domingo, 19 de dezembro de 2010

Espírito natalino


O ano vai acabar, vai acabar comigo também. Estou cansada, quase exausta, meus ombros já repletos de fardos tem ainda de sustentar sobretudos que pesam quilos, amortecidos por isolantes e incontáveis camadas de lã, o pescoço rígido pelo cachecol. Tem ainda de caminhar com bujõezinhos humanos erguidos: eles se recusam a caminhar ou a estar no carrinho por centenas de metros, obstinados e bem abrigados, confiando nos bíceps, omoplatas, seja lá o que e onde estão essas partes todas debaixo de tanta roupa.

Mas na sala de minha casa há um pequeno pinheiro, O-Tannenbaum, vivinho e verdejante, entalado dentro de um vaso. Ele também está ali aprisionado pelas estrelinhas, esferas brilhantes, luzes minúsculas e outros pequenos artefatos de madeira, papel ou pano dependurados, esperando, por favor, que tudo isso acabe e ele possa ao menos ser colocado no jardim, destino menos cruel que o lixo – orgânico, of course, pois nos arredores há coleta seletiva e politicamente correta especial para pinheirinhos descartados entre os dias 7 e 15 de janeiro.

E o pior de tudo, minha gente, é que todo mundo acha pinheiro e mãe exausta uma coisa linda! Não é lindo? Não é meigo? Não é fofo?

Duas palavrinhas: HELP ME.

Tá bem, não era bem isso o que eu queria dizer. Vou retificar: FELIZ NATAL!


Afinal, o que seria do espírito natalino sem as mães exaustas e os pinheirinhos aprisionados?

Um bom natal para todos, em especial para as mães, aquelas que encontram a paciência e o tempo que os outros não têm para organizar o amigo secreto da família, decorar a casa, montar o presépio e a árvore de Natal, comprar aquele presente que ficou faltando, preparar a ceia e ainda estarem lindas e radiantes em plena meia-noite na próxima sexta-feira depois de trabalhar toda a semana. Papai Noel de saco cheio (mães, never!) pra todo mundo e vamos que vamos!

W.W.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Sertanejo universitário

(que belezura de estampas!)
“O doce do seu beijo,
Enfeiticou meu coração,
Vivo noite e dia, numa nuvem de paixão”

“Te dei o sol, te dei o mar
Pra ganhar seu coração.
Você é raio de saudade,
Meteoro da paixão”

Não! Você não morreu e foi para o inferno das piores cantadas do mundo.

Você também não está lendo trechos dos finalistas de um concurso de textos de amor do ensino fundamental.
Essas estrofes são pérolas da nova tendência na música brasileira: o sertanejo universitário.

Eu já tinha ouvido algumas partes dessas músicas e ficado perplexa com a riqueza das rimas, a delicadeza no tratamento dos temas como por exemplo em:

“Você diz que não me ama, você diz que não me quer
Mas ficar pagando pau, qual é que é.
Todo dia seu teatro é exatamente igual, você finge que me odeia
mas no fundo paga - pau"

Mas eu pensava... ah, vai ver que tá na moda, em especial entre as mulheres, porque os cantores devem ser bonitões...

Vamos colocar da seguinte maneira: misture o que sobrou da tradição do homem do campo, do interior (isso é churrasco e cerveja) com o que há de pior do universo urbano (aqui caluniosamente chamado de universitário).
Resultado: uns caras que exageram no churrasco e na cerveja vestindo calça skinny e camiseta bordada. Jesus me abane aquela mulherada pagando pau (para usar termos locais) para os moçoilos roliços envoltos apertadamente em seus jeans.

Alguns amigos músicos se queixam do agressivo mercado musical no qual as grandes gravadoras e mídias injetam guela abaixo do público produtos de péssima qualidade. Eu discordo, acredito na escolha das pessoas e acho que algo só faz muito sucesso se ecoa, se faz sentido para muita gente.

É curioso como certos estilos musicais abraçam determinados valores e maneiras de falar das coisas. O reggae fala de paz, de humildade e de igualdade, forró fala de chamego, de carinho e de calor, bossa nova fala de amor romântico, de tristeza séria.

O sertanejo universitário tem uma pegada romântica-Wando, tipo: arrebatamento de paixão, calcinhas ao palco e tal misturado com desdém, com desprezo pelo outro, no maior estilão: “tenho 14 anos, sou + eu e nego todos os meus sentimentos”.

O sertanejo universitário está fazendo sentido pra muita gente, provavelmente não só pela pegada sacaninha e animada de balada, mas também por essa maneira de tratar os sentimentos e os relacionamentos.
Metade das músicas são Wando-paixão-abatjour cor de carne, e a outra metade são beijo-me-liga.

Perdão pela interpretaçãozice da reflexão, mas se pessoas que tem mais de 18 anos e não tem diagnóstico de transtorno bipolar se identificam com o que essas músicas falam, é porque estão vivendo ou querendo viver suas relações dessa maneira: ou sou tomado por uma paixão arrebatadora ou desdenho e desprezo o outro.

E não é que Fernando e Sorocaba entendem profundamente o que Baumann fala sobre o amor líquido?

Entre o meteoro da paixão de Luan Santana e o desprezo do João Bosco e Vinicius eu fico com Cazuza, que diz coisa menos exuberante, mas mais de verdade:

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva

Pagando Pau- Fernando e Sorocaba
Meteoro- Luan Santana
Ei. Psiu! Beijo me liga- João Bosco e Vinicius
Todo amor que houver nessa vida- Cazuza
Por Mirabelle

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Solidão



Ele se foi. Chega minha solidão que se enche de crianças, brinquedos, risos e rinhas infantis. Se esquece entre as conversas com amigas, telefonemas triviais, visita à vizinha com pretexto inventado. Ela fica ali, companhia discreta, falando aos murmúrios quando me encontro mais quieta. A solidão vai arando espaços, é também semeadura, colheita, cestos cheios de gente que me enroupa, a mãe escreve, o irmão aparece, o pai, o tio, o avô telefonam. Os minutos a mais para contar minúcias desimportantes a cada um deles, construir relação, fios invisíveis cerzidos à distância, também fazem parte do espaço: são flor. Meu colo fica mais disponível, o gato também aproveita. Nos descampados até um banho turco tem, barulho das águas de meus silêncios, mágoas afogadas em piscinas que dão pé. Mas é só suor, não tem choro. O descarrego do peito veio com a sauna haman, do lado de dentro está tudo íntegro, não tem o que desatar.

Supermercado ou escadas de metrô são desafios cuja única possibilidade é encarar. O contratempo, o imprevisto que arruína o dia, não passa disso: algo que vai contra o tempo,não vira drama, acaba como uma cena do próximo capítulo que você não viu. O tremor-raiva-temor é barrado na porta por ela, solidão, e não penetra minha impecável ordem emocional desses dias.

Então ele irá voltar e poderei pousar o estandarte e ser instável, imperfeita, inconseqüente, levemente mais irresponsável novamente. Irei gritar-lhe por dentro, chamá-lo de todos os nomes odiosos e pronto: redigirei a mais bela declaração de amor eterno de todos os tempos. Até a próxima viagem.

Womber Woman

domingo, 7 de novembro de 2010

Antigo caso de amor


“Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar...
Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz”

(Tarde em Itapoã, Vinicius de Moraes e Toquinho)


Não tem jeito, minha parte adulta ainda não conseguiu entender que as férias não começam com os enfeites de natal e não vão mais até depois do carnaval.

Mas não adianta, mesmo que o trabalho continue, igual, de novembro à janeiro, assim que as luzinhas de natal acendem nos shoppings, meu coração entra em férias.
Minha bolsa com protetor solar, chapéu e livro fica pronta e a postos para esses 3 meses.

Com o calor vem a marquinha de biquíni, as mesas na calçada e a vida fica mais carioca. Vontade de sair da sala de TV e ir pra varanda. Os dias trocam de trilha sonora, vai-se Jamie Cullon e vem Marcelo D2, vai-se o vinho e bemvinda as caipirinhas e cervejas aguadinhas.

Tenho pra mim um cheiro de verão. Esse pefume vem sempre de algum lugar com mato, quando se passa de carro e sente-se esse cheiro sabe-se que o calor chegou. É um cheiro doce, quente. Mas quando a gente respira mais forte pra cheirar melhor, ele passa, escapa.

Um dia descobri o nome do meu cheiro de verão, vem de uma flor que se chama Lírio do pântano, uma flor branca que nasce em alagados e perfuma algo misturado de Gardênia com Jasmim.

Meu verão perfuma assim, e também àquele incenso azul indiano de caixinha.

O verão me vem como um soninho hipnótico. Quando se toma sol lendo e está muito calor vem vindo uma moleza, uma preguicinha e com o carinho que o vento morno faz, o sono é embalado por cheiro de sundown, areia e amarelo.

Algumas fotos da minha infância me mostram em uma cadeira de praia, embaixo do guarda-sol, coberta por uma toalha, dormindo.

