segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A gata e o homem-barco



A gata era gata não por atributo de beleza, mas porque se enroscava, e miava. Tinha uma casa colorida, com bolinhos que cresciam no forno de boneca deixando tudo com cheiro de açúcar.
O homem-barco tinha um sofá coberto com uma manta, coisas que sempre estavam no mesmo lugar em cima da mesa e um quadro, não pendurado na parede, com uma camisa de time de futebol dentro.

A gata era mulher-lugar, o homem navegava e se encostou ao lado dela.

Ela não sabe se era porque ele a chamava de gatinha que se enroscava daquele jeito no pescoço dele. E enroscava que nem gato se enrosca, passando por baixo da perna e esticando pra encostar, fazendo carinho em si mesma. De noite era bom de acordar só pra tocar qualquer parte nele, o lado do pé, o ombro.

E ele era grande como um barco, homem-lugar onde ela queria ficar, suspirava pra si mesma, para sempre. Achava que nunca ia cansar (ele tinha medo que ela enjoasse) daquela conversa silenciosa entre as peles deles.

E que nem gata que acorda e se aconchega girando no mesmo lugar, ela fazia no peito dele, como se coubesse inteira, encolhida ali. Ali onde dava vontade de sorrir, e ele vivia perguntando o porquê ela ria, pensando que ela escondia algum segredo, mas nada era secreto no sorriso, era um sorriso de contente de quem acha um lugar que tem um cheiro tão bom que dá vontade de rir.

“Coisa de bicho mesmo isso parece”, pensava ela, quando fazia os bolinhos matutando que ele nem devia achá-la bonita assim, perto das outras mulheres, que ela bem sabia, ele também chamava de gatinhas.

A gata tinha montado sua casinha com fotos e tapetes, almofadas de borboleta e lixeiras de rosa, abtjours e velas. Era um lugar pronto para se chegar, visitar, e quem sabe ficar. O homem-barco atracou ali na casa-da-manta-no-sofá por acaso, veio navegando sem saber a direção, ele diz que perdeu sua bússola numas tempestades por onde passou. Nessas tempestades ele deixou outras coisas também, que ele não sabe direito, mas lhe fazem grande falta.

A gata mudou e trouxe sua casa dentro dela, ela chegou e a casa foi saindo e se ajeitando pelas paredes e pela varanda do lugar novo. Ela sabe que casa não é lugar fora, parede de tijolo, madeira e tinta, mas lugar dentro que se leva aonde se vai.

O homem-barco não trouxe a casa dele dentro, deixou n´outro lugar, ele ainda não sabe (ou tem medo de) ir buscar. A casa dele é que faz falta, porque sem casa-dentro não se tem lugar onde acomodar as visitas quando elas chegam. Mas a gata encontra uma almofada no peito dele, e fica ali, quentinha.

A gata queria falar pra ele que o que ela gostaria, o que ela deseja mesmo é que ele possa ir buscar o coração e trazer pra perto, e assim quem sabe encontrar o caminho pra casa no sorriso dela.



Por Mirabelle


(Post re-postado, original de 10/fev/2010)


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