domingo, 30 de maio de 2010

Manuscrito


Por mais que me esforçasse, nunca consegui gostar do que a Sandy cantava. Sempre achei que ela tinha uma voz bonita, mas, mesmo depois que as músicas já não estavam pensadas para público infantil, achava aquilo pop demais, romântico demais, meloso demais para o meu gosto. Ainda assim, uma parte de mim tirava o chapéu por vê-la como uma artista completa: ela não só cantava bem, mas também dançava bem (e eu sabia o quanto custava dançar bem, cantar, então? Pra mim, não me atrevo nem no chuveiro, só na próxima encarnação mesmo). E ainda por cima, ela era boa aluna. Foi fazer faculdade, coisa a que pouca celebridade se atreve. E tudo isso sem ficar rebolando e mostrando a bunda para chamar a atenção (não que eu me identificasse com o jeito certinha dela, mas outra vez uma salva de palmas por ter chegado aos 27 anos vestida embaixo de tanto holofote, recusando mais de uma oferta da Playboy - e a tentação de virar sex symbol, que mulher nunca sonhou com isso tão secretamente?).

Remendando a frase acima, eu nunca consegui gostar do que a Sandy cantava até a semana passada, quando por curiosidade resolvi escutar o disco solo dela, Manuscrito, no top 10 da Rádio UOL. Que felicidade que ela não tem mais irmão pra ter que fazer dupla e duetos, banda pra fazer show, ritmos dançantes para coreografias que precisam encher o palco de movimento, luz e som, todo aquele ruído e estética pop para atrapalhá-la. Gente, agora a Sandy é ela. Só ela. Todas as letras são dela. Ela só tem que sentar no banquinho e cantar, cantar, cantar, acompanhada de belos arranjos de piano ou violão. Ritmos tranquilinhos, agradáveis. Letras elaboradas com sinestesias, figuras de linguagem, bem trabalhadas - por algo ela foi estudar Letras, e acho que neste caso pegar o lápis e compor é uma forma de lapidar o talento com transpiração.

Não vou dizer que gostei de tudo, mas de muita coisa (para mim o disco podia começar na faixa 5, eu jogava as quatro primeiras lá para o final). "Ela/Ele" conta uma história bonitinha demais, parece letra do Chico Buarque (sim, sim, eu me atrevo a dizer isso!). "Tão Comum" é assim como a gente pelo menos uma vez por semana: "Se você me perguntar o que eu quero do futuro, eu digo que não sei. Tão Comum. Errar, errar, e errar de novo". Nós e nossas cagadas, que bom saber que até a Sandy, tão perfeita em sua imagem pública, enfia o pé na jaca, e com um bom balanço. "Dedilhada" também sai do comum, está mais... mais... musicalmente ousada, acho. "Sem jeito" tem uma coisa meio rock que contrasta com a letra de perdida de amor por você, que não cai no óbvio. Esse disco, com minha opinião musical nada científica ou especializada, tem um quê de trabalhos anteriores da Marisa Monte ou da Zélia Duncan, por exemplo. E que bom encontrar essas semelhanças.

E assim, de repente, descubro que a sensibilidade da Sandy pode bater com a minha, a das minhas amigas, e a de outras mulheres de 27 ou 28 ou 30 e poucos anos como eu. Eu, que por anos e anos tantas vezes transitei pelos mesmos espaços que a Sandy, tive agora esse feliz encontro com ela, totalmente despretensioso e por pura coincidência do destino. E foi um prazer.

E aviso: com esse trabalho, ela chega a outros públicos, sim, e vai ter o mérito de aproximar os fãs do pop comercial a outros gêneros da música brasileira, em um movimento parecido ao que Paulo Coelho fez com a literatura ao criar o hábito de leitura em gente que antes não lia (e que, graças a ele, chegou aos clássicos).

Pra isso, Sandy, só falta você sambar.

W.W.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sandy e eu




Sandy e eu crescemos juntas. Nascemos na mesma cidade, Campinas, e temos a mesma idade - na verdade ela é um ano mais nova. Ainda assim, nunca nos vimos - ao vivo, quero dizer, pois eu a vi incontávies vezes em revistas e na televisão -, a não ser que tenha sido por acaso, sem a gente saber. A grande diferença que pauta nossa relação é que, se eu a conheço, talvez com um pouco mais de detalhe que alguns fãs de longa data, ela sequer sabe que existo. Talvez possa me dar ao luxo de, comodamente, pertencer àquela temível massa que aglomera "o outro", esse que pode te julgar e não gostar de você. Isso a Sandy não pode fazer comigo.

