segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Solidão



Ele se foi. Chega minha solidão que se enche de crianças, brinquedos, risos e rinhas infantis. Se esquece entre as conversas com amigas, telefonemas triviais, visita à vizinha com pretexto inventado. Ela fica ali, companhia discreta, falando aos murmúrios quando me encontro mais quieta. A solidão vai arando espaços, é também semeadura, colheita, cestos cheios de gente que me enroupa, a mãe escreve, o irmão aparece, o pai, o tio, o avô telefonam. Os minutos a mais para contar minúcias desimportantes a cada um deles, construir relação, fios invisíveis cerzidos à distância, também fazem parte do espaço: são flor. Meu colo fica mais disponível, o gato também aproveita. Nos descampados até um banho turco tem, barulho das águas de meus silêncios, mágoas afogadas em piscinas que dão pé. Mas é só suor, não tem choro. O descarrego do peito veio com a sauna haman, do lado de dentro está tudo íntegro, não tem o que desatar.

Supermercado ou escadas de metrô são desafios cuja única possibilidade é encarar. O contratempo, o imprevisto que arruína o dia, não passa disso: algo que vai contra o tempo,não vira drama, acaba como uma cena do próximo capítulo que você não viu. O tremor-raiva-temor é barrado na porta por ela, solidão, e não penetra minha impecável ordem emocional desses dias.

Então ele irá voltar e poderei pousar o estandarte e ser instável, imperfeita, inconseqüente, levemente mais irresponsável novamente. Irei gritar-lhe por dentro, chamá-lo de todos os nomes odiosos e pronto: redigirei a mais bela declaração de amor eterno de todos os tempos. Até a próxima viagem.

Womber Woman

domingo, 7 de novembro de 2010

Antigo caso de amor


“Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar...
Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz”

(Tarde em Itapoã, Vinicius de Moraes e Toquinho)


Não tem jeito, minha parte adulta ainda não conseguiu entender que as férias não começam com os enfeites de natal e não vão mais até depois do carnaval.

Mas não adianta, mesmo que o trabalho continue, igual, de novembro à janeiro, assim que as luzinhas de natal acendem nos shoppings, meu coração entra em férias.
Minha bolsa com protetor solar, chapéu e livro fica pronta e a postos para esses 3 meses.

Com o calor vem a marquinha de biquíni, as mesas na calçada e a vida fica mais carioca. Vontade de sair da sala de TV e ir pra varanda. Os dias trocam de trilha sonora, vai-se Jamie Cullon e vem Marcelo D2, vai-se o vinho e bemvinda as caipirinhas e cervejas aguadinhas.

Tenho pra mim um cheiro de verão. Esse pefume vem sempre de algum lugar com mato, quando se passa de carro e sente-se esse cheiro sabe-se que o calor chegou. É um cheiro doce, quente. Mas quando a gente respira mais forte pra cheirar melhor, ele passa, escapa.

Um dia descobri o nome do meu cheiro de verão, vem de uma flor que se chama Lírio do pântano, uma flor branca que nasce em alagados e perfuma algo misturado de Gardênia com Jasmim.

Meu verão perfuma assim, e também àquele incenso azul indiano de caixinha.

O verão me vem como um soninho hipnótico. Quando se toma sol lendo e está muito calor vem vindo uma moleza, uma preguicinha e com o carinho que o vento morno faz, o sono é embalado por cheiro de sundown, areia e amarelo.

Algumas fotos da minha infância me mostram em uma cadeira de praia, embaixo do guarda-sol, coberta por uma toalha, dormindo.

Não é uma lembrança que mora dentro da cabeça, mas uma memória que repousa na minha pele. Sem querer o verão, o sal e o vento me ensinaram o arrepio e foram meus primeiros amantes. Um caso de amor que dura até hoje.

(à minha amiga Fê, maior fã do sol que eu conheço, e à prima Ina, que leva tomar sol mesmo a sério!!!)

Por Mirabelle

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

por um triz

Camille Claudel deu o nome de Sakountala ou L´Abandon à primeira escultura dramática de sua autoria. Diz-se que fez essa escultura após flagrar seu amante, Rodin, com uma de suas modelos.