Não é uma lembrança que mora dentro da cabeça, mas uma memória que repousa na minha pele. Sem querer o verão, o sal e o vento me ensinaram o arrepio e foram meus primeiros amantes. Um caso de amor que dura até hoje.

(à minha amiga Fê, maior fã do sol que eu conheço, e à prima Ina, que leva tomar sol mesmo a sério!!!)

Por Mirabelle

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

por um triz

Camille Claudel deu o nome de Sakountala ou L´Abandon à primeira escultura dramática de sua autoria. Diz-se que fez essa escultura após flagrar seu amante, Rodin, com uma de suas modelos.

Sakountala, segundo uma lenda indiana, era a filha de um sábio. Um rei poderoso, numa de suas andanças fora de seu domínio, vê Sakountala e se apaixona. Ela também se apaixona e eles têm um filho juntos. O rei volta ao seu reino para preparar o casamento. Nesse momento Sakountala é amaldiçoada por um feiticeiro. A maldição: o rei não lembraria nunca mais dela, assim como um homem bêbado que não se lembra do que fez ou do que falou no dia anterior. Sakountala vai ao encontro do rei e conta a historia de amor deles, mas ele não a reconhece. Ela fica desolada com a humilhação e se recolhe. Alguns anos mais tarde, o rei a reencontra, a reconhece e pede perdão pelo esquecimento. Ela aceita o perdão, inclina-se para o homem ajoelhado diante de si que a aperta em um abraço tenso. Ele amassa seu rosto na parte que ela lhe oferece para beijar. Ela, sem forças, deixa cair o braço esquerdo enquanto com a mão direita segura o coração no abraço do homem amado. Feliz em se saber reconhecida pelo seu amor, ela morre.
Camille teria se sentido amaldiçoada pelo esquecimento de seu Rodin, ao vê-lo com outra?

Tão antiga essa coisa da mulher viniciana (de Moraes) feita apenas para amar, sofrer pelo seu amor e ser só perdão.

Que jogue o batom preferido aquela que não teve um amor assim, de broke the heart, aquele amor que deixou uma saudade amarga do gosto do que não foi.

Todo amor irrealizado ganha tons de pérola e cristal, não gasto pela realização da rotina o amor que não foi, fica sendo aquele que poderia ter sido.

Esse amor que é só e é puramente feminino.

Porque homem não sabe o que é chorar antes de dormir pela ligação não recebida.

Não sabe como uma mentira faz arder o ar que entra em uma inspiração.

Homem não sabe o sentimento de culpa misturado com raiva que dá, ao sentirmos que não somos suficientes pra ele.

Não sabe o que é ouvir a mesma música semanas seguidas porque ela fala o que a gente está sentindo, como se na voz e na melodia aquela dor fosse tomar forma e então poder ser jogada fora.

Homem não sabe o quanto dói querer que ali onde ele me deseja, eu queria que me amasse.

Um amor irrealizado é como passar o dia inteiro cozinhando e não vir ninguém para jantar. Trágico se oferecer para o vazio, para a falta, uma falta escolhida pelo outro, ativa, proposital, e jogar a comida toda fora, no lixo.

Sakountala não poderia ter sido esculpida por um homem. Esse desejo que contém tamanha potência que, se realizado, se pode morrer. Desejo de ser reconhecida em seu amor, vista e legitimada pelo seu amado.

E entre a Amélia, as esposas de Vinicius e Sakountala vamos tentando encontrar algo mais parecido com nós mesmas, sabendo que como para Beatriz , nossa natureza última de mulher

“Para sempre é sempre por um triz”

Por Mirabelle

Beatriz, música de Chico Buarque e Edu Lobo

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O último gostosinho


O último gostosinho tinha quase trinta, barriga de tanquinho e os músculos torneados na medida exata, perfeita. Disfarçava a testa em expansão com cabelo muito rente e olhos azuis que sabiam sustentar a mirada, uma conversa, o interesse da interlocutora por toda aquela testosterona.

Tinha timbre de voz grossa, mãos grandes e um afrodisíaco: era um homem disponível. Mas não alardeava, nem comia quieto, nem contava pontinhos com cada conquista. Sentava em mesa de bar, fumava, bebia, conversava. Falava de futebol com os garotos, de qualquer outra coisa menos moda e dieta com as garotas. Achava um saco isso de baladas, flertes, conquistas vãs.

Durão, um gentleman machão e de coração partido – ai, essa namoradinha cruel da adolescência com quem ele viveu um romance de dez tomos e quis mais do que ele pôde dar! Página virada, onde estava aquele seu novo grande amor?

Um dia ele tirou a camisa na minha frente e eu quase desmaiei. Então eu soube de tudo isso. O que ele mais queria era alguém com quem ver TV debaixo do cobertor, passar o domingo de pijama e criar barriga enquanto assistisse o futebol em paz, sem encheção de saco e com o cinzeiro ao alcance da mão. E deixar de ser o último gostosinho.

by Darling Darling - texto dedicado a um amigo real que serviu de inspiração. A gente não pode dar o nome, mas pode tentar passar seu telefone pra ele. Não que ele tenha nos pedido...

Deus é carioca

[clique na imagem e ela abrirá numa nova janela, clique novamente e ela será ampliada]

Olha só o fusquinha azul, esse marzão e esse look praia estiloso total. Eu acho que é carioca, e você?

Mais uma vez, nosso muito obrigada ao Rafa(el Campos Rocha). Leiam a Ilustríssima, daquele jornal de credibilidade ultimamente duvidosa, e acompanhem as reflexões do moço sobre a arte contemporânea. A gente aqui gosta mais das reflexões teológicas - aguardem: em breve, Satã!

Kind regards da
Womber Woman, que anda ocupada com os rebentos e com pouco tempo de escrever no blog, mas que preza muito os fiéis leitores!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

UAU e UÓ (do borogodó) em 2010


Nos anos 2000 o telemarketing injetou gerundismos na nossa língua e tivemos os ouvidos açoitados por “vamos estar fazendo” e “o senhor vai estar pagando”.
Em 2010 seu maior pesadelo é seu celular/ net quebrar e vc ter que ligar para um 0800 da Claro, TIM, Vivo ou Net.

O futuro chegou. Não era como imaginávamos, não andamos de foguetes por aí nem temos robôs de secretárias domésticas à la Jetsons, aliás o que não seria nada mal.
OK as coisas mudam, OK, a gente faz ginástica pra entender as tendências atuais e enfiar cérebro abaixo que homens que pintam as unhas, fazem no salão o combo: cabelo-depilação-peeling-de-cristal, usam franjas com pomada e calças skinny à La Fiuk não são gays, mas PÉRAÍ... tem coisa que mesmo a gente estando aqui, mesmo de olho aberto, mesmo lendo as últimas notícias do UOL, acompanhando 3 BLOGS, atualizando seu status no Facebook a cada 24horas e seu Twitter a cada 8 horas (que nem antibiótico), mesmo assim, tem coisa que a gente não entende.
Como por exemplo:

“O cartunista Laerte lança nova coletânea de quadrinhos nos quais um dos personagens se veste de mulher, comportamento que o próprio ilustrador vem adotando desde 2009.” (Revista BRAVO- setembro 2010)

Comportamento sexual virou corte de cabelo, não gostou, troca.

Tem um amigo meu gay, desses que entendem o que acontece- e conta pra gente (ainda bem!)- que filosofou o seguinte:
Se o comportamento sexual das nossas avós (o da mulher ter apenas o marido como parceiro) foi criticado pelos nossos pais, nossos filhos nos dirão:
"Ai pai, vc só beijou mulher? Que caretice. "

A verdade é que 2010 está sendo o momento de relativizar suas certezas, e a Lady Gaga entende isso de uma maneira que eu não entendo, vide a roupa feita de carne, carne mesmo, tipo grandes bifes crus costurados uns aos outros, que ela usou no VMA (Vídeo Music Awards) o que a deixou parecida com uma She-Ra do açougue.
Uma crítica divertida à exposição da “carne” na indústria do entretenimento?

O mundo se recupera da crise de 2008 numa crise de sustentabilidade a nível de vida e vestuário- sua casa deve ser feita com garrafas pet, você deve fazer compostagem (que fede horrores) do seu lixo e vestir-se com tecidos feitos com algodão orgânico tingido com pigmento natural sem corante.
Vi uma propaganda: “Cabeleireiro orgânico”. (??) Tem como ser diferente? Ou alguém já foi em um salão no qual o profissional responsável por lavar, cortar e secar os fios fosse sintético? Cheio de hormônios de crescimento e agrotóxicos?

UAU a nível de homem é o George Clooney garoto-propaganda da nespresso, embaixador da ONU no Haiti and proprietário de uma casa no lago di Como.
UAU pop é a saga Crepúsculo com o gatésimo Jacob Black, a estréia da Sex and the City 2 e os filmes da Sofia Coppola.

