de observação em campo: continuo minhas pesquisas pela Terra e já me adianto ao evento científico de sábado a noite lançando mão de minhas mais recentes revisões de literatura sobre o vestuário feminino adequado: pretinho básico. Obtive informações de que esse traje pode ser adequado para as mais diversas situações. Vestidinho preto então para a festa de sábado.

Encontro o casal (heterossexual sendo este composto por uma espécie feminino a e um masculino) que me introduzirá no evento. No local: rua um tanto mal iluminada, muitos imóveis ao redor com placas de “aluga-se”, inclusive a casa onde é a festa. O casal informa: "eles estão mudando, a festa é de despedida, a casa está vazia".

O local, grande, sala sem móveis, música alta, poucos convidados. Na cozinha dispomos as bebidas trazidas pela pia e geladeira (a casa não está completamente vazia, se bem que a conta de água não deve ter sido paga, visto a descarga não funcionar).

De repente encontro um conhecido do planeta de onde venho. Estranhamento, o sujeito (em forma de espécie feminina) pergunta: “Quem você conhece aqui?”. Entendo o código, algo se assemelha aos filmes que estudei sobre a guerra fria, a sujeita me identificou como espiã e quis saber quem havia me introduzido no local. Respondida a pergunta, a sujeita apresenta-me sua namorada. Ok, talvez o evento n.2 não seja tão diferente do n.1 (relatada no post: “Quanto mais homem menos homem?” de 23 de novembro). Prosseguimos. Bebidas self-service em copos plásticos. “Com licença, posso pegar aquele copo ali?” Nenhum sorriso.

Hipótese 1: o pretinho básico não é básico por aqui. Parece que mais ninguém tem o básico no guarda-roupa. Salto alto então, nem pensar.

Percebo que errei no modelito e talvez essa seja a razão da cara de poucos-amigos que recebo.

OK, ninguém sorri, ninguém pergunta de onde venho ou se estou gostando da festa. Para não fazer pose de estátua e nem cansar as bochechas no sorriso de aproximação fracassado, danço.

Na pista de dança;
empenhei-me em minhas pesquisas tomando aulas de dança e revisando filmes para me integrar bem em um ambiente dançante (que faz parte da pesquisa), porém, percebo que talvez, assim como os trajes, meus movimentos não sejam os mais apropriados ao local.

Moças de cabelos cacheados curtos se balançam enroladas em tecidos coloridos, segundo minhas pesquisas, espécies de “cangas” ou “bandanas” maiores. Os movimentos dos dançantes assemelham-se às danças performadas em rituais de umbanda ou candomblé. Referências logo compreendidas quando sou informada, pelo casal-fonte, que muitos dos presentes pesquisam danças brasileiras na Unicamp.


Hipótese 2: os bailarinos “profissionais” (estudiosos das artes do corpo segundo as mais sofisticadas versões sócio-antropológicas da cultura brasileira) dançam feio.

Gênero: muitas mulheres, poucos homens (geneticamente falando), menos ainda em termos de escolha sexual. A espécie feminina do casal-fonte me informa um tanto alterada, que um homem (geneticamente falando) ali presente com a namorada teve um caso com seu vizinho, e que coitada não devia saber de nada.

Aqui a distinção entre os conhecidos tipos de escolha sexual: hetero, homo, bi, é dificultada pelos trajes semelhantes e por uma espécie de código de decoro (estudar antropologia serve para alguma coisa, mas não para aprender a dançar!) que é mais ou menos assim:

- as mulheres dançam poderosas
- poucos homens que sabem dançar integram-se com elas
- o restante dos homens recosta-se pelas paredes

Hipótese 3: os homens recostados pelas paredes seriam os heterossexuais protegendo a retaguarda ou homossexuais tímidos?

Avisto um espécie masculina, aparentemente gay, que dança animadamente com algumas mulheres. Eu que gostaria de aprender a dançar melhor em dupla digo com cara simpática: “Dança comigo?” Tentando mostrar da melhor maneira a empatia entre iguais, como se eu dissesse: “Amiga, somos iguais, vamos só nos divertir dançando.”
Resposta: Não.
O espécie masculina (em termos genéticos) sai rapidamente da pista. Reviso minhas teorias de aproximação social para ver onde há um erro tão grave a ponto de eu ter assustado o terráqueo. Seria apenas o fato de eu ser mulher? O pretinho básico? O cabelo liso (super out por aqui)?

Fim da noite;

único contato conquistado mediante aproximação contundente (“Oi, tudo bem? Como você chama? Quer ser meu amigo?”). Assunto: a produção cultural local é autêntica e fértil, no entanto não tem público para apreciá-la. Mas por outro lado é bom, porque vender arte sempre reduz a liberdade de criação então é melhor assim mesmo. Profissão do informante: biólogo, malabarista e trapezista.

Hipótese 4: a população em questão aprecia a posição social de des-privilégio financeiro mesmo.

Esperando na porta do banheiro;

antes de partir (experimentando um estado, até então apenas estudado teoricamente, de enxaqueca): chega um cara depois de mim, esperamos. Ele se senta no degrau em frente ao banheiro, nenhum contato visual. Abre-se a porta do banheiro, ele se levanta e entra. Eu tinha estudado que quem chega primeiro entra antes, e que essa regra poderia ser quebrada caso um espécie masculina quisesse, por gentileza, oferecer seu lugar à espécie feminina, não é assim no Titanic: mulheres e crianças na frente?

Conclusão parcial: pelo menos na balada gay te deixam passar na frente no banheiro! Mas nessa festa, a seleção musical: da trilha sonora de Pulp Fiction, passando por Tim Maia, Amy Winehouse e samba quase vale perder a vez no banheiro.

Por XL500

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