quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Vontade-de-Jornal-Nacional


Não tenho tv a cabo (medida atual de nova fase da vida) e nem liguei a tv nova na antena do prédio, resultado: só dvd. Sou daquelas chatas que gostam de filme iraniano (juro que gosto, vi um em Barcelona que mais parecia uma poesia, “5 de la tarde”), peguei uma encomenda na Cultura hoje de um filme da B.B. (Brigitte Bardot). Sou daquelas chatas que não sossegam até ter visto essas coisas clássicas das quais a gente sempre ouve falar, mas nunca viu, por exemplo: Breakfast at Tiffany´s (traduzido por Bonequinha de Luxo), que tem aquela foto da Audrey Hepburn com uma piteira. Dos clássicos aos atuais, vejo e revejo as temporadas (aleatoriamente) do Sex and the City, mas hoje, surpreendentemente numa quinta-feira, veio aquela vontade conhecida de Jornal Nacional.


Vontade-de-jornal-nacional é mais que uma vontade, são várias vontades unidas sob a égide do Bonner e da Fátima. É vontade de noite normal, comum. Sabem aquele sentimento de mediocridade confortadora de ser mais um entre tantos milhões a ouvir o “boa noite” do William Bonner?
Poderia ser uma vontade-de-novela, mas essa é mais perigosa porque continua no outro dia, e normalmente é legal e você vai querer ver de novo, jornal nacional dá uma overdose de mães chorando por um filho que sumiu há 17 anos que você não tem vontade de ver de novo pelos próximos 7 meses.
Faz parte dessa vontade o desejo por qualquer comida da infância: coxinha de frango no forno, macarrão de gravatinha, arroz com ovo e tomate picado, farofa. Sei que a vontade-de-jornal-nacional é um alerta de colo, mas vamos deixar as interpretações acerca da angústia para o chato do analista (coitado, ele nem é chato, a minha voz interna que é).


É vontade de noite devagar, sem música, nem cerveja, nem prosecco, nem mensagem no celular. Junto dessa vontade vem vontade de que tudo esteja pronto e funcionando sem que você tenha que fazer nada, como quando a gente chega pra sentar à mesa quando criança e está tudo lá.


Vontade de não ter nada a ver com fazer as coisas funcionarem, ou acontecerem.


Naquele texto clichezíssimo e fofo do “Wear sunscreen” (vale a pena, vai lá no Google!), ele fala que nostalgia é reciclar as coisas por um valor maior do que de fato valeram. Pode ser. Mas que é demais de reconfortante ouvir o William, da TV do vizinho, e sentir que se o jornal nacional continua lá, falando que o Maluf (agora vai!) pode ser incriminado por ter acobertado o desaparecimento de presos políticos na ditadura (oh, jura?), se tudo continua igual, é porque existe consistência no mundo, uniformidade, mesmice. E nesses dias o igual é delicioso, e mais: necessário.


A vontade-de-jornal-nacional me visita em média duas vezes ao ano. Nos outros 363 dias a uniformidade e o mesmo (não o do elevador, o da mesmice mesmo) me apavoram (ou tem algo mais aterrorizante que o Faustão domingo?). Mas tem dia que me apavora mais a sensação volátil de suflê. Da vida suflê, inchada por fora, e com queijo derretido dentro, nada de persistente, de eterno (jornal nacional é eterno).


Viajar- como disse um querido viajador (que aliás está viajando hoje)- destampa a cabeça. O dia-dia faz a nossa cabeça de marmita mesmo, mas já tive a sensação, viajando, de destampar tanto que quase saí flutuando que nem bexiga de gás. Já sentiram, bem dentro da pele, que tanto faz o seu trabalho, a cidade onde você mora, ou qualquer outra escolha que, no momento marmita-tampada parece indiscutível e eterna?


É nesses dias em que a vertigem de todas as possibilidades se avoluma dentro da gente que a musiquinha do JN nos traz pelo pé àquela realidade que parece de verdade (que muita gente acredita) mas a gente sabe que não é nada disso.