Na gastronomia UÓ é ainda pedir qualquer coisa de rúcula com tomate seco. UAU é tudo em crostas- amêndoa, pistache, gergilim. Drinks UAU são caipirinhas inusitadas- tamarindo com anis (já pensou?), mexerica com gengibre e de sobremesa brigadeiro de colher de capim-santo (uigt, o que tinha de errado com velho e bom doce-de-leite?)

UAU é a informação valer mais que ouro, mais que carro, que prédio, que qualquer tipo de “hardware”, em 2010 o Google vale U$100 bilhões de dólares.

UAU é mandar email/SMS com o singelo escritinho: “Enviado pelo Ipad/
BlackBerry/ Iphone”.

UAU são jazz revisitados, moderninhos e franceses (Diana Kraal, Jamie Cullum, Madeleine Peiroux), cintura alta, marcada, cortes futuristas ou anos 60 e vídeos no Youtube.

UÓ é estar sempre disponível no MSN, continuar tendo Orkut e ouvir sertanejo universitário in your calça jeans lycra cintura baixa.
UÓ é ainda planejar sua vida de acordo com o horário em que alguma coisa vai passar na TV.
UAU é escrever a mão um bilhetinho, um cartão de agradecimento por um convite ou presente.

Ou não.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O UAU e o UÓ (do borogodó) dos anos 2000


O fim de 99 foi marcado pelo medo do BUG do milênio, uma pane que supostamente daria um tiuti (para usar o termo técnico apropriado) nas redes de tecnologia que contavam com o sistema binário de dados (li isso em algum lugar, não sei o que significa assim, de verdade).
Acho que isso não aconteceu, aconteceu?

Se em 1990 era legal parecer viciado em heroína, tal qual Kurt Cobain e Kate Moss (eles não só pareciam) com aquele estética deprê-pálida-infeliz, o ano 2000 saiu da noite, da boite e veio para o dia, para o colorido, para o mar e no Brasil, para a zabumba.

UAU eram as Raves, festas que resgataram uma estética lisérgica e uma concepção de comportamento dos anos 60 e 70 com a tecnologia na música e os corpos talhados pelas academias e suplementos alimentares dos anos 2000.
Uma lenda urbana conta que o inventor do Atari (empresa responsável pela popularização dos vídeo-games especialmente na década de 80) profetizou que as gerações que jogaram vídeo-games iriam fazer festas em florestas coloridas ao som de música eletrônica... ou ele acertou ou alguém inventou isso para dizer das influências que a geração-vídeo-game sofreu, vale pelas duas hipóteses, a profética e a antropológica.

UAU era ir pra pista (dance floor) usando calças jeans de cintura baixíssima, o que nos ofereceu 10 anos de calcinha, pneu e cofrinho aparecendo.

A moda da década foi uma visão grupal de mulheres puxando calças pra cima e blusas para baixo, dando um pulinho na hora da puxada antes de sentar, uma beleza!

Como os espartilhos modelaram cinturinhas anos a fio, a calça de cintura baixa fez um novo corpo em 10 anos, dividiu a mulher brasileira em 3 partes. A de baixo- pernas até metade do quadril, na altura dos ossinhos, a do meio- dos ossinhos da bacia até a cintura verdadeiramente dita (e completamente negligenciada), e a de cima- umbigo pra cima, tronco, braços e cabeça.

A parte 2 foi o trunfo conquistado por uma geração de mocinhas que apertaram suas barrigas bem no meio por um cós jeans, o que lhes rendeu uma curiosa silhueta de boneco Michelin reduzido (na melhor das hipóteses) com a pochete natural provinda desde a altura da marca da cesárea (algumas calças apelaram) até o umbigo.

A moda surf fincou estacas de mãos dadas com um monte de bandas de reggae e de forró. Foi-se o tempo em que meu irmão brincava comigo: “O que que tá tocando?” a resposta era sempre Jack Johnson (ou Ben Harper), e os sonhos pairaram sobre ganhar na mega sena e virar amigo do Kelly Slater (eneacampeão mundial de surfe) para tocar violão na varanda da casa dele em O`ahu (se eu fosse inventar um nome de cidade no Havaí eu inventaria esse mesmo!).

UÓ foi a revista Forbes eleger a Britney como a celebridade mais poderosa do mundo, sem imaginar as magistrais enfiadas de pé na jaca que a mocinha que se dizia virgem (aos 19 years old) daria nos anos posteriores.

UAU era celular com foto! UAU era a internet, MSN, Orkut.
UÓ (e UAU também vai, porque foi divertido!) era definir a si mesmo por comunidades do Orkut, tipo:

“Odeio acordar cedo”
“Porto Seguro semana do saco cheio 99- Eu fui!”
“Ou me pega de jeito ou não pega”
“Eu não sei você, mas eu arraso!”
UAU era La Bündchen mostrando para o mundo o que que a baiana tem.
UAU foram filmes brasileiros ganhando prêmios internacionais (Central do Brasil, Cidade de Deus),UÓ era falar que não gosta de filme brasileiro.

UAU na cozinha eram homens fazendo risotos de coisas estranhas, côco, tintura de polvo e tamarindo e como sobremesa, a grande estrela do milênio: o petit gateau, presente em todo e qualquer cardápio (graças aos céus).

UÓ era falar que não sabe nem fritar um ovo- benhé, essa moda passou lá nos anos 70, isso não pega bem em grupo algum, independente da religião, ideologia ou direcionamento político.

Mas o UÓ mesmo foi o início da série contagiosa e irrefreável dos BIG BROTHER e as desculpas imperdoáveis que milhões de brasileiros se deram para poderem ficar um pouco menos interessantes, menos informados ou menos descansados (porque dormir já é melhor que votar no Ban Ban)!

(to be continued)
Por Cocobelle
Foto do Universo Paralelo- festival de 5 dias que acontece no final do ano- reveillon- na praia de Pratigi, BA- Brasil

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O UAU e o UÒ (do borogodó) dos 90


Já pensaram que faz 20 anos que aconteceu o ano de 1990?
E 10 anos desde que a esperada chegada do ano 2000 se foi?

Pode não parecer muito nas nossas lembranças (se você nasceu em 1989 parece sim, muito!), mas não só nas passarelas, como nos restaurantes, festinhas, e rodinhas por aí as coisas mudaram muito.

Ah que refrescante uma reflexão dessa, bem estereotipada, politicamente incorreta, daquelas que inspiram as carolas do bom comportamento a dizerem:
“Não se pode estereotipar as coisas, tem que se respeitar os gostos individuais, é um absurdo que continuem a nos dizer que é certo e errado, o que é bonito ou feio!”... me desculpem meigas guardiãs da liberdade e da não-massificação, não é pelos seus brados retumbandes que o feio deixará de ser feio e o que é elegante, luxuoso e chique deixará de ser incrível.
Então vamos lá, mãos a obra:

Os anos 90 trouxeram para a moda um minimalismo clean, em contraposição à exuberância (assustadora) dos anos 80 com seus cabelões com permanente, repicados, batons cor-de-rosa, colãs e ombreiras.

A Kate Moss chegou desbancando as super tops Claudia Schiffer e Cindy Crawford, se antes o legal era fazer aeróbica com a Jane Fonda, o Nirvana, a Kate Moss e a Calvin Klein fincaram uma nova estética, modelos magérrimas, pálidas, sem maquiagem, o Kurt Cobain com aquele ar melancólico e high de heroína, coisa que levou mesmo a sério, quando se suicidou (há controvérsias) em 1994, em decorrência do vício.

Algumas campanhas publicitárias da Calvin Klein foram proibidas por terem sido consideradas como incentivadoras do uso de drogas, uma delas foi uma na qual aparecia a Kate Moss desacordada no chão de um banheiro.

UAU era usar calça fuseaux ou camisa xadrez, seguindo a moda grunge vinda das bandas de Seatle, ouvindo Nirvana e sofrendo com a voz doída do Kurt: “My girl, my girl, don't lie to me Tell me where did you sleep last night”,
borrifar-se com CK One e se deliciar com as novas sorveterias por quilo, tinha acabado a dor de ter que se contentar só com a cobertura que o sorveteiro colocava no Sunday, ou no Colegial!!!

Em 1991 o clipe do Michael Jackson, Black or White, foi transmitido simultaneamente para 27 países para uma audiência estimada em 500 milhões de pessoas. O vídeo também ficou famoso por mostrar na televisão uma das primeiras metamorfoses geradas em computador. Macaulay Culkin participou e era o queridinho do cinema por “Esqueceram de mim”.

Foi lançado o Nintendo e todo mundo se rendeu ao Super Mario- quem foi o figura que inventou um encanador como astro de Vídeo-Game? Com o plano real a inflação baixou e por algum tempo o real equiparou-se ao dólar, haja brasileiro indo pra Miami e era um tanto de calça Levis 501 que não acabava mais.
E a overdose de rúcula com tomate seco...deu tempo de se recuperar?
(to be continued)
Por Cocobelle

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Criança tem cada uma!


