domingo, 27 de dezembro de 2009

Entre o natal e o ano-novo


Sempre tive a nítida sensação de que entre os dias 26 de dezembro e 31 de dezembro todas as pessoas estavam na praia.

Isso foi antes dos muitos anos de análise (e dos 2 últimos anos da minha vida) me levarem a considerar outras possibilidades diferentes das minhas próprias.
Parece fácil, mas se pesquisarem bem ao seu redor observarão que o julgamento absolutamente auto-referente da realidade é o padrão. Explico-me: a grande parte das pessoas (e esse dado estatisticamente válido está embasado nas mais recentes pesquisas presentes nas revistas científicas de indexagem internacional) não é capaz de enxergar, perceber ou julgar o mundo, a realidade, os outros a não ser pelas suas estreitas lentes, que contém as próprias experiências de vida, as coisas que aprendeu e em conseqüência as limitações e preconceitos pessoais.
Não é por pura maldade, é apenas difícil, para a grande maioria das pessoas (vejam a validade estatística dessa generalização) olhar o diferente e considerá-lo apenas diferente sem colocar a questão nas gavetas mentais de certo/errado, feio/bonito, melhor/pior.

Um exemplo: ontem, eu comendo uma especiaria delivery da cozinha japonesa (ou a variação deliciosa que fizeram disso aqui no Brasil) e uma querida pessoa ao meu lado confabulando sobre o alimento em questão: Eu não acredito que você come isso aí, é branco, é cebola? Eca, você vai dar o que sobrou para o porteiro? Dá uma coca junto pra disfarçar, apesar de que esse cheiro já está em todo o quarteirão.

Essa era a exata sensação que eu tinha sobre passar esses dias intermediários no próprio lar. E eu achava que a cidade ficava vazia, até ir ao shopping nessa tarde de chuva. OK, nem todo mundo vai a praia e faz alguma coisa desses dias esquisitos entre uma festa e outra. Muitas pessoas vão trocar os presentes que não gostaram.

Então, como nem o porteiro está lá na portaria (mesmo com os anos de análise e com a observação da quantidade exorbitante de pessoas no shopping continuo achando que não tem ninguém na cidade e que eu deveria estar em outro lugar) e não pára de chover, compartilho o meu mais novo vício, capaz de preencher com risadas solitárias esses strange days (citando Jim Morrison para esse post ficar mais cool).

Uma cilada da vida de solteira é a pessoa viciar em alguém, e por alguém I mean uma idéia ilusória de qualquer ser do outro sexo que se mova no espaço (ou do mesmo sexo, sem preconceitos nesse blog).
E quero salientar que ter um espaço para algo além de si mesma é um ponto importante na escala de saúde mental, mas as mulheres em especial são fãs convictas desse tipo de vício, imagino que cada um de vocês já tenha participado da alucinação causada pela abstinência da substância viciante em questão em conversas cheias de angústia como: Ele não ligou, eu mandei a mensagem há 7 horas, porque em 7 horas ele não responde????? Eu deixei um recado com o porteiro, eu vi o porteiro interfonar, porque ele age como se não tivesse recebido nada ou ainda: porque ele só me liga quando volta da balada sozinho as 3:30h?


Na tentativa de não cair nesse “mundo das drogas” (adoro quando ouço pessoas dizerem “mundo das drogas”, ficaria perto do “mundo de Marlboro”?), do vício e da abstinência comecei a assistir séries em dayli bases (daqui a pouco vocês vão entender a razão das mais que excessivas expressões in english). Sem pretensão, só porque não tenho cable TV e tinha uns DVDs por aí.
Eis que a verdade é... passei do vício em Sex and the City para o vício em The Big Bang Theory. Não me critiquem, sei que outras pessoas passaram por problemas semelhantes com “24 horas”, “Lost” e “Grey´s Anatomy”.

Quem já passou por isso entende agora as muitas expressões em inglês né? Assim como com o vício em uma substância masculina em que a usuária passa a achar lindo tudo o que o cara em questão gosta, e assim como em Sex and The City em que você passa a narrar o seu próprio dia com a voz da Carrie começando com: “In New York city...” mas esse efeito colateral só aparece em altas dosagens de exposição à episódios ininterruptos (se você tem as temporadas completas em DVD sabe do que estou falando).

