domingo, 5 de dezembro de 2010

Sertanejo universitário

(que belezura de estampas!)
“O doce do seu beijo,
Enfeiticou meu coração,
Vivo noite e dia, numa nuvem de paixão”

“Te dei o sol, te dei o mar
Pra ganhar seu coração.
Você é raio de saudade,
Meteoro da paixão”

Não! Você não morreu e foi para o inferno das piores cantadas do mundo.

Você também não está lendo trechos dos finalistas de um concurso de textos de amor do ensino fundamental.
Essas estrofes são pérolas da nova tendência na música brasileira: o sertanejo universitário.

Eu já tinha ouvido algumas partes dessas músicas e ficado perplexa com a riqueza das rimas, a delicadeza no tratamento dos temas como por exemplo em:

“Você diz que não me ama, você diz que não me quer
Mas ficar pagando pau, qual é que é.
Todo dia seu teatro é exatamente igual, você finge que me odeia
mas no fundo paga - pau"

Mas eu pensava... ah, vai ver que tá na moda, em especial entre as mulheres, porque os cantores devem ser bonitões...

Vamos colocar da seguinte maneira: misture o que sobrou da tradição do homem do campo, do interior (isso é churrasco e cerveja) com o que há de pior do universo urbano (aqui caluniosamente chamado de universitário).
Resultado: uns caras que exageram no churrasco e na cerveja vestindo calça skinny e camiseta bordada. Jesus me abane aquela mulherada pagando pau (para usar termos locais) para os moçoilos roliços envoltos apertadamente em seus jeans.

Alguns amigos músicos se queixam do agressivo mercado musical no qual as grandes gravadoras e mídias injetam guela abaixo do público produtos de péssima qualidade. Eu discordo, acredito na escolha das pessoas e acho que algo só faz muito sucesso se ecoa, se faz sentido para muita gente.

É curioso como certos estilos musicais abraçam determinados valores e maneiras de falar das coisas. O reggae fala de paz, de humildade e de igualdade, forró fala de chamego, de carinho e de calor, bossa nova fala de amor romântico, de tristeza séria.

O sertanejo universitário tem uma pegada romântica-Wando, tipo: arrebatamento de paixão, calcinhas ao palco e tal misturado com desdém, com desprezo pelo outro, no maior estilão: “tenho 14 anos, sou + eu e nego todos os meus sentimentos”.

O sertanejo universitário está fazendo sentido pra muita gente, provavelmente não só pela pegada sacaninha e animada de balada, mas também por essa maneira de tratar os sentimentos e os relacionamentos.
Metade das músicas são Wando-paixão-abatjour cor de carne, e a outra metade são beijo-me-liga.

Perdão pela interpretaçãozice da reflexão, mas se pessoas que tem mais de 18 anos e não tem diagnóstico de transtorno bipolar se identificam com o que essas músicas falam, é porque estão vivendo ou querendo viver suas relações dessa maneira: ou sou tomado por uma paixão arrebatadora ou desdenho e desprezo o outro.

E não é que Fernando e Sorocaba entendem profundamente o que Baumann fala sobre o amor líquido?

Entre o meteoro da paixão de Luan Santana e o desprezo do João Bosco e Vinicius eu fico com Cazuza, que diz coisa menos exuberante, mas mais de verdade:

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva

Pagando Pau- Fernando e Sorocaba
Meteoro- Luan Santana
Ei. Psiu! Beijo me liga- João Bosco e Vinicius
Todo amor que houver nessa vida- Cazuza
Por Mirabelle

6 comentários:

  1. Concordo quando você diz que não é apenas um conluio das gravadoras! As pessoas escolhem o que vão ouvir no carro e em casa, já na rua... você vira um socialmente compartilhado! Brinco que já não se vêem mais figuras humanas no Rorschach, os amores são líquidos, a maturidade demora e o universitário não se forma!

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  2. gostei do texto! esse som é de matar mesmo!!!
    o conluio das gravadoras chama-se jabá! é assim que a industria fonografica vem sobrevivendo lançando e divulgando essas merdas, parece aquela cena de alguem alimentando gansos forçadamente para depois fazer o foie gras.
    à proposito, tem uma versão do caetano para todo amor que houver nessa vida que eu acho sensacional!!!
    disponivel em:
    http://www.youtube.com/watch?v=Qu_7_DD_6_k
    Parabens pelo blog
    Bjo, me liga... (rs)
    Brunão

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  3. Ai Mah, infelizmente o S.U. talvez reflita uma tenebrosa tendência dos adultkids, uma pseudo-maturidade que se traveste de independência afetiva... e olha que não estou criticando as melodias, que prefiro nem conferir... onde vamos parar??

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  4. Compartilhando mais algumas obras que não saem da boca do povo.

    "Tô morrendo de vontade de te agarrar
    Não sei quanto tempo mais vou suportar
    Mas pra gente se encontrar
    Ninguém pode saber
    já pensei e sei o que devo fazer

    O jeito é dar uma fugidinha com você
    O jeito é dar uma fugida com você
    Se você quer
    Saber o que vai acontecer
    Primeiro a gente foge
    Depois a gente vê."
    A obra acima é do premiado cantor Michel Teló -não, ele não é estrangeiro. É nome artístico por que vamos combinar, o apelo é maior.
    Perceba o teor poético que o autor da canção quer passar ao público. Basta pensar com o que a palavra FOGE rima, replique a rima para os derivativos FUGIDINHA e FUGIDA e pronto. O prêmio Multishow de Música Brasileira tá garantido.

    E tem também a nova e já clássica de Chitãozinho e Chororó:

    "Foi numa onda no mar
    Que o seu amor me levou
    Num sobe e desce,solta,pega,gruda e mexe
    De repente rolou (x2)"

    Mazinha, essa onda não vai embora tão cedo.
    Segura firme pra não te levar junto, hein? Começa com uma simples aula de spinning na academia e quando você se dá conta, tá baixando no seu IPod. Que Deus te proteja!!!
    Bjo

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  5. Jesus me proteja mesmo tio!
    Mas acho que tenho proteção suficiente principalmente pelo meu gosto irremediável pela poesia, pelas palavras. Qualquer pessoa que goste e tenha respeito pela língua portuguesa não consegue engolir isso!
    No meu Ipod não!

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  6. Querrrrida Mirrrabelle:

    É música de corno! Por isso ecoa no inconsciente coletivo do mundo. Quem nunca levou aquele pé na bunda? E que tal admitir o pé mas continuar sendo mucho macho?

    Vale a pena escutar umas "rancheras" mexicanas pra ver que nem tudo está perdido.

    Beijo

    Darling Darling

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