Era uma vez uma criança corinthiana (CçCor), filho de um pai corinthiano.
Estava ele uma tarde acompanhando a mãe na academia quando avista um jovem fazendo movimentos de subida e descida com o tronco.
A criança- cientista como toda criança- pára e observa.
Não tendo encontrado em sua extensa memória de 4 anos de idade o significado de tal coisa, recorre à sua mãe (chip de memória externo).
CçCor- Mãe, o que aquele moço está fazendo?
Mãe- abdominal
CçCor- O que é abdo...nimal?
Mãe- (rs) é um exercício para não ficar barrigudo, para perder a barriga.
A CçCor olha, olha, pensa.
CçCor- Mas mãe, ele não é barrigudo, porque ele tá fazendo isso?
Mãe- (rs) é para não ficar barrigudo.
A criança corinthiana fica lá olhando, refletindo seriamente enquanto a mãe se distrai conversando com um professor que passava.
Depois de árdua reflexão o corinthiano mirim lança:
CçCor- Mãe, porque o Ronaldo não faz isso? Ele devia!
Ai ai, o Ronaldo fazer abdominal?
Criança tem cada uma.
(em homenagem ao centenário do Timão)
Por Mirabelle versão Gaviões da Fiel

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Coming home


Sempre considerei frases do tipo:

- Nasci na época errada;
- Eu morei não-sei-onde na minha outra vida;
- Eu deveria ter nascido na...(China, França, Austrália etc)

Uma grande babaquice.
Babaquice proveniente de sentimentos esnobes de pessoas que se consideram dignas de pertencer àquele lugar que segundo seu modismo do momento, é LEGAL.

O lugar da moda difere segundo o grupo, idade e ambiente de convívio do sujeito.
Os da yÔga (tem que falar o Ô como em vovÔ para ser da turma) têm a Índia como ambientação de suas vidas passadas, os do surf juram que deveriam ter nascido no Havaí, ou na Austrália, adolescentes que acabaram de descobrir a maconha e o Jimi Hendrix choram por não terem ido ao Woodstock e todos os adeptos dos cristais-gnomos-Alto Paraíso- terapia de vidas passadas- e- afins declaram que foram guerreiros nas cruzadas ou uma princesa que morreu jovem a espera do seu amor (ou alguém já viu alguém fazer regressão e voltar contando que foi um açougueiro em sua mais recente encarnação-antes-dessa?).

Enfim, eu pensava que essa identificação com qualquer outro lugar que não o seu, era somente uma fuga alucinada e maníaca de pessoas descontentes por residirem em lugares tão cheios de glamour e história quanto Sorocaba, Pato Branco ou Louveira.

Pode ser que muitas dessas frases venham de modismos.
Mas existem mesmo lugares nos quais a gente chega e tem a impressão de pertencer mais àquilo do que à casa onde crescemos. Lugares novos, até então desconhecidos que conversam com partes nossas tão intimamente como se fossem amigos desde a segunda série (ou será de outra encarnação?).

Pode ser um país, uma poltrona, um sotaque, uma certa luz que dá a sensação de ter voltado pra casa.

Conheço uma pessoa que se sente em casa em todos os lugares onde têm onda, surfar é estar em casa. Essa mesma pessoa se sente em casa em um castelo medieval e num seringal (é, essa pessoa é meio estranha!).
Outra pessoa se sente em casa no Ceará e em todo lugar onde o sol escancara e colore tudo de amarelo-luz ou onde tenha um bom Milk-shake de chocolate (o bom é aquele no qual o canudo não afunda).

Era fim da tarde de fim de agosto, chovia uma chuva fina e fazia mais frio que os dias anteriores, uns 9 ou 10 graus. A moça da recepção de certo hotel em Praga, baixinha e ruiva, com um inglês formal e cheio de arestas apresenta uma biblioteca, dizendo que fica aberta 24 horas.

Uma sala de tamanho médio, toda aconchegada em carpete, estantes, papel de parede e cortinas. Janelas que começam no quadril e acabam no teto, paredes grossas como um armário. Presos nas laterais das estantes, pequenos abatjours estendem ao redor de si uma auréola mais clara, mas permitem que carpete, estofado e cortina guarde um tanto de luz para si, deixando o ambiente âmbar e gentil.
Nas prateleiras, livros recheados de palavras formadas por letras unidas de forma surpreendente: százszor, szükség, különbözö.

Tudo é verde e vermelho, verde e vermelho sérios, senhores, não aquele verde jovem, aberto, tagarela, um verde que lê, sentado, fumando cachimbo. A cortina pesa pra baixo. Algumas poltronas em xadrez.

Nessa biblioteca que era toda idosa (o hotel era de 1897), toda em uma língua absolutamente estranha, me senti em casa.

Pensei nos ambientes claros e abertos, clean, minimalistas, brancos, com pés direito de 3 metros presentes em todas as revistas de decoração no Brasil e fiquei com frio.

Quando criança, eu pedi em alguns natais uma biblioteca, como a que a Bela ganha da Fera (no desenho da Disney). Eu não fui uma princesa tcheca na minha outra vida. Mas conheci a biblioteca que mais se parece com a que morava dentro de mim e eu nem sabia.

Por Mirabelle

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

The sound of silence


Sabe-se que quem tem enxaqueca precisa de silêncio e de ficar no escuro.

No mínimo isso parece uma necessidade de uma pessoa chatinha, frescurenta, daquelas que tem dor de cabeça com música alta e muita luz (péssima companhia para uma boate).

Uma experiência de dor tão estranhamente caprichosa que exige o silêncio e pouca luz para fora ficar parecido com dentro.

Não sei se toda dor tem o mecanismo de apagar a luz de dentro, dos olhos, da fome, da voz, da vontade. Essa dor tem. Como se um simples dia de sol se tornasse uma Rave em Las Vegas. Luzes e sons em intensidades ofuscantes.

Como disse Freud, toda filosofia sucumbe no buraco de um molar que dói.

Doer por alguma razão é sacrifício- sacro- ofício, pelo menos assim imagino a dor do parto, de uma ferida de guerra, da recuperação de uma cirurgia, que salva a vida. E até, fazendo um esforço, daquelas pessoas que se penduram em ganchos, elas devem ver algum sentido naquela dor (espero que vejam).

E a dor só? Só dor, sem nenhuma razão, sem objetivo maior ou mais nobre se não escurecer? Porque a enxaqueca dói no negativo, no vazio, no escuro. Não é dor de gritar, dor que sai pra fora, que esparrama, que desbrava, anuncia.
É dor que encolhe, que escurece, e se se dorme, não é para um sono com sonho, um sono positivo que contém coisas, cores, histórias. É um sono negativo, só o contrário de estar acordado, sem nenhuma qualidade especial, só o fundo de algo que, visto do outro lado, é abaulado.

Acho que Simon and Garfunkel não falaram sobre isso na música deles, mas bem que parece uma boa metáfora pra essa dor:

Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again
Por Mirabelle

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

De querer ser mais


Sempre que viajo me ressinto. É o primeiro e mais palpável sentimento que me acomete. Ressinto-me como uma velha que se ofende pelo tempo passar, por ser inútil, tal ressentimento é também idiota.

Sinto um ressentimento quase como uma ofensa a qualquer coisa que, de início, me escapa. Depois de muito ressentir-me fui descortinando a razão de tal disparate.

Sou pretensiosa, não me contento com o status de turista, gringo que faz aquele papel de tonto, de “haule” (na linguagem do surf, aquele que vem surfar em praia estranha, a qual não pertence)com a constante expressão de: não-entendi.

Nutro certa admiração por aqueles que, por ingenuidade ou falta de senso-de-ridículo chegam de excursão com suas barrigas brancas e bolsas coloridas, máquinas penduradas, tênis novos e se põe a tirar fotos fazendo poses e esbanjando sorrisos de satisfação. Levam pra casa canecas e camisetas (com os dizeres: PRAIA DA JOAQUINA, HARD ROCK CAFE MIAMI, NATAL) tendo certeza de terem “conhecido” um novo lugar.

Quando viajo sempre me sinto com a roupa errada, e cada lugar tem o talento de despertar diferentes tipos de sentimento de inadequação: em Floripa sente-se imediatamente a falta de musculação, a falta de pratarias penduricadas e a falta de um surfista a tira-colo. No Rio sente-se vestida demais, séria demais, até chata. Em São Paulo sente-se desarrumada, pouco descolada, caipira. Na Europa sente-se mais pra Hobbit do que pra Elfo, comparada as loiras altas e magérrimas no caminho...

Mas o sentimento de inadequaçåo pode ser suprimido por compras ou bom senso.

O ressentimento que se muda pra dentro de mim ao viajar é de ordem mais existencial e por isso, menos transformável por lojas e lógica.
Ao ver senhoras tomando água de côco no fim da tarde em Ipanema, ao avistar um cabeludo fumando um cigarro em certa varanda de Barcelona, um fazendeiro num trator quarta a tarde em uma plantação de girassóis no interior da Áustria, minha existência concebe a dimensão exata da sua limitação, meus contornos ganham espessura e percebo com força a exclusividade da minha existência.