Sandy estudava numa escola ao lado da minha, o Colégio Notre Dame. Lá no meio daquele descampado longe do centro, depois de cruzar o pontilhão sobre a rodovia Dom Pedro I, percorríamos a mesma rua todos os dias. Íamos de carro (de tão longe, era a única maneira de ir) e ela passava em frente da Escola Comunitária antes de chegar. Na hora de ir embora, era a minha vez de passar em frente ao seu colégio. Embora tivessem estilos diferentes (a Comunitária era construtivista, o Notre Dame, católico e com aulas de catecismo), ambos tinham prestígio e bom nivel educacional. Em comum, contavam com uniformes espalhafatosos que tivemos que vestir por uns quantos anos: a camiseta amarelo-ovo da Comunitária competindo com a amarelo-alaranjada do primário do Notre-Dame. Urgh.

Ficamos sabendo quando ela e o Júnior cantaram na festa junina do colégio. Naquela época eles ainda não eram "Sandy & Júnior", só os filhos do Xororó. A Sandy com uma franjona (corte de cabelo que eu também usei) e o Júnior com mullets (corte de cabelo que meu irmão nunca usou). Eu sabia também que ela era perfeccionista, super autoexigente, e que chorava se não tirava dez na prova. Ou pelo menos foi o que me contaram.

Quando éramos pequenas, a Sandy morava em um belo prédio na rua Maria Monteiro, no Cambuí. Era a rua detrás da casa da minha avó. A Maria Monteiro e a Emílio Ribas iam em sentido contrário, íamos e vínhamos para onde quer que fosse por essas mesmas ruas. Todas as terças e quintas-feiras, por exemplo, eu passava em frente ao prédio dela para ir para o balé, pois a academia ficava na mesma rua do prédio da Sandy. E eu pensava que a Sandy morava lá.

A prima da Sandy fazia balé na mesma academia que eu. Lembro de uma vez, quando fazíamos o ensaio geral da apresentação de fim de ano já no teatro, com todas as turmas e todas as alunas, que a prima da Sandy não estava. A gente passava um semestre ensaiando os pas-de-burrés grupais e aquele ensaio no teatro Castro Mendes, que tinha mais de 800 lugares na plateia e um palco imenso (ao menos para nós, garotinhas interioranas aspirantes a bailarinas), era FUN-DA-MEN-TAL para que tudo corresse bem no grande dia. E a tal prima da Sandy tinha faltado no ensaio.

A professora, brava, mandou a secretária da escola ligar para a casa da menina para saber porque ela não estava lá (faltar nesse ensaio só se justificava em caso de morte na família ou hospitalização). Eu estava ao lado do orelhão (pois naquela época não existia celular) quando a Jane ligou. Uma empregada ou babá ou pessoa que não era da família atendeu e disse que ela não iria "porque estava dormindo". Será que a Sandy também podia faltar nos compromissos para ficar dormindo?

Depois a Sandy se mudou do prédio e foi morar no condomínio de uma amiga minha lá no Gramado, bairro ao lado do meu. Era um condomínio com casas de alto padrão, muitos metros quadrados, jardins, piscinas, e a casa da Sandy (e a da minha amiga, e a de algum amigo de meu irmão) era uma delas. Acho que além do jardim e da piscina, tinha também um heliporto.

Nesse então nós já éramos adolescentes e a moda era ir ao shopping Galleria dar rolê ou ir ao cinema com a tchurma. Uma vez fiquei sabendo que o Júnior, para ir ao cinema, tinha que levar o guarda-costas junto. Meo deos. O guarda-costas controlando cada passo seu naquilo que era o ápice de nossa liberdade juvenil com 13 anos de idade?

Pouco mais tarde, quando eles (nós) estavam no colegial, começaram a gravar o seriado que passava na Globo. As gravações eram no Liceu, colégio em que minha priminha estudava. Se não me engano, as gravações eram aos finais de semana, e uma amiga de uma amiga era parte do elenco. Acho que havia sintonia entre Sandy, Júnior e o elenco, lembro de algum comentário sobre essa amiga de minha amiga ter sido convidada para festas de aniversário deles, enfim. Minha priminha, 14 anos mais nova que eu, com seus 3 ou 4 anos, a-ma-va a Sandy e tinha até uma sandália da grife dela.

