domingo, 28 de março de 2010

Lembra quando...



Lembra quando a gente podia falar mal das pessoas, fumar em lugares públicos e fechados (óóó!!!), abrir a torneira sem culpa, pôr sal na salada, tomar sol, e (pasmem) comer carboidratos a noite? Ah que tempo bom.


Karl Lagerfeld (estilista da Chanel há centenas de anos) escolheu 3 pontos que, em sua opinião, são a razão para o fim da conversa interessante no planeta terra: 1- a proibição da argumentação considerada politicamente incorreta, 2- os celulares com internet, mensagens, msn etc e 3- a proibição de fumar em bares e restaurantes. Sem poder falar mal de nada e nem de ninguém, com pessoas que, ao invés de conversarem com você estão “falando” com muitas outras pelos celulares (Iphones etc) e tendo que levantar pra fumar em outro lugar... resultado: o falecimento da conversação interessante.

Com a visão da nutrição atual, da dermatologia, da cardiologia, dos professores de academia, acho que a existência interessante está com seus dias contados.

Os padrões corretos estão se estreitando como naquelas cenas em que o Indiana Jones vai ficando sem ter onde colocar os pés sobre uma pedra que paira em lava incandescente.

Me lembro de tomar sol sem ficar repassando na minha cabeça as explicações aterrorizantes que a dermatologista deu sobre os efeitos nocivos dos raios UVA e UVB, e de tomar banho demorado no frio sem pensar nas pobres focas que estão ficando sem geleiras para morar.

Uma fatia de pão integral, porque tem x gramas de carboidrato, espera aí, a gente está comendo comida ou ração? Já teve uma época em que eu tinha medo de padaria, por causa da toda a farinha branca que morava lá dentro. Farinha branca é tratada como maconha e gordura então, como crack, e não falo de gordura de torresmo não, gordura de requeijão. Quando vou no MacDonalds (quase nunca eu juro!) olho em volta pra ver se não vejo ninguém conhecido, quem freqüenta bocas de fumo deve se sentir assim.


Se há anos as pessoas tinham pesadelos com o exorcista ou o Jason, o pesadelo atual são vários bolinhos de chuva e/ou rabanadas alados atacando. Bolinho de chuva ou/e rabanada: farinha branca (ó!), com açúcar (óó!!) frita (óóó!!!). Que delícia.

Uma amiga médica me falou que os padrões considerados normais pela OMS (organização mundial de saúde) em relação às taxas, de colesterol, triglicérides etc, vem sendo diminuídas a cada nova reformulação. Então, se ter “xy” de colesterol na década de 30 era bom, hoje não é mais. Sem entrar na paranóia de pensar o quanto a indústria farmacêutica (remédios e protetores solares), a de alimentos, a de cirurgia plástica ganham com tudo isso, penso nos padrões cada vez mais inatingíveis que nos são propostos.

Não me espanta se uma junta de médicos se reunirem e decidirem que sexo deve ser tratado como gordura. É melhor ser praticado apenas uma vez na semana, por conta da elevação da pressão arterial que acarreta.

Quando tudo o que é divertido e gostoso foi proibido ou espremido em um dia da semana, tem alguma coisa errada com o mundo!

Por Mirabelle

sábado, 13 de março de 2010

Branca de neve

E ela ficou assim, linda, linda, toda de branco



Era março e esperávamos a primavera. Flores e manhãs cálidas, coisas assim. Que permitissem eliminar uma camada da indumentária, deixar uns centímetros de pele a mais a descoberto. Pescoço, punhos, com ousadia até uma parte do antebraço. Ou do tornozelo.

Mas não. Naquela manhã cinza e feia, chovia. Chovia muto. Capas de chuva, botas, guarda-chuva. Toda a parafernália. Que saco! E ainda por cima numa segunda-feira. Ninguém merece.

Pela janela do escritório, assistíamos indiferentes as gotas caírem. O céu cinza, cinza. O chá esfriava desinteressado nas canecas.