Vivo só e apenas a minha vida, presencio exclusivamente as minhas experiências e isso me parece pouco, pouco demais.

Quando criança minha mãe me falou que eu não poderia ser rainha da bateria (essa resposta dá a notícia desconcertante de que um dia esse desejo existiu) porque para isso eu precisava ou ser famosa (antes eu tinha dito que não queria ser famosa) ou ter nascido na comunidade daquela escola de samba. Essa resposta materna foi retumbante, foi a primeira vez que me deparei com uma verdade absoluta, imutável e ainda assim trágica: eu não seria muitas coisas pelo simples fato de eu ter nascida eu-mesma e não uma outra (em outro lugar, de outra cor, sexo, em outro tempo).

Quando viajo, me ofendo com a pluralidade das possibilidades (como se pudesse ser diferente).

Talvez seja essa a razão das pessoas não viajarem (sabiamente, talvez). Elas preferem permanecer na confortável idéia de que suas vidas bastam, de que são grandes o bastante, interessantes o suficiente.

Em momentos mais chorosos essa realização chega a me parecer triste.
Sinto saudades do tempo que “Ipanema era só felicidade” apenas pela voz do Vinicius, eu não estava lá.

Tenho essa vontade de conhecer de dentro, não de foto. De ter papel principal e não ser figurante em cenários que me encantam.

Sei que isso vem de certa fome grande demais, fome de morder o mundo que nem uma tortinha.

Uma vez, na Bahia, ao ver um pescador puxando a rede no final da tarde essa mesma melancolia se apossou de mim. Minha vida era pequena para caber também essa existência de pescador, que me pareceu bonita na espessura das mãos, nos cheiros de sal, na cor que o sol deixa na pele.

Mas vendo a rede, o barco, o pescador, lembrei com força do “Velho e o Mar”, do Hemingway e me acalmei por lembrar que eu também sei (bem pouco, mas faço uma idéia) como é pescar, de como se passam os dias no mar (passei algumas semanas com Hemingway no mar).

E pensei que gosto de ler por essa razão, por curiosidade, por petulância de achar ridículo fazer pose pra foto com mochila, tênis e chapéu em pontos turísticos lotados de gente.

Ler é um jeito oficial de entrar no olhar do outro pelo lado de dentro, pela coxia (backstage) da vida e assim viver outras histórias, vestida de pele de pescador e garota de Ipanema pra quem sabe assim, driblar a pequenez de ser uma só.

Por Mirabelle

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

No México, DF - Parcele sua cesárea em 6x sem juros no cartão!


Eu não sou ecochata, nem filiada ou militante de nenhum partido político, nem religiosa. A princípio, não tenho nada contra quem seja, desde que respeite minha liberdade de opinião. Com isso, quero dizer que há poucas bandeirinhas que eu levanto. Uma delas é a do parto humanizado.

Caminhava eu pelas ruas do DF quando vi o anúncio acima. Tive que fotografar pra lembrar e continuar a me indignar: “Somos médicos, somos heróis. Pacote cesárea 21.000 pesos (= R$ 2.800)”. Onde já se viu anunciar cesáreas como se fossem roupa, sabão em pó, carro? Como se só dependesse da sua vontade entrar no hospital e pedir uma, e, pior, de modo que você possa comparar preços pra ver qual a mais adequada às suas necessidades e ao seu orçamento?

Me choca e indigna a maneira como, não só no México, mas também no Brasil, as mulheres se vêem obrigadas a passar pela experiência do parto. Tudo muito clínico, muito medicalizado, esterilizado, cheio de profissionais médicos ao seu redor – o que anula a intimidade da mãe, desrespeita o seu corpo e o funcionamento natural do mesmo e afasta para anos-luz o que realmente está acontecendo: você, mulher, está dando vida àquele minúsculo ser que irá amar mais que tudo no mundo. Isso é único, é irrepetível. A mãe deveria ser protagonista, antes de ser paciente. Gravidez não é doença que precisa de cirurgia pra ser eliminada. O nascimento deveria ser um momento belo, antes de um ato cirúrgico onde o herói é um outro cara aí. Acho que é isso o que quero dizer quando defendo um parto humanizado.

Um dos grandes motivos da minha indignação é a altíssima taxa de cesáreas realizadas no Brasil. A Organização Mundial de Saúde recomenda que uma taxa de cesáreas adequada é de 15%. Aqui, em 2008, a taxa nacional foi de 31%, e a dos hospitais particulares, de 84%. OITENTA E QUATRO POR CENTO. Desculpem, mas isso não é normal, e me custa acreditar que justamente a parcela mais esclarecida e abastada da população (precisamente a que pode “comprar” uma cesárea) esteja realmente escolhendo esse tipo de parto. Será que as mães realmente são bem orientadas pelos médicos?

Primeiro, é válido se perguntar quem são esses médicos e de onde vem a epidemia de cesáreas. Não quero generalizar, mas uma vez um conhecido que estudava medicina e era residente em pediatria na Unicamp (e não na Universidade de Pororó do Norte), me contou de um colega que, ao longo de sua residência em obstetrícia, havia realizado um total de 2 (DOIS) partos vaginais. Todos os demais haviam sido cesáreas. Eu me pergunto: que formação esse médico recebeu pra realizar partos normais? Obviamente, nesse caso, doutor, por favor, faça mesmo uma cesárea, pois que conhecimentos o senhor vai ter sobre o mundo de possibilidades de um parto não-cesareano?

Outra coisa importante: quanto ganham os médicos por realizar um parto? Ganham mal. E ganham pior se o parto é natural, pela cesárea eles recebem um pouco mais. Ou a mesma coisa. Com a diferença que o parto normal em geral demora muito mais, pois temos que esperar a mulher ter contrações, dilatar, expulsar e isso leva umas dez ou doze horas ou mais (ai, que tédio, e elas ainda vão reclamar das contrações até alguém colocar a epidural nelas). E a cesárea pode ser feita em 45 minutinhos. Como tempo é dinheiro, aqui há também uma motivação econômica – talvez a que realmente tenha impulsionado a epidemia de cesáreas.

Resultado disso tudo, minha gente, é que hoje em dia a gente não sabe mais o que é parir. Ou você recorre às avós, que vão contar histórias provavelmente um pouco escabrosas sobre o parto (de uma época em que não havia anestesia, que você não tinha a opção de escapar daquelas dores que, sim, são horríveis, e na qual a mortalidade neonatal e materna eram muito maiores), ou você só conhece gente que teve bebês por cesárea. Aqui menciono também minha experiência: morando na Espanha, recebi o telefonema da esposa de meu tio, uma mulher de 35 anos, que mora em São Paulo, grávida do primeiro bebê. Ela queria saber como era ter um parto vaginal, pois todas as suas amigas haviam tido seus bebês por cesárea. Alô, alô, mulherada, vocês acham isso normal?

to be continued...

By Womber Woman

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Da arte de viajar...


“Sempre me pareceu que estaria bem onde não estou, 
e essa questão da mudança é um tema que estou
 sempre cogitando na minha alma.“ 
(Baudelaire)


Em “A arte de viajar”, Alain de Botton reflete deliciosamente sobre essa atividade tão antiga quanto a humanidade, de fazer as malas e ir para outro lugar.

O título, a princípio, se faz de despretensioso, mas guarda significado tão óbvio quanto infinito.
Pra viajar não basta a CVC oferecer pacotes em 10 vezes sem juros.

Viajar é talento, viajante tem que ser muito artista nessa arte de ir e se deixar, se levando junto, pra se trazer transformado, e ainda assim, continuar sendo si mesmo.

Para viajar é necessário muita coisa, de dinheiro a coragem de ficar consigo em quarto diferente, sob outra luz, sem as amarras confortáveis da rotina.

É necessário férias, planejamento, necessaire, passaporte e certa disposição rara de deixar pra trás o que se é e se experimentar com novos temperos, outros acompanhamentos.

Mas tem muita gente que engana que viaja, só se move de lugar, mas permanece o mesmo, olho no Iphone, emails, testa enrugada, olho no sapato.

Viajar é olhar pra frente e ver as pessoas passarem e ir reparando em cabelos, roupas, sotaques. Viajar mesmo acontece quando a gente passa aquela euforia do Free Shop e ouve o que a cidade conta, se é silenciosa ou se grita, se acorda tarde ou adormece cedo.

Tem lugar que é velho, outros que são jovens. As praias do Brasil são adolescentes, ruidosas, coloridas, gritantes. O mar mediterrâneo chega com calidez, mansa e silensiosamente, convida a ler na areia que nem esquenta tanto. O verão europeu é ansioso, conta com seu fim antecipado pelo frio e por isso o sol quer ficar até o fim, nunca ir embora.    