A gente sabe que o Maluf não vai ser preso (ou não vai permanecer preso), que o jogador do Palmeiras vai dizer que a concentração é importante porque o jogo contra o Atlético vai ser difícil e todas essas realidades-de-marmita.


Mas que delícia que é marmita, de vez em quando, com o feijão misturado na farofa e um ovo em cima, e couve então? Com jornal nacional, combinação perfeita! Porque nem só de filme iraniano e confit de pato vive uma pessoa.

Por Mirabelle misturada com Cocobelle

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Quanto mais homem menos homem?



(Relatório 1.0 expedição Terra)


Grande área: antropologia cultural inter-planetária.
Local: Terra.
Era cultural: Pós-modernidade.
Foco de pesquisa: vestuário, moradia, comunicação grupal, relacionamento sexual dos habitantes locais.
Metodologia: 1. Participação como sujeito do evento em observação (Levi-Srauss). 2. Revisão sistemática da literatura terrestre dos campos: sociologia, antropologia, mitologia, psicanálise, religião e filosofia. 3. Questionário informal aplicado aos habitantes locais.


Pesquisador XL500 (não é nome de caminhonete nem de arma): sujeito em forma de habitante do sexo feminino (o que se refere ao corpo biológico como nasceu), solteira (referente ao estado civil, o que implica em sujeito não casado com outro de sexo oposto, ou do mesmo sexo, como o código jurídico de alguns países consideram), na faixa dos 20 aos 30 anos (contados em anos solares).


Evento n. 1: “Balada GLS”- festa, evento que costuma acontecer a noite (referente à transação da Terra em seu próprio eixo). G: gay. L: lésbica. S: simpatizante.
Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais distintos com intuito de estabelecer parâmetros e concluir tipologias no que se refere a vestuário, comunicação e relacionamento.
Objetivo geral: incluir grande dossiê sobre a sexualidade e gênero interplanetário.

Diário de observação em campo: com o espírito dos antropólogos franceses que habitaram aldeias indígenas, dirijo-me ao local sábado a noite, 24 graus. Cidade de 14 milhões de habitantes, meio do feriado. Informam-me que tudo está vazio porque todo mundo foi a praia (anotado: terrestres vão à praia no feriado). Espécie feminina que me acompanha oferece dado curioso:


“Com esse carrão a gente vai fazer sucesso, homem adora esse tipo de carro, meio tanquinho de guerra, é tipo o brinquedo que eles adoravam quando crianças, só que de gente grande!”


Outro dado relevante: “Essa balada é gay, fui uma vez, é meio pesado, aqueles caras se pegando, não sei não!” - fala da fonte feminina.
Chegando: não há reação quanto ao veículo com o qual nos transportamos.

Hipótese 1: gay não liga pra carro.


Recentemente em minhas pesquisas ouvi, em tom jocoso, que: “Mulher gosta de dinheiro, quem gosta de homem é gay”. So far, a realidade oferece lastro para tal compreensão.
Na fila: GLS? Gays homens muitos (é o que parece pelos estudos que fiz). Lésbicas? Não. Simpatizantes? Não é possível saber. Penso em alguma espécie de placa, tiara com luz piscante ou cor de camiseta que identifique tão importantes decisões individuais, mas logo considero que a sugestão poderia não ser bem aceita. Entro.
A segurança revista-me duas vezes, uma antes de ver a bolsa, outra depois. Seria ela a primeira lésbica que identifico na balada? Questionamento pendente.
Lá dentro. Lugar agradável, com espaço aberto, duas pistas, bares distribuídos. 90% de terrestres organicamente masculinos. Esse, pelo que percebo, é o único dado passível de apreensão imediata (alertaram-me para o fato dessa observação ser possível tão somente não haja a presença de travestis). A categoria de gênero e escolha de parceiro sexual são áreas que começo a desconfiar serem bem mais complexas do que a literatura é capaz de apreender.


Em minhas pesquisas identifiquei algumas características marcadamente femininas: trejeitos, delicadeza, voz mais fina, movimentos suaves. Alguns terrestres masculinos (organicamente) apresentam tais características, o que facilita a identificação por uma opção homossexual: gostam da mesma coisa que uma mulher (em se tratando de escolha de parceiro). No entanto, em campo (balada GLS), uma informação factual conflita com meu arcabouço teórico.