Com Big Bang Theory você passa a incluir expressões em inglês que acha interessantes nos seus diálogos (ou nos seus pensamentos, o que já aponta para um grau mais grave de adicção) e também a considerar o que o Sheldon diria em determinada situação. Eu ainda não comecei a incluir o Sheldon como uma referência nas conversas como: O Sheldon diria... porque aí as pessoas começariam a estranhar.
Outras diferença é que na fase Sex and the City você tem vontade de tomar Cosmoplitan (apesar desse drink não constar nos cardápios de quase nenhum lugar, meninas: peçam ao barman, eles fazem mesmo assim!) e na Big Bang Theory você passa a pedir comida tailandesa em casa, ou ter inexplicáveis desejos por hamburguers.

Se você tem um nerd dentro de você, se você estudou em uma universidade na qual a metodologia científica era mais importante do que o que você tinha pra dizer, se você era proibido de dizer qualquer coisa sem referenciar-se em autores consagrados, ou se você é uma pessoa divertida, assista para a gente poder conversar “in Sheldon bases”.

E acreditem, parece mentira, mas eu conheço pessoas que não conseguem falar com mulheres/pessoas sem citar referências bibliográficas (ou que não conseguem falar com mulheres at all).

Depois me digam se vocês também não torcem pela Penny e pelo Leonard, e quanto à minha culpa... what the hell, as pessoas falam de personagens da novela como se fosse a prima de todo mundo, você chega num lugar e a pessoa vai logo te insultando: Esse esmalte/ corte de cabelo/ vestido é igual ao da fulaninha da novela!!!

Pelo menos no Big Bang Theory a gente ainda aprende um pouco de física... só pra não perder a nerd que tenho dentro de mim.
Feliz ano novo para todos (e se for passar o reveillon em casa, dica: têm as duas primeiras temporadas em dvd)!!!

Por Mirabelle

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O caracol continua o estrelato: Exaltação do outono, parte 2

[continuação do post de 6 de dezembro, que conta a odisseia do Júnior (e de seus pais) para caçar um caracol e levá-lo para a escola...]


Amanhece o dia e o Júnior oferece um despertar difícil, não consegue acordar de jeito nenhum, chora, reclama, esperneia, pede pra dormir mais. É preciso desenvolver a arte da argumentação nesses momentos e, com algo de criatividade, proponho: vamos ver como o caracol acordou para você levá-lo para a escola?

Funciona. Júnior levanta e reage, vou à cozinha buscar a lesminha amanhecida, solenemente ignorada até aquele momento por meu eu matinal ainda entorpecido. Pero... pero... ela está de cabeça pra baixo, grudada no Magipack... e na parte final da concha havia um buraco... MEU DEUS!!! Será que o caracol morreu? Não posso acreditar no tamanho da decepção e do trauma que isso acarretaria no Júnior em plena segunda-feira de manhã. Olho melhor pro pote e vejo que há uns cocozinhos no fundo. Reflito. Pode ser que o molusco terrestre ainda esteja vivo. Prendo a respiração e, depois de alguns momentos de tensão, vejo que a lesminha sai da concha, mostra as anteninhas e solto um suspiro de alívio enquanto entôo, mentalmente: “Cargol treu banya!”.

E assim vou eu e a Zilminha levar o Júnior pra escola. Ele sai de casa orgulhoso, com seu copinho na mão, pronto para realizar descobrimentos científicos interessantíssimos junto de seus coleguinhas, todos com entre 2 e 3 anos de idade. Caminhamos pelo bairro com cuidado, pois o próprio Júnior está levando o recipiente (eu tenho as mãos ocupadas empurrando o carrinho da Zilminha). Outros pequenos cientistas vão chegando com seus potes com caracóis. Ali, no meio daquele furor matinal, na esquina da escola, a poucos passos do objetivo final, o Júnior, num desses momentos de imprevisibilidade da vida, tropeça. E o copinho voa, se espatifa em mil e um pedaços e meu futuro Darwin abre o berreiro: “Buááááá... o caracol... meu caracol...”

A mãe respira fundo, coloca o freio no carrinho da bebê, agacha-se com elegância no meio da calçada (para não dizer que ficou de quatro), recupera o pedaço de Magipack e, com suas próprias mãos e superando o nojo, resgata o caracol-anão do meio dos cacos de vidro e cascalho. Pronto. Problema contornado, a Ciência está a salvo.