Alain de Botton começa contando de um desejo intenso de ir a uma praia de areia branca e palmeiras que o acometeu em certo inverno londrino (imagino que uma praia ensolarada fique intensamente atrativa no cinza de Londres).

O escritor nos leva junto fazendo-nos lembrar que viajar é bem mais que aquela foto de mar azul e areia branca do folheto da agência de viagens. É também as duas horas de antecedência no aeroporto, fila, vontade de ir ao banheiro, mala pesada, passagem perdida no bolso, mais fila, tirar a bota pra passar no detector de metais, poltrona apertada, comida ruim, tontura, calor, mala perdida, suor, trem errado, taxi caro, pousada longe, apartamento alugado mofado…

Ele (Botton) diz que um detalhe lhe escapou ao planejar e desejar a viagem, o detalhe que ele se levaria consigo, e assim todas as suas dores (da de barriga ä mais existencial) iriam também, junto.

Porque por vezes a vontade de viajar vem do desejo de deixar a si mesmo e partir rumo a uma paisagem de cartão postal. Rumo a qualquer outro lugar, outra coisa. Mas como uma companhia indesejável, a gente chega e viu que se trouxe junto.

Um engano freqüente é achar que se viaja para conhecer novos lugares, qual não é a surpresa ao descobrirmos que viajamos para aprender a estar em um lugar, o único possível, o mais exótico e desconhecido. Presente dentro de si mesmo.  

Por Mirabelle

"A arte de viajar", Alain de Botton 1969 (ed Rocco)

domingo, 22 de agosto de 2010

No México – o cineasta, o cowboy e outras coisas no pé do nosso país tropical

Numa ruazinha assim ficava o antro

Lá nos Altos de Jalisco, rodeada por extensas plantações de agave (a planta da qual se prepara a tequila), se erige, em meio a uma paisagem de colinas verdejantes pontilhadas por nopales (cactos do qual se comem as folhas e frutos), a histórica cidade de Lagos de Moreno. Histórica porque é muito antiga (imagine um centro com ruas estreitas e casarões coloniais em estado de conservação variável), e a origem remonta a 1583. Atualmente vivem por aqui cerca de 140 mil pessoas.

Neste cenário pitoresco, acabamos, Asdrúbal e eu, por motivos que não valem a pena ser esmiuçados, numa autêntica balada laguense. À sombra das torres da Paróquia (que eu sempre insisto em chamar de catedral pelo tamanho impressionante, mas não é, pergunte ao seu padre, bispo ou cardeal de devoção pelos detalhes da hierarquia eclesiástica), num calçadão de pedestres composto por fachadas coloniais, nos encontrávamos no antro (assim eles chamam os bares) da moda. Não reparei no nome, só sei que vendem cervejas importadas (tomamos uma checa e outra de Guadalajara mesmo) e que éramos provavelmente o grupo mais ancião do lugar. “Qué rucos”, sussurrariam entre si os adolescentes locais. O que nos importava un rábano.

Eu, por ser a única mulher da nossa rodinha de seis ou sete integrantes, meio que assumi minha postura de observadora e passei a tomar notas antropológicas mentais de toda a situação. Porque há lugares em que a coisa é assim: homem é homem, mulher é mulher e ponto, se acabou. Nada de firulas ou complicações. E Lagos é um desses lugares onde você, mulher do século XXI ou XVII, pode se preocupar apenas em arrumar um marido e criar os filhos – simplicidade que eu invejo, mas que jamais me faria feliz.

Antes disso, porém, tive a possibilidade de travar um par de diálogos com dois de meus anfitriões laguenses nessa noite: o vaqueiro e o cineasta.

Apesar de eu até ser capaz de dissimular, não passa desapercebido o fato de que sou brasileira – ainda mais em cidade pequena, onde as novidades voam de boca em boca. E, como estava com gente conhecida, os cavalheiros (ou cavaleiros?) tiveram a gentileza de puxar aquele dedinho de prosa, com essa naturalidade interiorana que faz você se sentir tão à vontade.

O cineasta é um tipo meio excêntrico, meio alcoólatra e meio cego (sim, ele só enxerga com um olho). Trabalha essencialmente no DF com o que pintar, desde que envolva uma câmera na mão: roda documentário, faz assistência de direção, de produção e até estaciona o carro de apresentadoras de TV desavisadas que pensam que ele é office boy (oh my god). O cineasta me disse que o Brasil é uma referência para o cinema latino-americano e que nossa produção cinematográfica é excelente. Uau. Não sabia que estávamos com essa bola toda – e, claro a gente fica toda orgulhosa de que os outros achem que o país vai pra frente.

Expliquei a ele como funcionava a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, que empresas tão potentes como Petrobrás apoiavam muitos projetos, e digressionamos um pouco sobre por que leis parecidas não vingaram no México – por corrupção, por desvio de verbas, porque as empresas e empresários aderiam à lei como forma de embolsar parte da grana destinada aos projetos e fazer uma produção bem merreca só pra dizer que fez, o que resultou em um monte de filmes de péssima qualidade que levaram à conclusão de que a tal lei não funcionava. Contei da relação irmãos Meirelles-Unibanco-Centro Cultural Unibanco, com o que quis dizer que havia gente muito influente interessada em que nossas leis de incentivo à cultura funcionassem.

Trocamos sorrisos, o Asdrúbal chegou com outra cerveja (sempre long neck, latas jamais), brindamos e a conversa seguiu rumos diferentes. Outro interlocutor, o vaqueiro, já conhecido de outros encontros anteriores, se aproximou.

O vaqueiro é filho de um fazendeiro exitoso, com muitas vaquinhas leiteiras que são ordenhadas por máquinas ágeis não sei quantas vezes ao dia. A fazenda do pai do vaqueiro tem um casarão secular que saiu até num calendário. E assim ele se criou: entre vacas e alta tecnologia. Rixas familiares a parte, ele acabou se afastando dos negócios da família e agora trabalha com outros agroempresários locais em alguma coisa que tem a ver com touros, vacas e reprodução dos mesmos para aumento da produtividade (atenção, meninas: não é o primeiro distribuidor de sêmen bovino que eu conheço). Basicamente, digamos que habitamos planetas bastante distantes.

“O Brasil agora está liderando a genética das vacas”, ele soltou. “Estamos importando sêmen do Brasil.” Órale, respondi (isso denota surpresa). “A dose custa 30 dólares. O Brasil já está passando na frente até dos Estados Unidos”. Oh, pensei, regozijando-me novamente pelos avances de nosso país verde-e-amarelo. Os responsáveis? Segundo o vaqueiro, Lula, que protegeu o setor, e os criadores da raça zebu (de origem indiana, aprendi também), que receberam subsídios que resultaram em uma raça híbrida (desculpem, mas não fui capaz de aprender o nome) que é mais resistente e produz mais leite.

Eu estava surpresa. O mais perto que eu havia chegado a todo esse universo econômico até então foi calcular o quanto poderia investir no fundo para comprar sapatos Manolo Blahnik, por supuesto que de couro legítimo, proposto pela Mirabelle aqui no blogue. De repente, todo um novo mundo de possibilidades se abria a minha frente. Depois dessa fiquei até pensando em comprar umas ações. Ou umas vacas, talvez mais simpáticas que algumas das minhas vizinhas. Ou umas doses de sêmen, posso colocar no congelador lá de casa do lado da garrafa de tequila que o Asdrúbal comprou e esperar elas valorizarem. Até eu poder trocá-las por um par de sapatos do Manolo Blahnik.

Enquanto isso não acontece na nossa sala de justiça, a gente continua torcendo pelo hexacampeonato, pela erradicação da pobreza, pela diminuição das desigualdades sociais y otras cositas más. Pode ser que o país não tenha saneamento básico e níveis educativos decentes para uma parte considerável da população. Mas tem cinema com belos roteiros e fotografia - eita, paisão. E touros sementais tipo exportação. O que me leva a concluir que talvez eu acabe trocando o meu Manolo pela Melissa da Vivienne Westwood.

by Womber Woman

sábado, 21 de agosto de 2010

Deus e o que importa nessa vida


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Mais uma de Deus. Ah, o Carlos, esse Carlos. Se toca, mané! Não dá vontade de dar um chacoalhão nesse homem? Gente, eu frequentemente penso: se até Deus tem um homem assim, do que é que eu, mulher mortal, posso reclamar? Hein? Hein?

Nos meus momentos de fúria com a raça masculina lembro disso. Obrigada, Rafa, pelas pílulas de inspiração. E de paciência.

Lembrando: a exposição do Rafa (alias Rafael Campos Rocha), pai e criador de Deus, mas não tão onipotente quanto ela (pois continua sendo um espécime da mencionada raça masculina, ao menos até me mandar uma foto montado de drag assinada por duas testemunhas com RG e firma reconhecida em cartório, coisa que não vai acontecer), continua em cartaz no Paço das Artes, na USP da Capital (tel: 11 3814 4832). Vai até dia 29. Corre lá!