Homens, como definido por diversos autores e pela maneira com que são ilustrados pela cultura em mitos, romances, poemas, novelas etc, são indivíduos com força física superior à espécie feminina. Tendo, portanto, desenvolvido ao longo da história, trabalhos fisicamente mais desgastantes e utilizado, inclusive, tal diferença física como parte do jogo de sedução e acasalamento com seus pares de sexo oposto para fins de perpetuação da espécie humana. Os “homens” (no sentido orgânico) dessa balada são os mais fortes que já vi desde que cheguei à Terra. A noite é um mar de músculos e barrigas definidas, auxiliadas por algum tipo de produto que reflete a luz: dançarinos de bermuda e botas bezuntados de óleo.

Segundo a literatura clássica ali estariam os Hércules pós-modernos. Pelo que estudei os gregos adorariam a pós modernidade!


Questionamento teórico paradoxal: quanto mais homem menos homem?

Sendo o primeiro no sentido físico e o segundo no de escolha sexual.

Diante da cena repetida de músculos e barrigas (não sei se o uniforme era calça jeans, tatuagem e mais nada, ou se era apenas a ditadura da moda) a mostra da espécie feminina (amiga) conclui: "Se eu fosse homem eu seria gay, olha que lindo!"
À medida que o álcool age no entorpecimento do SNC (sistema nervoso central- esse é outro assunto que merece pesquisa aprofundada) o que era esquisito passa a ser visto como lindo.


Tendo chegado um momento, já perto de amanhecer, em que uma espécie feminina um tanto acabrunhada de início passa a mão carinhosamente em duas carecas (faria parte do uniforme também?) de um casal de caras enormes “se pegando” (como se diz por aqui) e exclama: “Que liiiiiindo!”
(to be continued! )


Por XL500

sábado, 21 de novembro de 2009

Esmalte verde = Mesa redonda/ Placar





Esse calor... quarta fiz voz manhosa para uma amiga me acompanhar em uma, duas, três, quatro (etc)... cervejas lá pelas 10 e meia da noite, 27 graus, bar na rua, daqueles podrinhos, com qualquer coisa frita deliciosa, de croquete a bolinho de bacalhau. Não dava pra dormir. Entendi nessa semana o mistério de quarta-feira, há algumas semanas volto de um compromisso tarde e me pego sentindo que as paredes e assentos domésticos têm pulga. Não é uma invasão de insetos coceirentos: é dia de jogo!!!!!

Nunca morei em prédio, e ainda não concebo um lar em tão diminutas proporções. Continuo, como a minha cachorrinha, que fica parada na porta da sala como fazia na do quarto anterior, a pensar que depois daquela porta seguem-se os próximos cômodos da casa. Mas não, depois daquela porta seguem outros diminutos larzinhos de onde, de quarta, um som se repete infinitas vezes após as 21:30h. Aquele sxplet da latinha abrindo. Entendi, QUARTA É DIA DE JOGO!!!


Que alegria que é noite de jogo, 27 graus com a trilha sonora sxplet, independente de quem jogue (nunca tenho a menor idéia), segundo um primo corinthiano roxo, domingo é dia de jogo do Coringão, independente de quem esteja jogando. Quarta é dia de sxplet.

Então, novembro é mês daquela outra trilha sonora recheada de efeitos sonoros dos anos 80 que nos remete a tatuagens de pôr-do-sol com golfinhos. “Vem chegando o verão, muito amor no coração, essa magia colorida”. Não haveria pessoa melhor a falar de verão que a carioquésima Fernanda Abreu.

E não sei se empolgada pelos sxplets da vida, ou pelas revistas de moda, parece-me que esse verão traz coisas de fato novas que gostaria de dividir com vocês: scarpins fetichosos, biquínis e maiôs Bond girls, maquiagem mineral mate (desculpem meninos, aqui começamos a falar em outra língua mesmo, mas continuem nos acompanhando, se você tem interesse no universo feminino- ahá, agora não dá coragem de desistir de ler né? Nada como uma ameaça à masculinidade).