Finalmente, o Júnior cruza o portão da escola exitoso, exultante, com seu pequeno molusco ainda com vida embrulhado no pedaço enrugado de Magipack e chega ao objetivo final. Missão cumprida.


DESFECHO
Pela tarde, depois de buscar o Júnior, pergunto a ele como foi o dia e o estudo dos caracóis.
- A Sara pisou no meu caracol!

E é assim como nosso caracol, que quase escapou pela parede da cozinha, que acreditei ter morrido por algum componente corrosivo do Magipack em sua noite de cárcere, e que sobreviveu à queda e destruição daquilo em que era transportado em uma rua transitada esquivando-se da possibilidade de ser pisoteado, chega a seu fim, cumprindo o destino de sacrificar sua vida em nome da ciência.

by Womber Woman

O Zé Carioca, o Bofe Escândalo, o Rabino e o Carona.



Era um vez a Margarida, que depois de grandes titubeações resolveu aparecer. Ela morava numa casa na floresta, veio para a cidade, aproveitou a moda (que voltou) de saia e shorts curtos, cortou também o cabelo (foi a tesoura do desejo, desejo mesmo de mudar- Alceu Valença), trocou o carro pela bicicleta e levantou os olhos para ver quem passava.

E encontrou primeiro com o Zé Carioca. O Zé ia ao Maracanã ver os jogos do Flamengo e até cantou pra ela “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, tocava pandeiro num grupo de samba, dirigia um fusca azul calcinha. Sotaque carregado, folgado, “tirava onda” (para usar do carioquês) dos “erres” da Margarida, levou-a num samba na lage de algum lugar com vista pra baía de Guanabara e pra tomar um banho de cachoeira na floresta da Tijuca.
Tudo que o Rio tem de melhor, mas o Zé não parava de repetir, a cada lugar lindo, a cada vista, a cada música: “Olha o que eu te proporciono”. Mesmo sendo a Margarida grande amante da cultura brasileira e sentindo-se até honrada de topar com tal folclórica figura, ela cansou de agradecer por tudo o que lhe estava sendo proporcionado, e então, na porta da nova casa na cidade, conheceu o Bofe Escândalo.

O Bofe Escândalo bronzeava-se ao sol do meio dia, Ipod e celular a postos, 6:30h da manhã era o encontro quase diário com seu personal, que fazia um bom trabalho visto o braço do Bofe ser maior que a perna da Margarida. Certa noite, ao redor de despretensiosa mesa o Bofe diz que não come a noite, lhe explica que sua dieta orientada para a hipertrofia muscular não permite nem refrigerantes que não sejam “zero”, nem nada que seja diferente de batatas e albumina. Margarida sente-se constrangida por ser ela mesma assim tão desatenta às questões nutricionais, ao mesmo tempo em que faz questão de não pedir mais nada light, já que alguém tinha que ser homem suficiente para pedir: Coca normal por favor!
Diferente do Zé o Bofe Escândalo aprendera lições de gentileza com a Rainha Elizabeth e comportava-se com esmero, mas não podia passar perto de um espelho que perdia-se da conversa ao arrumar o cabelo. De nada adiantava Margarida tentar salvar o Bofe do afogamento, já acontecido com Narciso, no espelho. Sua imagem bronzeada, forte, de cabelos levemente grisalhos já o tinham levado para longe dela.

E então Margarida continuou andando, mais ressabiada que no início, já não tão mais aparecida assim deu de encontro com o Rabino. Ele tinha uma foto de bela sinagoga israelense no celular e falava com aquele sotaque próprio de quem fala hebraico (Margarida imagina que seja uma espécie de moda local de Higienópolis). Morara em Nova York e em Israel e animou-se exageradamente ao saber das raízes judaicas de Margarida. Da noite em que se conheceram até ela acordar na manhã seguinte o Rabino telefonara 17 vezes e deixara 5 mensagens. Margarida fugiu assustada, apesar das várias curiosas perguntas que ela ainda tinha para lhe fazer a respeito da vida em Nova York e se ele conhecera Bernie Madoff (aquele que foi preso, criador da Nasdak).