Darling Darling

No México – comer, comer…



Morrendo de fome e na correria, comprei um sanduíche bem normalzinho numa loja de conveniência. Peito de peru, queijo, salada no pão de forma. E um mini saquinho de amendoim japonês. Qual não foi minha surpresa ao constatar que o sanduíche vem com seu sachê de salsita de jalapeños. Mas não parou aí: os amendoins japoneses também vêm com seu sachê de molhinho picante, desta vez de chipotles. Comentei com um amigo no Skype enquanto comia e ele disse que provavelmente a minha lata de suco del Valle também tinha picante, só que eu havia esquecido de agitá-la e estava tudo concentrado no fundo esperando para aplicar-me um golpe final...

Aqui tudo se come com pimenta, do café da manhã às laricas da madrugada, passando pelas frutas (sim, frutas, deliciosas frutas!). Diferente do que muita gente pensa, nem todas são super picantes. Conhecer as variedades é toda uma imersão na cultura mexicana. Deixe-se levar e prepare-se para a vingança de Moctezuma (= a caganeira que acomete os estrangeiros não acostumados à dieta local).

Outra das iguarias que eu muito aprecio destas terras são os nopales, as folhas de um tipo de cacto, que se podem preparar como outra verdura do cardápio e, na variação local do churrasco (carne a la brasa), grelhado na churrasqueira.

Órale e viva o bicentenario, guey.

Darling Darling

domingo, 8 de agosto de 2010

Misteriosos são os desígnios de Deus

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Continuando a jogar confete no trabalho do Rafa (aquele que agora publica tirinhas no Ilustríssima, da Folha, e ainda fala com os amigos da era pré-fama), compartilhamos com noss@s leitor@s a segunda entrega da série Deus, essa gosotosa.

Quem estiver de bobeira pela USP na capital pode ir até o Paço das Artes ver outras estripulias do rapaz expostas, inclusive os originais de Deus (não os do Gênesis, só os do Rafa mesmo). Ou então comprem o jornal de hoje!

Eu sou totalmente a favor dessa visão da deidade maior. Quero ser que nem ela quando eu crescer.

Bom fim de semana,

Darling Darling

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A elegância em tempos de Pânico



Sei que você querida, como todas nós (que Glorinha Kalil nos perdoe e Costanza Pascolato sinta piedade de nós), tem, por vezes, esse deslize de querer ser como aquela por quem seu digníssimo marido/namorado/caso- homens em geral- baba na tv (internet, email, revista).

Desejo indefensável de ser aquela celebridade da novela, aquela paniquete, aquela da propaganda da cerveja, de “meia-calça” jeans e blusinha amarela comprada na 25 (de março).

É verdade que os homens olham mais para as loiras de cabelão, silicone e calça/shorts de dançarina de funk. É verdade e ponto, fazer o quê?

Mas queridas, por mais que vocês mereçam...quando o desejo de ser a-nova-rainha-do-tchan te assaltar. Respire, contenha-se antes de ir ao cabeleireiro fazer mais luzes. Pense na menina que há em você, pense se a sua criança interior ficaria satisfeita em ver seus sonhos de princesa se reduzindo ao fundo de um programa de auditório.

Você, que com 6 anos sonhou com vestidos cor-de-rosa e príncipes em cavalos brancos, quer mesmo ser merecedora do título: “Rainha da Gaviões da Fiel” e ter a coxa igual a do Roberto Carlos? (aviso às meninas: Roberto Carlos o jogador do Corinthians, não o rei!)

Quando esses momentos de conflito existencial-estético acontecerem, reflita:

Você quer ser uma moça L´Occitane, do tipo: provence, côte d´azur, óleos essenciais de lavanda ou uma moça de aroma-idêntico-ao-natural-de-morango?

O marido de uma prima diz que quando sua amada besunta-se de cremes Victoria Secret ele sonha com chambinho.

Se bem que nada mais boring (para abusar do jargão fashion) que ser sempre elegante, sóbria e irrepreensível no figurino. Ou você gostaria de ser a Rainha-mãe, always de tailleur, pérolas e chapéu?

A Gisele Bundchen aparece, fora da passarela, sempre de calça jeans e camiseta branca. Quer coisa mais fina, mais blasé, mais elegante do que essa coisa: uso-Hering-e-fico-maravilhosa?

Ah Gisele, você não nos engana, a gente sabe que você não usa as roupas da C&A (loja para a qual foi garota-propaganda), e se usar, só em você que fica bom! (A gente também sabe que a Xuxa não usa Monange).

E vamos combinar que é fácil ostentar tamanha elegância depois dos bailes do Met (metropolitan museum of NY) e dos desfiles da Victoria Secret.

Nós também seríamos elegantérrimas no dia-dia se pudéssemos, de vez em quando, andar por aí com uma roupa de rainha da bateria com asas e auréolas. (Vide desfiles anuais da Victória Secret- será que o desfile também tem cheiro de chambinho?)

Acho o máximo essa coisa minimalista, essa coisa clássica, essa coisa Louis Vuitton, Maria Bonita, Celine. Todo esse lance nasci-rica-e-não-preciso-mostrar-nada-pra-ninguém.

Mas umas gostam de cheirar que nem chiclete, outras sonham em ser rainhas da bateria ou dançarina de programa de auditório só pra usar biquíni com salto... fazer o quê se aqui nos trópicos nossa musa é a Luma de Oliveira e não a Lady Dy?

Por Cocobelle

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Não devia...


Sou do tipo de pessoa que sempre morou em casa.
Antes eu desconfiava, agora tenho certeza.
Existem as pessoas-casa e as pessoas-apartamento.
Talvez elas sejam feitas de material diferente.

Existem as pessoas biflex (no sentido imobiliário).
Eu pensei que poderia ser uma delas.

Mudei-me para um prédio a despeito de todas as minhas intuições a respeito do que significa, para mim, um LAR.

Eu achava que isso estavam relacionado à silêncio, tranqüilidade, quietude e um sentido único de privacidade e unicidade que uma casa proporciona.
Uma casa com terra onde se põe o pé, nem que seja só no fim de semana, uma varanda para onde se sai quando dentro aperta e sufoca.
Lugar onde se fica dentro, mas também se sai para ver o céu, olhando de baixo pra cima, tombando a cabeça até abrir a boca (de um apartamento não dá para olhar para o céu assim, pra cima, só na diagonal).

Eu achava tudo isso, mas desconfiava que essas coisas pudessem ser daquelas tantas que a gente pega de pai e mãe e depois descobre que não nos pertence. Ao longo do tempo vamos devolvendo na lojinha parental capas e casacos pesados com os quais fomos vestidos.

Na minha casa (de criança) só tinha chocolate, tudo de chocolate. Doce com fruta era quase uma heresia na casa de chocolate, mas descobri que na minha casa cabe chocolate e cocada, sorvete de limão e torta de morango. Descobri também que gosto de cortina, de parede colorida, mas continuo gostando de sentar no chão (e não no sofá) na frente da TV e de pão com mel (tem coisa que fica sendo nossa mesmo!).

Bom, foi com esse espírito des-prendedor que encaixei sofá, tapete, panela e vontade de céu no conceito moderno e urbano de lar.

Eu já ouvi falar que dormir com a TV ligada pode causar convulsão (em pessoas propensas a isso, ou epilépticas mesmo) pelas ondas que entram no cérebro adormecido.

No momento me pergunto se é possível um ser humano convulsionar pelo repetido e ininterrupto APITAR do APITO que APITA cada vez que um portão (do meu prédio) abre e fecha (isso quando o controle funciona e o digníssimo condômino lembra de apertá-lo para fechar).

Meu prédio tem 2 portões, eles têm luzinhas com apitos que apitam muito alto. Na rua devem ter mais uns 5 ou 7 prédios em cada lado, cada qual com seus portões que também apitam, buzinam e esforçam-se por causar danos cerebrais nos ouvintes.

Fora todo aquele sentido de lar que os porteiros lutam em te proporcionar ao dizer que seu cachorro não pode encostar as patinhas no chão, que seu carro está estacionado fora da linha, que a grama, o jardim não são para serem pisados ou usados de maneira nenhuma, que um pano de chão da lavanderia está para fora da janela...enfim, todo esse clima de privacidade, de um-lugar-para-você-chamar-de-seu que só um prédio com regras condominiais, síndico e tal para te oferecer.

Sei que as pessoas se acostumam com apitos, com não ver o céu, com dormir com barulho de TV e nunca ficar com seu silêncio. Sei que as pessoas se acostumam a não ouvir a chuva descendo pela calha e chegando na terra.

Aliás o ser humano se acostuma a quase tudo.