Sakountala, segundo uma lenda indiana, era a filha de um sábio. Um rei poderoso, numa de suas andanças fora de seu domínio, vê Sakountala e se apaixona. Ela também se apaixona e eles têm um filho juntos. O rei volta ao seu reino para preparar o casamento. Nesse momento Sakountala é amaldiçoada por um feiticeiro. A maldição: o rei não lembraria nunca mais dela, assim como um homem bêbado que não se lembra do que fez ou do que falou no dia anterior. Sakountala vai ao encontro do rei e conta a historia de amor deles, mas ele não a reconhece. Ela fica desolada com a humilhação e se recolhe. Alguns anos mais tarde, o rei a reencontra, a reconhece e pede perdão pelo esquecimento. Ela aceita o perdão, inclina-se para o homem ajoelhado diante de si que a aperta em um abraço tenso. Ele amassa seu rosto na parte que ela lhe oferece para beijar. Ela, sem forças, deixa cair o braço esquerdo enquanto com a mão direita segura o coração no abraço do homem amado. Feliz em se saber reconhecida pelo seu amor, ela morre.
Camille teria se sentido amaldiçoada pelo esquecimento de seu Rodin, ao vê-lo com outra?

Tão antiga essa coisa da mulher viniciana (de Moraes) feita apenas para amar, sofrer pelo seu amor e ser só perdão.

Que jogue o batom preferido aquela que não teve um amor assim, de broke the heart, aquele amor que deixou uma saudade amarga do gosto do que não foi.

Todo amor irrealizado ganha tons de pérola e cristal, não gasto pela realização da rotina o amor que não foi, fica sendo aquele que poderia ter sido.

Esse amor que é só e é puramente feminino.

Porque homem não sabe o que é chorar antes de dormir pela ligação não recebida.

Não sabe como uma mentira faz arder o ar que entra em uma inspiração.

Homem não sabe o sentimento de culpa misturado com raiva que dá, ao sentirmos que não somos suficientes pra ele.

Não sabe o que é ouvir a mesma música semanas seguidas porque ela fala o que a gente está sentindo, como se na voz e na melodia aquela dor fosse tomar forma e então poder ser jogada fora.

Homem não sabe o quanto dói querer que ali onde ele me deseja, eu queria que me amasse.

Um amor irrealizado é como passar o dia inteiro cozinhando e não vir ninguém para jantar. Trágico se oferecer para o vazio, para a falta, uma falta escolhida pelo outro, ativa, proposital, e jogar a comida toda fora, no lixo.

Sakountala não poderia ter sido esculpida por um homem. Esse desejo que contém tamanha potência que, se realizado, se pode morrer. Desejo de ser reconhecida em seu amor, vista e legitimada pelo seu amado.

E entre a Amélia, as esposas de Vinicius e Sakountala vamos tentando encontrar algo mais parecido com nós mesmas, sabendo que como para Beatriz , nossa natureza última de mulher

“Para sempre é sempre por um triz”

Por Mirabelle

Beatriz, música de Chico Buarque e Edu Lobo

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O último gostosinho


O último gostosinho tinha quase trinta, barriga de tanquinho e os músculos torneados na medida exata, perfeita. Disfarçava a testa em expansão com cabelo muito rente e olhos azuis que sabiam sustentar a mirada, uma conversa, o interesse da interlocutora por toda aquela testosterona.

Tinha timbre de voz grossa, mãos grandes e um afrodisíaco: era um homem disponível. Mas não alardeava, nem comia quieto, nem contava pontinhos com cada conquista. Sentava em mesa de bar, fumava, bebia, conversava. Falava de futebol com os garotos, de qualquer outra coisa menos moda e dieta com as garotas. Achava um saco isso de baladas, flertes, conquistas vãs.

Durão, um gentleman machão e de coração partido – ai, essa namoradinha cruel da adolescência com quem ele viveu um romance de dez tomos e quis mais do que ele pôde dar! Página virada, onde estava aquele seu novo grande amor?

Um dia ele tirou a camisa na minha frente e eu quase desmaiei. Então eu soube de tudo isso. O que ele mais queria era alguém com quem ver TV debaixo do cobertor, passar o domingo de pijama e criar barriga enquanto assistisse o futebol em paz, sem encheção de saco e com o cinzeiro ao alcance da mão. E deixar de ser o último gostosinho.

by Darling Darling - texto dedicado a um amigo real que serviu de inspiração. A gente não pode dar o nome, mas pode tentar passar seu telefone pra ele. Não que ele tenha nos pedido...

Deus é carioca

[clique na imagem e ela abrirá numa nova janela, clique novamente e ela será ampliada]

Olha só o fusquinha azul, esse marzão e esse look praia estiloso total. Eu acho que é carioca, e você?

Mais uma vez, nosso muito obrigada ao Rafa(el Campos Rocha). Leiam a Ilustríssima, daquele jornal de credibilidade ultimamente duvidosa, e acompanhem as reflexões do moço sobre a arte contemporânea. A gente aqui gosta mais das reflexões teológicas - aguardem: em breve, Satã!

Kind regards da
Womber Woman, que anda ocupada com os rebentos e com pouco tempo de escrever no blog, mas que preza muito os fiéis leitores!