Digam aí chéries, o que pensam do esmalte verde que invadiu os salões de beleza em tons de menta (clarinho) e verde mais escuro? A Chanel lançou o esmalte JADE, de um verde chique e a Colorama e a Risqué fizeram suas versões brasileiras. Quem já não usou ou ouviu falar do Rosa-Chiclete, aquele rosa cor-de-sapato-da-barbie?

Aliás, uma menina daquelas muito cor-de-rosa falou para a sua psicóloga, ao ver as unhas da profissional esmaltadas com a tal novidade: “A minha Barbie tem um sapato dessa cor!” Só as meninas para se entenderem mesmo.

Testemunho de uma amiga ao usar o esmalte verde: “Você se sente meio estranha, sabe quando a gente fica roxa, e depois fica verde? Dá essa impressão de estar verde de depois de roxa”. Comentário: isso pode ser bom! Hehehe.

E os scarpins da Arezzo. Cores: coral, menta, rosa chok, vermelho- daquele vermelho de desenho animado do vestido da Jessica Habbit, lambram? Fetichozíssimos.

Experimentei o escarpim meia-pata (com aquele salto “embutido” que deixa o salto enorme sem ficar desconfortável- antes era usado só por travestis e pela Claudia Raia, mas agora é legal e moderno) peep toe (aberto na frente, dedinhos a mostra) verde menta e achei o máximo.

Comentei com uma espécie feminina ao lado: “Isso é uma coisa que nenhum homem entende!”. Falado isso um espécie masculina olha para o sapato com uma expressão de dúvida e confusão e exclama: “Porque um sapato dessa cor?”

É meninas, se vocês comprarem um scarpin verde menta e uma carteira coral (de verniz pra brilhar ainda mais!) não esperem que seus companheiros entendam, não é uma questão de gostar ou desgostar é de não alcançar o que a coisa significa, esse verbo bom em inglês que não temos em português: realize, eles não “realizam”. Assim como nós não realizamos a idéia da discussão ad eternun a respeito do Flamengo ter que empatar para o São Paulo continuar em primeiro.

Essas coisas são coisas nossas (desde pequenas, como nos mostra a menina que entende exatamente a idéia do rosa-chiclete) e para não deixar os meninos de fora, faço uma aproximação desses mundos que parecem não apenas distantes um do outro, mas que parecem vibrar em ondas de espécies distintas.

Essa conversa de esmalte verde, para mim, tem a mesma função, serve para a mesma coisa que aqueles programas de TV infindáveis sobre futebol. Esmalte verde = mesa redonda.

Viva a quarta sxplet de jogo de futebol que a gente sai com uma amiga pra falar de esmalte verde. Esses assuntos, que são mais como bolsões de falta absoluta de utilidade são como um balneário de descanso (um resort mental) do que é tido como importante, aquele espaço do qual fala Winnicott entre o que é de fora (realidade objetiva) e o que é de dentro (da gente).

Uma dica meninas: prestem atenção na discussão futebolística (se na hora não houver a mão uma espécie feminina pra falar de esmalte), eles falam deles, e falam da bola, e falam de novo de si mesmos, e falam do Wagner Love (a-do-ro esse nome, não é o máximo?). Como a gente, que fala da cor do scarpin, e fala da vida estar colorida, ou não. E fala do rosa-chiclete, e fala da Barbie que existe em nós mesmas.

Uma frase do grande frasista e romancista Oscar Wilde para fechar (e me garantir das críticas a respeito da futilidade do assunto):

“A mim dai-me o supérfluo, que o necessário todo mundo pode tê-lo.” (Oscar Wilde)

D. W. Winnicott- pediatra e psicanalista inglês que criou o conceito de espaço transicional/potencial. Área de experiência emocional que transita entre a percepção objetiva da realidade e a apreensão subjetiva. A brincadeira habita o espaço transicional, assim como a cultura e a religião. Os fetiches (no bom sentido também). Área de criatividade, de potencial para o nascimento do novo.

Por Cocobelle
(Pra quem gostou: leia também o post "Quase trinta" de 08 de setembro aqui mesmo no varaldedentro )