Mas um dos meus episódios favoritos dessa nossa "convivência" foi na época em que eu estava no 3o colegial e estudava no Anglo (logo, a Sandy estava no 2o, com 16 anos). Ela fazia o tal programa na Globo e, como tinha muito público infantil (ou sabe-se lá que por quais motivações), declarava para as revistas que nunca tinha beijado (ã-hããã). No meio da aglomeração de meus intervalos entre as aulas, os colegas iam apontando com maior ou menor discrição o garoto, também do 2o colegial, com quem a Sandy ficava (ela continuava estudando no Notre Dame). Não lembro do nome dele, não lembro da cara, lembre que ele estava ali e era um garoto absolutamente normal.

E então eu passei no vestibular, me mudei para São Paulo e nunca mais soube nada da Sandy. Nada que não estivesse na mídia, digo.

Womber Woman

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Esse estranho “amigo”, meu corpo


Um dia em que eu estava correndo, correndo de exercício, não correndo de pressa nem de ninguém, e tinha a impressão de que se eu não parasse, eu ia morrer (deliciosa sensação recorrente de quem corre mal), amaldiçoei a moda de atividade física, me imaginando no paraíso se eu pudesse ter a saúde (a barriga e o bum bum) que eu quero sentada numa poltrona lendo um livro e tomando um vinho.

Acho que outras pessoas compartilham o sentimento que eu tinha a respeito de academias (de ginástica). Academias me davam medo, além de uma preguiça colossal. Aqueles homens puxando, pelos braços, pesos maiores que o dobro de mim inteira, mulheres de macacão branco justos nos quais não se visualiza sinal de celulite ou calcinha, as músicas da Jovem Pan tocando alto demais.

Mas comecei a olhar e ver que eram meninos grandes, na melhor das hipóteses. Isso quando não eram senhores muito grandes, o que já fica além de engraçado, um tanto esquisito. É que é difícil mesmo olhar no rosto desses homens musculosos em que a cabeça deles fica perdida e estranhamente pequena equilibrada nos ombros, costas e trapézios.

Não cultivo apreço algum pelo esporte. Fui de chinelo e calça jeans a todos os dias que tive educação física na escola. Meu corpo, apesar de nunca ter sido devidamente apresentado á uma bola- acho que por misericórdia o professor de educação física deixava eu nunca jogar nada- sempre precisou se mexer, se mexer muito, de suar. De deitar a noite e lembrar que está ali, presente, em ombro, perna e pé.

Me pego ás vezes pensando que agüentar mais fisicamente (mais peso, maior velocidade) é uma mera futilidade narcisista incentivada pelos professores de academia. Mas desconfio, em outros momentos, se a superação do nosso corpo não fortalece também a parte de dentro da gente.

Nunca fiz aulas de bike (spinning) mais fortes que quando estava no cursinho, pensando, na hora em que eu não agüentava mais, que aguentar aquele pouquinho era conseguir passar na faculdade que eu queria.

Hoje está muito frio. Um dia gelado e cinza acordou a cidade. Lá fora as pessoas reclamam, mau-humoradas de terem que levantar da cama quente.

Aqui dentro, do vestiário da academia, mulheres animadas (díssimas) voltam da aula de bike orgulhosas e com certa sensação de alegria incondicional por terem aguentado até o fim a aula especial “Lady Gaga”, quando, na hora que tocou "Bad Romance" as pernas ardiam e a respiração faz parecer que seu coração vai sair pela boca. Os cabelos molhados de suor, o rosto quente, a vontade à toa de sorrir.

Lá fora, mãos e narizes gelados, corpos sonolentos e olhos preguiçosos, aqui dentro, depois de meia calça, filtro solar, bota e bochecha vermelha, saio para a manhã de um dia frio, sinto a blusa de lã quente no cabelo e penso que só tenho a agradecer meu corpo por ele me convidar a estar assim, tão perto, tão dentro dele.

Por Mirabelle

terça-feira, 18 de maio de 2010

D´outras tantas invejinhas


Ok, nem todas as mulheres querem cortar os pulsos caso a calça jeans não feche, ou se fecha, parece querer te estuprar.

Ficar magra, talvez não pegue pelo pé todas as espécies femininas e nem tire o sono de tantas outras.
(não leu “Sopa de perfume”? Vai lá!- post dia 09 de maio)

Mas me pego pensando em momentos de certa insatisfação com a vida que faz despertar ataques súbitos de comparação com outras pessoas.
Esses ataques dependem do nível de infelicidade. Uma pessoa que conheço, bem sucedida, feliz, na maior parte dos dias, quando está mau humorado, deprimido ou com dor de garganta, inveja profundamente o pipoqueiro que fica perto do seu apartamento, imaginando aquela pacata vida entre milhos e óleo, sal e paz.