De repente, algo começou a acontecer. Os pingos se tornaram mais pesados, espatifavam cada vez mais ruidosos na terracinha atrás de mim. O cinza do dia foi mudando de cor, cada vez mais claro. Até que aconteceu o inexplicável: os pingos começaram a flutuar, cada vez mais brancos, cada vez mais gordos.

Nevou em cima de mim, do meu ninho, da minha casa e da cidade inteira. O dia inteirinho. Como não acontecia há 17 anos, segundo os jornais. E nossa indiferença pela chuva virou perplexidade e alegria – menos dos russos e dos escandinavos: Grande coisa, pensaram eles, voltando o olhar pro computador. Mas um americano de Boston se entusiasmou.

Quem pôde, tirou fotos com o celular. Todos saíram pelo menos uns minutinhos na terraça pra ver o centro da cidade se cobrindo de branco. Até os russos e os escandinavos.

A caminho do metrô, todo mundo sorria em segredo, nem aí pro peso dos flocos forçando os guarda-chuvas pra baixo ou anunciando casacos molhados dali uns instantes. Na saída, como ninguém me olhava, abri a boca para deixar nevar ali dentro.

E eu, que não gostava de frio, de inverno, que a cada ano faço contagem regressiva para a primavera chegar, recebi com alegria infantil a neve na cidade em que moro. Neve eu já havia visto, mas era turismo: era preciso viajar para chegar até ela. Quando ela veio até a minha casa, virou presente – mesmo que os trens tenham deixado de funcionar, que o trânsito tenha virado um caos, que um monte de gente tenha ido pra casa às pressas ou ficado preso no trabalho, sem luz até. Eu aposto que ninguém ligou.

E fiquei com vontade de que nevasse mais vezes.

by Womber-Snow White-Woman

quarta-feira, 10 de março de 2010

Umbigo da semana


Ela chega em casa as 3 e pouco de quarta-feira, o umbigo da semana. Como disse Sartre a hora da náusea. Cedo demais para terminar qualquer coisa e tarde demais para começar. O apartamento está tão bagunçado que o pouco espaço que tem parece se apertar entre as roupas sobre a cama e a louça de ontem na pia, sua obsessividade não deixa que ela faça nada antes de arrumar a casa, como se só com os lençóis esticados e a louça limpa ela pudesse caber ali de novo.

Ela se programou toda para ir na academia, lutou bravamente contra seus preconceitos e críticas de futilidade ao marcar a primeira “aula” (não entende ainda bem porque chamam isso de aula) com o personal. Ela chegou no vestiário e percebeu que esqueceu o tênis. Droga de ato falho, seu inconsciente estava andando bem assanhado essa semana, fazendo-a trocar nomes e esquecer coisas (compromissos e tênis). Comprar um tênis novo no shopping? Não daria tempo mesmo assim, tinha que se conformar de perder aquelas dezenas de dinheiros para o seu inconsciente, além do que sua conta estava tão negativa que ela começou a sentir simpatia pela Grécia, que tem uma dívida maior que o PIB, pensou ela, se um país inteiro pode, porque não posso eu?

Ao voltar já sem ter conseguido realizar a grande feita de treinar com seu personal (ela já aprendera o jargão local), cada loja com placa de liquidação a convidava na tarde ensolarada, ela pensa no cartão de crédito que cortou no meio por sua absoluta e total incapacidade de entender que dividir em 6 x não resolve nada. Pensando nisso ela jura que vai arrumar o armário e dar roupas que ela não usa mais, porque matematicamente falando não é possível tantos corpos ocuparem o mesmo espaço.

Ela sonha com pessoas que andam pela rua parecendo estarem todas arrumadas, por dentro e por fora. As japonesas sempre lhe parecem ter gavetas impecáveis, sem clips e papéis no fundo, imagina seus guarda-roupas organizados e seus investimentos em renda fixa pingando cada vez que recebem o salário.

Ela suspira e pensa que da bagunça da pia nasceu um jantar terça a noite, que da cama risos e intimidades, dos papéis e livros uma aula. E decide, de Ipod no ouvido ir arrumar a casa dançando ao som de Jorge Ben.
Por Mirabelle