Sei que a gente se acostuma... mas não devia.
Por Mirabelle

Imagem do filme Wall-e. Animação da Disney e Pixar que imagina uma espécie de futuro "Admirável mundo novo" (Huxley) em que as pessoas não andam, "comem" shakes e conversam apenas via tecnologia. De arrepiar!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Deus, essa gostosa

(Clique sobre a imagem e ela aparecerá sozinha, clique de novo e ela será ampliada)

Queridas e queridos:

É com muito gliter que penduramos no Varal a colaboração de Floquê de Baunilhê Sucrê, codinome Rafel Campos Rocha, um artista-cartunista em ascensão mas que continua (por enquanto) falando com a plebe desconhecida e as criadas da casa que estendem a roupa no quintal. Vocês podem encontrá-lo ministrando cursos sobre Arte Contemporânea no chiquérrimo e descolado Instituto Tomie Otake e também nos cadernos variedade da Folha de S. Paulo aos fins de semana.

Entre coelhos, dragões de komodo e ele mesmo, acabei escolhendo (óbvio) a série Deus, essa gostosa, para dividir com vocês.

No portifólio do moço: desenho de coelhos, esculturas de coelhos, instalações de coelhos, exposições em lugares descolados, cargo de síndico-mucamo do apê-república dele em Barcelona que ele transformou numa galeria de arte junto com outros artistas quando as ditas cujas os menosprezaram, tirinhas várias que burlam de si próprio (ah, nada mais "in" que essa coisa autobiográfica da arte contemporânea!) e um filho (work in progress).

Reclamações e maiores informações no blogue dele: http://rafaelcamposrocha.blogspot.com/

Aquele beijo,

Darling Darling

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Lady Gaga (parte 2) ou o "Oba-Oba pós moderno"

(continuação dos 2 posts anteriores)
A Madonna cantou “Like a virgin” vestida em uma espécie de vestido de noiva erótico com toques punks e esse visual era algo de controverso e chocante para a época (1984), mas perto do clipe de “Alejandro” (Lady Gaga) a Madonna realmente parece uma virgem.

Em “Bad Romance” Gaga aparece como uma mulher-lagarto (visual composto com peças de Alexander MacQueen) criada/fabricada num casulo, ela é então oferecida a uma homem, como uma espécie de encomenda. No fim ela mata o sujeito que a “escolheu/encomendou”.
Cena final: ela e um corpo carbonizado na cama.

Em “Telephone”, clipe que parece filme (tem 10 minutos) do Tarantino com cores fortes e cenas que nos lembram desenhos animados, ela e Beyoncé matam envenenado o namorado da Beyoncé e também todo o resto das pessoas da lanchonete.

O mais curioso, para mim, é “Alejandro”. Mistura uma estética militar de soldados e armas, com Lady Gaga vestida de freira, terço na mão e cruzes pelo cenário. Os soldados aparecem vestidos de meia calça arrastão e salto meia-pata enquanto ela, magrinha, branca, performa o lugar masculino em uma relação de domínio e força nas cenas filmadas em camas.

Uma foco constante dos clipes é a relação homem-mulher.
O domínio histórico masculino é invertido por uma mulher que não deixa de ser feminina, mas que passa a ter controle sobre homens, por vezes feminilizados. Aparece nos clipes e na voz um tom de raiva e de vingança contra os homens. Uma espécie de revanche (?).

Taí um prato cheio para discussões a respeito dos papéis masculinos e femininos e sobre todas as questões de gênero na atualidade.

Gaga aparece cada vez com um cabelo, com uma maquiagem.
Não sei se alguém a reconheceria caso encontrasse com ela na padaria, de moletom.

Não é a Stefani Joanne Angelina Germanotta (nascida em 1985, sim ela tem 25 anos!) que canta e dança, é um simulacro (agradeço aos universitários).
Criação estética que transcende a pessoa da artista, é mais que ela ao mesmo tempo que se desmancha em vazio se retirado o figurino, penteado e maquiagem.

Alguns filósofos e sociólogos (entre eles Baudrillard, Baumann) que discutem a nossa época definem-na como a era da incerteza, do vazio, na qual a imagem ganhou o lugar de onde antes havia sentido, consistência.

A pós-modernidade seria a era liquefeita, na qual a mercadoria propagandeada e consumida não tem valor de uso ou de troca, mas antes, de signo. Vende-se e consome-se imagens de poder, status e beleza que pretendem solucionar o vazio, mas só servem para aprofundá-lo.

Lady Gaga me ajuda a pensar em uma frase dita por um professor querido (e nunca antes entendida por mim), disse ele:

“Hoje nos resta a certeza da frustração ou oba-oba pós-moderno.”

Fico com o oba- oba da Gaga! Que explora, usa e abusa daquilo que também denuncia.
Por Mirabelle

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Lady Gaga (parte 1)

Então, continuando com o tema: Divas Pop.

Estava eu divagando anteriormente acerca do meu mais novo e surpreendente (para mim mesma) gosto pela Lady Gaga.

Como nos esclareceu os universitários (comentário do post anterior: “Das Divas”), a Lady Gaga faz uma coisa que chama: simulacro.
Google, Wikpédia por favor... aaaaah, an?

Olha só, a-do-ro coisas que a Wikipédia e a lista de resultados da busca do Google não conseguem nos explicar, SIMULACRO é uma delas.

Bem por cima, parece ter sido um termo cunhado pelo sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (Reims,1929 — Paris 2007) sobre o qual não tenho nenhuma intenção de falar aqui, porque provavelmente a compreensão do que é simulacro envolveria uma dissertação de doutorado que cobrisse razoavelmente a literatura existente acerca da pós-modernidade e suas expressões culturais e identitárias...então, vamos parando por aqui.

Uma breve tentativa:
“Os simulacros são experiências, formas, códigos, digitalidades e objetos sem referência que se apresentam mais reais do que a própria realidade, ou seja, são “hiper-reais”. Como ele escreveu: “A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. Assim, Baudrillard entendia nossa condição como a de uma ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, de forma crescente, constituindo o mundo contemporâneo, de tal forma que qualquer distinção entre “real” e “irreal” torna-se impossível.” 1

Mas enfim, o nosso querido Baudrillard fala sobre uma coisa que eu vi (sozinha) nos clipes da Lady Gaga. Não é interessante quando a gente acha que descobre uma coisa e depois vai ver que há 30 anos alguém já escreveu muito sobre isso? De duas uma, ou você fica desapontada com a descoberta que sua descoberta é só uma questão de falta de leitura, ou fica contente com aquela sensação nerd de aluno aplicado de: “Viu! Eu também pensei nisso!!!”

Se você não acha nada de mais a música da Lady Gaga- uma mistura de dance anos 90 com a Madonna, resultando em um som que parece uma mistura de tudo o que toca no rádio- os clipes te deixarão, pelo menos, curioso.
Vai lá ver:
1- “JEAN BAUDRILLARD: importância e contribuições pós-modernas”
Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
Publicado no Caderno MIX - Idéias - Jornal "Diário de Santa Maria - Edição de 31/03 - 01/04/2007

To be continued...
Por Mirabelle

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Das Divas



Descobri que acho a Beyoncé incrível, especialmente no clipe “All the single ladies”, aquela dancinha do começo, com uma mão na cintura e a outra balançando onde deveria haver um anel, poderia se tornar um gesto folclórico, tipo essas coisas que passam a fazer parte da cultura popular e ninguém sabe de onde veio.
A dancinha poderia ser inserida em qualquer contexto no qual o tópico fosse: “você dançou, teve sua chance, fez merda, me frustrei e agora estou em outra!” A moça do contexto faz a dancinha, uma vez pra cada lado, ou mais, vira-se e vai embora.

Ah Beyoncé, obrigada pela dancinha, nos pouparia muitas palavras, diria por si mesma: “If you like it than you should have put a ring on it!”

A Shakira se garantiu aprendendo a dança do ventre e fazendo essa mistura entre algo de fantasia erótica latinha misturada a roupas e violões ciganos com algo de 1001a noites, não sendo mulata ou negra ela rebolando não fica tão atrás do gingado natural e inimitável da Beyoncé.
A Rihanna faz mais uma espécie de bad girl que cá para mim, dá um pouco de medo, imagem que não cai bem com as notícias reais em que ela aparece com o olho roxo por apanhar do namorado.

Essas divas Pops chegam para mim como ilustrações de modelos de mulher. Não que eu acredite que elas sejam realmente como nos clipes, com o cabelo esvoaçante, a pele dourada perfeita, maquiadas, a cintura de 60 cm (e aquele bum bum da Beyoncé, alguém já decidiu se é de verdade ou não?). Ninguém é assim, mas de certa forma essas divas se colocam como modelos do que é ser mulher hoje: independente, rica, talentosa, linda de frente, de baixo, de ponta-cabeça.

É começando por aí que acho a Lady Gaga incrível. Não que ser uma diva não seja razão suficiente para uma existência, mas diferente das outras, ela não se empenha em parecer linda-maravilhosa em cada aparição.

Ela explora radicalmente essa idéia de uma imagem criada, completamente falsa, não no sentido de mentira, mas de algo fake, montado. A começar pelo nome, que nos remete a uma personagem.

Na música paparazzi ela diz que: we´re plastic but we still have fun.
To be continued (Lady Gaga)...
Por Mirabelle