Capa da Veja dessa semana, uma moça de 32 anos com a chamada: a nova milionária. A revista fala sei lá o quê da exuberante economia brasileira que cria novos milionários a cada não sei quantos minutos.

Num dia bom você olha e pensa:

- Puxa que bom que o Brasil tá melhor e as pessoas estão ficando mais ricas!

Dependendo no que você trabalha pode até passar pensamentos mais que positivos, mas empreendedores a partir da notícia, tipo:

- Posso cobrar mais dos meus clientes, vou ter mais pacientes/alunos, meu chefe é um novo milionário, vou pedir aumento!

E outras esperanças causadas pela boa nova.
Num dia ruim a nova milionária da capa não faz idéia em quantos níveis ela te ofende.

- Eu tenho 45 anos e nunca vou ser milionária
- Minha conta tá negativa, devo ser a única no Brasil a não ter dinheiro.
- Ela deve ser rica e olha a aliança, casada. Eu nunca vou encontrar alguém.
- Ela é rica e ainda tem esse cabelo lindo! Merda de cabelo esse meu.

Uma pessoa querida explicou bem o mecanismo desses ataques. Estava ela tomando um café e pensando no que teria que fazer para organizar suas contas nos próximos meses (organizar é um belo eufemismo para: como-arranjar-dinheiro-para-pagar-o-que-preciso) quando uma voz se destacou na multidão, tudo silenciou e a voz fez um solo gracioso nos ouvidos da dita cuja sem dinheiro. A voz falava sobre uma viagem a Paris, comentava restaurantes e parques, compras e museus. A que ouvia só pensava:

- Eu nunca vou poder ir pra Paris, merda, só eu que nunca vou.

A insatisfação carrega na sacola uma grande dose de comparação-idealização/inveja-desânimo.

Uma amiga comentou sobre a Grande Competição do Dia das Mães.
Mães na porta da escola mostrando, em barraquinhas emocionais, os presentes recebidos. Meu marido é melhor que o SE-E-U meu filho gosta mais de mim do que o seu gosta de VO-CÊ-Ê, porque olha só o que eu GA-NHE-EI!

Quando éramos crianças tínhamos a licença poética necessária para cantar:

“Eu TE-E-NHO, você não TE-EM”

Crescemos (pelo menos em altura) e mudamos a música para:

“Ela TE-EM, eu não TE-E-NHO”

Uma vez, quando criança, olhei no espelho da sala de balé que refletia várias colegas de turma, umas mais magras, outra de olhos verdes lindos, outra muito melhor que eu nas piruetas e pensei:

- Se eu pudesse escolher quem eu queria ser aqui desse espelho, eu escolheria aquela! Aquela era eu.

Mas tem dia que é tão difícil se escolher.

Por Mirabelle

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fashion moment 3: Os homens podem ou não usar saia?


Queridas pessoas de todos os sexos, gêneros, números (grávidas estão no plural, certo?) e graus (etílicos):

Outro dia, lendo a coluna da Betty Milan na Veja, fiquei tocada com a angústia desse moço. Decidi expor o caso a vocês, já que aqui no Varal a gente adora falar de roupa, e quem sabe alguma das psicólogas que nos frequentam pode ajudar com uma opinião?

Morei nos Estados Unidos quase cinco anos e lá comecei a ver alguns caras usando kilt. Descobri que há um movimento de homens que querem usar saia em vários lugares do mundo: EUA, Canadá, Europa, Argentina e recentemente Brasil. Antes da II Guerra Mundial, as mulheres não podiam usar calças e agora podem usar tudo. Por que os homens não têm a mesma liberdade de escolha, por que se privam, por que essa repressão? O fato é que eu agora quero poder usar saia em qualquer lugar.


O que vocês acham? Hein? Hein? Homem pode usar saia?

Quem quiser ver a resposta da dona Betty, vai lá. Eu quero ver as nossas.

Beijos e vivam Caetano, Gil e suas saias!

Fui.

