sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Excesso de bagagem



A moça do balcão do check-in fala (em outra língua) o preço da taxa pelo excesso de bagagem, finjo não entender porque não posso acreditar em tantos euros por tão poucos quilos. Penso em deixar a mala porque nem vale tudo isso o que tem aí dentro, fica mais barato comprar em ouro esses quilos.
Tenho vontade de chorar e uma culpa ardida ameaça fechar a garganta.
Sei que não são só os euros que doem. Alguns momentos trago na mala com o peso e preço de um tesouro, como Prévert eu queria saber pintar com pincéis de letra aquela noite sozinha, o taxi voltando, o banho de manhã, o corpo surpreendentemente desperto, vivo. As primeiras noites quentes quentes sem hora pra dormir quando procurei no youtube coisas que eu não sabia que lembrava de mim, e foi como me reapresentar e gostar de quem eu conhecia, porque tínhamos (eu e mim mesma) ouvido as mesmas músicas e ido aos mesmos shows.
Quanto valeria se algum dinheiro pagasse, dançar forró pelada sozinha, depois do banho, girando os pés cansados e a cabeça sonolenta e sorridente do chardonnay do supermercado de E$ 4,30, luz apagada num espaço de 6 metros quadrados. Voltar de calça branca de linho pelo metrô pulando na escada rolante de dois em dois degraus só pra dar certo com a música do ipod, alta, som alto, salto alto no alto da sexta a noite. Quanto valeria em dinheiro aquele arrepio triste e emocionante com quem me encontrei na frente do “Beijo” de Rodin ao reparar que a mulher se entrega, desaba sobre ele, e ele, homem assustado, medroso, mal encosta a mão direita no quadril dela, costas retas, músculos tensos, ela beija, ele é beijado.
Na cozinha da casa de portas coloridas as conversas sobre nuvens, Ronaldo (o fenômeno), cerveja quente, Guimarães Rosa, tarô, direito civil francês, resgate aéreo, poesia da capoeira, super aceleração de partículas (era isso?), Harry Potter, Lacan, amores que estão longe, fofocas dos de perto, e o maranhense que acordava environ midi (por volta do meio dia) cabelo pra cima, bermuda vermelha, mão na barriga, pé no chão, fez um suco de laranja e: “Esse é pra você!”.
Tem uma coisa de dentro de gente que parece que dormiu na rede e acordou sem pressa, que é um jeito de fazer o mundo parecer uma varanda ensolarada. Laranja que nem o suco que me ofereceu.
Só 14 Kg a mais? Eu trouxe muito mais, mas essas coisas não se deixam, assim a toa, pesar em balança.

Prévert- Jacques Prévert, poeta francês conhecido por ser o poeta do cotidiano parisiense, Pablo Picasso falou sobre ele: “Jacques, tu ne sais pas peindre, mais tu es peintre.” (Jacques, você não sabe pintar, mas você é pintor).
Chardonnay- tipo de uva que faz um vinho branco leve e frutado
Taxa de excesso de bagagem da Air France: E$ 15,00/quilo extra. (pra ter uma idéia uma mala média pesa 20kg, o que dá E$ 300,00)
Ronaldo- fenomenal, e ainda mais no Corinthians!!!!
Lacan- psicanalista francês (1901-1981)
POR MIRABELLE

3 comentários:

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  2. ADOREI! Me vi ali... imersa nessas palavras, revivi esses momentos mais uma vez... obrigada! Beijo, keyla.

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  3. Mirabelle, cherie,
    Acabo de chegar de viagem eu também e rpometo que vou voltar a postar aqui com mais freqüência! Estive em Menorca, outra das ilhas Baleares, nadando naquele mar azul-turquesa lindo do Mediterrâneo!
    Lembrei de nossa viagem a Ibiza há alguns verões, quando havia menos coisa pendurada nos nossos varais e era mais fácil dar uma sumida, podíamos deixar a roupinha pendurada esturricar no sol até ficar dura de tão seca que não tinha problema nenhum. Agora temos outros lastros, o varal vai ficando mais cheio, mais pesado, mas também com outras cores e modelitos mais interessantes, não?
    Menorca estava ótimo, mas você teria me matado se eu tivesse te arrastado pra lá naquele verão. É um lugar cheio de famílias, crianças, ingleses, ingleses, ingleses e muuuuuita calma. Calma talvez demais pra quem queria amanhecer na Pachá-sede.
    Mas isso é assunto pra esmiuçar em outro post.
    Beijos,
    Womber.

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