Não tenho tv a cabo (medida atual de nova fase da vida) e nem liguei a tv nova na antena do prédio, resultado: só dvd. Sou daquelas chatas que gostam de filme iraniano (juro que gosto, vi um em Barcelona que mais parecia uma poesia, “5 de la tarde”), peguei uma encomenda na Cultura hoje de um filme da B.B. (Brigitte Bardot). Sou daquelas chatas que não sossegam até ter visto essas coisas clássicas das quais a gente sempre ouve falar, mas nunca viu, por exemplo: Breakfast at Tiffany´s (traduzido por Bonequinha de Luxo), que tem aquela foto da Audrey Hepburn com uma piteira. Dos clássicos aos atuais, vejo e revejo as temporadas (aleatoriamente) do Sex and the City, mas hoje, surpreendentemente numa quinta-feira, veio aquela vontade conhecida de Jornal Nacional.
Vontade-de-jornal-nacional é mais que uma vontade, são várias vontades unidas sob a égide do Bonner e da Fátima. É vontade de noite normal, comum. Sabem aquele sentimento de mediocridade confortadora de ser mais um entre tantos milhões a ouvir o “boa noite” do William Bonner?
Poderia ser uma vontade-de-novela, mas essa é mais perigosa porque continua no outro dia, e normalmente é legal e você vai querer ver de novo, jornal nacional dá uma overdose de mães chorando por um filho que sumiu há 17 anos que você não tem vontade de ver de novo pelos próximos 7 meses.
Faz parte dessa vontade o desejo por qualquer comida da infância: coxinha de frango no forno, macarrão de gravatinha, arroz com ovo e tomate picado, farofa. Sei que a vontade-de-jornal-nacional é um alerta de colo, mas vamos deixar as interpretações acerca da angústia para o chato do analista (coitado, ele nem é chato, a minha voz interna que é).
É vontade de noite devagar, sem música, nem cerveja, nem prosecco, nem mensagem no celular. Junto dessa vontade vem vontade de que tudo esteja pronto e funcionando sem que você tenha que fazer nada, como quando a gente chega pra sentar à mesa quando criança e está tudo lá.
Vontade de não ter nada a ver com fazer as coisas funcionarem, ou acontecerem.
Naquele texto clichezíssimo e fofo do “Wear sunscreen” (vale a pena, vai lá no Google!), ele fala que nostalgia é reciclar as coisas por um valor maior do que de fato valeram. Pode ser. Mas que é demais de reconfortante ouvir o William, da TV do vizinho, e sentir que se o jornal nacional continua lá, falando que o Maluf (agora vai!) pode ser incriminado por ter acobertado o desaparecimento de presos políticos na ditadura (oh, jura?), se tudo continua igual, é porque existe consistência no mundo, uniformidade, mesmice. E nesses dias o igual é delicioso, e mais: necessário.
A vontade-de-jornal-nacional me visita em média duas vezes ao ano. Nos outros 363 dias a uniformidade e o mesmo (não o do elevador, o da mesmice mesmo) me apavoram (ou tem algo mais aterrorizante que o Faustão domingo?). Mas tem dia que me apavora mais a sensação volátil de suflê. Da vida suflê, inchada por fora, e com queijo derretido dentro, nada de persistente, de eterno (jornal nacional é eterno).
Viajar- como disse um querido viajador (que aliás está viajando hoje)- destampa a cabeça. O dia-dia faz a nossa cabeça de marmita mesmo, mas já tive a sensação, viajando, de destampar tanto que quase saí flutuando que nem bexiga de gás. Já sentiram, bem dentro da pele, que tanto faz o seu trabalho, a cidade onde você mora, ou qualquer outra escolha que, no momento marmita-tampada parece indiscutível e eterna?
É nesses dias em que a vertigem de todas as possibilidades se avoluma dentro da gente que a musiquinha do JN nos traz pelo pé àquela realidade que parece de verdade (que muita gente acredita) mas a gente sabe que não é nada disso.
A gente sabe que o Maluf não vai ser preso (ou não vai permanecer preso), que o jogador do Palmeiras vai dizer que a concentração é importante porque o jogo contra o Atlético vai ser difícil e todas essas realidades-de-marmita.
Mas que delícia que é marmita, de vez em quando, com o feijão misturado na farofa e um ovo em cima, e couve então? Com jornal nacional, combinação perfeita! Porque nem só de filme iraniano e confit de pato vive uma pessoa.
Por Mirabelle misturada com Cocobelle
Meninas,
ResponderExcluirA cada dia que leio este blog, eu gosto mais!
A vontade jornal-nacional é aquele sentimento de nos sentirmos em casa, com os nossos pais - mesmo que não estejam ali; é de estarmos com nós mesmos, sem a agitação; de sentarmos no sofá e ficarmos lá diante do casal 20 da Tv e com isso ainda podemos achar que o mundo apesar de caótico e dos seus dramas, ainda pode dar certo. Depois acaba virando uma grande nostalgia com os créditos subindo junto com musiquinha e o jornal termina...Mas alagumas vezes por ano eu tenho isso de querer assistir Jornal Nacional também.
Bonequinha de Luxo e A Princesa e o Plebeu, ambos com a Audrey, merecerem ser vistos e revistos sempre. E de preferência sem ninguém por perto reclamando que o filme é velho, que está em preto e branco e que é romance puro! Coisas que só nós, mulheres, entendemos bem.
estalos e sucesso!
Ma...você é uma delícia!
ResponderExcluirAdorei o post, confesso que a vontade de JN me invade um pouco mais que duas vezes por ano, e que às vezes caio na tentação da novela, e, sim, é legal e dá vontade de ver no dia seguinte...que perigo!
To com muita saudade de vc Ma...falar com vc mesmo que de vez em quando, ou estar um pouco mais próxima de vc lendo seus textos no blog, tb dá a sensação de consistência no mundo...gosto tanto!
Beijos!!
Malu
Querida Cocobelle:
ResponderExcluirVibro por dentro de saber que há um lugar para a farofa com feijão e COUVE na sua alma de marmita parisiense. Ou-là-là! A couve é um manjar dos deuses que só quem não pode tê-la se dá conta.
Às vezes eu sinto uma vontade irremediável de JN, fantástico ou uma novelinha do Manuel Carlos. E de couve também, of course. Mas, como aqui não tem marmita, tenho que me dar por satisfeita com um "menú del día" ou o telejornalismo espanhol, que também tem suas particularidades e quebra o galho na hora de agasalhar a alma às 9h da noite (aqui é mais tarde) ou 8h da manhã.
beijos,
Womber Woman