Darling Darling

domingo, 9 de maio de 2010

Sopa de perfume

Existem três tipos de mulheres (e acho que de homens também):

1- as que não engordam nunca, por terem sido eleitas, devido a alguma razão cármica, na roda da Fortuna celeste;

2- as que engordam e não ligam, por negação maluca ou por estarem na pós modernidade e não participarem inexplicavelmente das exigências estéticas atuais;

3- e as que fazem/ou tentam fazer regime;

Para as do terceiro grupo alguns passos antecedem a grande decisão de FAZER REGIME.
Primeiro a gente finge que não vê, damos todas as desculpas imagináveis que vão desde a retenção de líquidos, a semana do mês, a fase da lua, a posição da luz no espelho que desfavorece, roupas que encolheram...

Nesse período escolhe-se calças largas, blusas mais compridas, e pretas, saltos mais altos e todas as artimanhas existentes para parecer mais magra.

Porque quando nos sentimos gordas não nos vestimos, nos disfarçamos.
Uma calça mais comprida para diminuir o quadril, uma bata para disfarçar a barriga, um brinco reto para afinar o rosto.

Eis que em certa manhã sua negação falha e você escolhe do guarda-roupa uma calça jeans...que não entra.
É oficial, você engordou, ou as suas calças se reuniram no armário e prepararam um motim contra a sua auto-estima.
E contra o que nos ensina “O Segredo”, você não emagrece com sua incrível força de vontade de se imaginar linda e magra naquele vestido que comprou e nunca usou.

Esse é o momento da decisão desesperada. Você vai ao supermercado e compra uma revista que estampa descaradamente na capa alguma solução incrível para o seu problema:

“Emagreça 5 kg em 3 dias dormindo”
“Nova dieta da melancia”,

e segue para casa com um arsenal de sopas em saquinho light, refrigerantes zero, barrinhas de cereais com muita fibra e pouca caloria, sementes de linhaça (que você jura que vai bater com um suco de couve toda manhã, receita infalível segundo a revista)
Ou ainda aquelas que levam o negócio a sério e compram livros,

“Dieta do abdômen”, de “South Beach”, da proteína.

Quem tiver a cara de pau de escrever “Dieta da batata-frita” vai virar um best seller.

Eis que não há outra alternativa, visto que comprar revistas, livros e fazer força com seu pensamento não te fizeram caber de novo na sua calça, se não COMEÇAR O REGIME.

Ao mesmo tempo em que você prevê a falência da sua vida social, já que vai se tornar (iso se conseguir manter o regime até o próximo happy hour) aquela companhia agradável que pede um guaraná zero no bar, não come pizza na pizzaria, recusa o bolo de aniversário. Você tenta comer saborosas castanhas e maçãs de 3 em 3 horas, negar as Kopenhagens que vê pelo caminho e jantar sopas de 47 calorias.
Está escrito no pacote que é de abóbora com queijo, mas é impressionante o cheiro, e o gosto de perfume que a sopa tem.

E enquanto decide se dá pra encarar a sopa de perfume, sem querer você se pega amaldiçoando o fim dos espartilhos (que afina a cintura sem fome ou séries infinitas de abdominais) ou imaginando viver naquela época renascentista de mulheres fofinhas e cor de rosa...


Por Cocobelle

quarta-feira, 5 de maio de 2010

TSP-L


Transtorno sensório perceptivo de loja

Não sei se esse é um sentimento compartilhado por todas as mulheres, mas as que eu conheço ficam muito, muito, muito felizes de saírem para comprar roupas, se estiverem no peso que gostariam e tiverem o dinheiro necessário.

Se não estiverem com o corpo que queriam, ficam muito, muito, muito satisfeitas de sair para comprar bolsa, sapato, perfume, maquiagem, livro, abatjour, toalha, porta-sabonete, fivela de cabelo...

Se não tiverem todo o dinheiro necessário, ficam muito contentes de poder dividir o que compraram em 6 vezes.

Se não estiverem satisfeitas com o corpo e sem dinheiro, sair para fazer compra é por vezes a única coisa que deixa contente e faz parar de pensar que está gorda e pobre. Claro que como toda droga, tem seu efeito rebote mas...

Enfim, as mulheres experimentam uma sensação gloriosa de olhar vitrines e sentir aquele perfume inebriante que algumas lojas têm (desconfio que esses “cheirinhos” tenham ferormônios alucinógenos).

Mas esse momento tem seu lado B, além da culpa esmagadora de comprar sem ter dinheiro, as lojas causam um transtorno perceptivo intrigante.

Você se troca para sair de casa e, a não ser que esteja querendo assustar o vizinho ou convencer um psiquiatra que está deprimida e precisa de receitas especiais que ficam retidas na farmácia, você geralmente procura ficar bonita.
De preferência linda.
O efeito linda é alcançado em momentos pontuais da vida nos quais um grande esforço foi despendido para tanto, como antes da formatura/casamento (cabelo, unha, depilação, tomar sol, vestido, sandália, brinco, perfume e uma enorme quantidade de alegria), ou imediatamente depois de uma noite deliciosa e rigorosamente antes de se estabelecer um relacionamento -com o dito cujo da noite- com suas nóias, cobranças e desencantos.

Você sai de casa tendo feito o esforço diário de ficar bonitinha.
Entra em uma loja e as mudanças perceptuais começam a acontecer à medida em que você experimenta alguma coisa e recoloca sua roupa.

O que tinha parecido bom no espelho de casa fica horrível no da loja, você se pergunta onde estava com a cabeça quando escolheu a calça marrom, essa bolsa velha e a blusa de bolinha.

- Mas eu fico horrorosa de marrom, pareço um urso ou uma toupeira!

Tudo da loja parece 100 vezes melhor que qualquer opção que você tem no seu armário e o efeito intrigante é que essas mesmas coisas que estão na loja perecerão do mesmo triste destino ao irem para o guarda-roupa, perdendo todo o seu brilho e encanto.

Ainda não existe uma vacina contra esse efeito, pesquisas não estão sendo feitas nesse sentido e sua única proteção é tentar lembrar que você está sob o efeito do TSP-L (Transtorno Sensório Perceptivo de Loja) e que ele passa em média de 30 a 60 minutos após sua retirada do local de contágio.

Uma vaia e uma salva de palmas para os marketeiros que criam essas doenças pós-modernas.


Por Cocobelle

sábado, 1 de maio de 2010

Reencontros

Foi um daqueles finais de semana recheados de lembranças, risadas, corações aquecidos e estranhamentos do que um dia foi familiar.
Casamento de uma amiga da faculdade, amigos que vieram para o evento.

-Você cortou o cabelo!
-E o trabalho novo, está gostando?
-E o seu irmão, voltou?
- Agora você tá melhor com relação ao ex?

Entre perguntas verdadeiramente interessadas um pelo outro esses reencontros parecem alternar o jogo: eu-estou-muito-bem-em-tudo-e-minha-vida-é-ótima e o seu contrário, o jogo para dois ou mais participantes: minha-vida-é uma-merda-maior-que-a-sua!!
Amigos de dez anos, rostos, vozes, jeitos de falar, risadas que soam familiares como se estivessem sempre estado ali.
E ao mesmo tempo novos sotaques, novas solidões, empregos diferentes, outros apartamentos.

Na festa, todos nos seus melhores looks, contentes e saltitantes de estarem agora numa fase mais glamurosa da vida na qual uma festa inclui comida.

Diferente da faculdade quando a ordem da balada era ditada pelo bar onde a skol fosse mais barata e no máximo incluía duas iguarias culinárias que se alternavam entre o croissant quatro queijos as 4 da manhã, rigorosamente acompanhado por travestis e o X-tudo do Marcão por R$ 3,99 (esse normalmente encarado apenas pelos homens com H).

A banda começa a tocar e uma excitação animada toma conta de todos.

- Lembra dessa? Nossa, deve ser de 89.

Quando toca Michael Jackson os homens competem pela melhor performance. Sua morte parece ter libertado a classe masculina para as mais incríveis tentativas de moon dance, dançar “Billie Jean” é quase uma homenagem ao rei.
Eis que, ao olhar as caras de interrogação dos adolescentes primos presentes, um insigth acontece:

- Nós somos o público do flash back, esse flash back é pra gente!

Nós que nascemos da década de 80 seremos os próximos privilegiados nos pout-pourris de casamentos, os DJs terão que atualizar a série: “biquíni de bolinha amarelina- tomo um banho de chuva” pela música que tocava no Footloose seguida por “Like a Virgin”.
Muito espumante, tombos, conversas ininteligíveis e danças com garçons depois, um dia de ressaca fenomenal.

Domingo a noite uma sensação quentinha permanece, a despeito da solidão.
E penso nos relatos de separações doloridas, tardes de domingo solitárias, baixos salários, pais doentes e chefes malucos.

Sou arremessada à uma compreensão nova, surpreendente:
Meus amigos agora têm dores de gente grande.
E não sem certa tristeza resignada percebo o óbvio inesperado: somos adultos.
Por Mirabelle
(foto do filme: Albergue espanhol)