Margarida fechou um pouco o vidro do carro, mais ressabiada com as ilustres esquisitas figuras com quem ela foi topando no caminho. E do mundo virtual e do túnel do tempo surgiu o Carona.
Há 9 anos atrás Margarida tinha dado carona para o Carona numa ilha do outro lado do planeta, pelas ferramentas mágicas da internet o Carona encontrara-a e declarava seu amor por Margarida, não correspondido na última década. No momento da troca de correios eletrônicos o Carona, solitário, afogava suas mágoas no mar da Indonésia, Margarida não teve dó dele.

A Margarida agora está menos aparecida, mais pensativa, continua na cidade, ela considera a fauna masculina algo de exótico, mas ás vezes se assusta e foge de volta pra floresta para descansar das outras espécies entre as suas amigas e família de margaridas.

por Mirabelle.
Mais fotos sensacionais no www.thesartorialist.com

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O ponto em que estou



Estive em São Paulo. Revisitei horas de trânsito a fio fundida ao assento suado do ônibus. Tracei destinos mais além do ponto inicial e final de uma linha, procurando meus próprios inícios e fins, minhas próprias fronteiras. Eu já fui daqui, mas e hoje, de onde sou? Agora tenho mais medo da chuva.

Tudo é mais ou menos igual, mas sutilmente diferente. Como a linha verde de metrô que você sabe até onde te leva, mas cresceu um pouco, encurta tempos e distâncias. Ou o taxista afável que me conta de seus filhos, da esposa – pai orgulhoso – e, ao me perguntar os itinerários, não percebe minha hesitação. A Rebouças ainda é a Rebouças, mas agora tem corredores de ônibus nos quais me confundo sem saber se devo descer pela direita ou esquerda do veículo, tudo depende do ponto em que você está. Copio os demais passageiros, acho que ainda sei quando devo me levantar para saltar na boca do metrô Consolação.

Fui à USP. Utilizei um professor querido como pretexto, mas me dei conta de que a visita, na verdade, era a mim mesma. O professor me contou anedotas: quando era pequeno, foi pescador de urubus. Um dia eu direi que vinha aqui todos os dias. Que meu radar ainda funciona para identificar a centenas de metros os espécimes locais: os que vão ao campus para correr; os funcionários; os militantes do SINTUSP; os estudantes descolados; a beleza interessante das alunas de Letras; os engenheiros; os mestrandos; os próprios professores. Que tenho esse vínculo afetivo com esse pedaço horizontal da cidade repleto de bibliotecas, digressões e árvores porque aqui me tornei quem sou.

Aqui reencontro aquela parte de mim de que gosto e percebo que ela, também, continua mais ou menos igual, mas sutilmente diferente. Em algum lugar há uma livraria mais bonita, com mais luz e mais histórias, ou um elevador novo, melhor preparado para subir até onde você tem que chegar. Como os do professor que pescava urubus. Ele me sorri, me despede, há dois continentes e algumas feiras onde podemos nos encontrar casualmente uma próxima vez. Dessa vez foi de propósito: ele é uma das colunas que vim visitar.

Darling Darling

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Volta pra casa



Estou naquela que chamei de minha casa por mais de década e meia. As pessoas que moraram comigo continuam aqui e, como que instintivamente, quando penso em voltar pra casa, penso em chegar aqui. Algo em meu peito relaxa aliviado ao ser acolhido pelo barulho da chuva, os sons de terra molhada, o cheiro de jardim ao abrir amplas janelas. Uma minúscula aranha me observa no banheiro.

Mas esta já não é a minha casa. Meus dedos encontraram a pele daquele que é perfeita ao meu tato, o denso cabelo onde gostam de se perder, paragens ao redor da nuca que me invadem de aromas. Esse pedaço de matéria humana no espaço-tempo com quem troquei palavras em outra língua, receitas secretas, as obscenidades mais íntimas e ao redor de quem aprendi a orbitar descobrindo que é possível ser anã-marrom, estar no céu e no chão como estrela e planeta.

Minha casa é ao lado dele, onde ele estiver, e ele não está aqui. Faço do título deste texto um chamado – a ele, a mim mesma, a uma fuga: vem.

[Foto de Ana Lira. Título: Boa Vista. Muitas outras ainda mais lindas aqui: http://www.flickr.com/photos/ana_lira]

Darling Darling

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Minha única alternativa é ser alternativo


Relatório 2.0
Pesquisador:
XL500

Evento n. 2: “Festa alternativex”

Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais diversos em um grupo específico: adultos (27 a 50 anos) que compartilham interesses e profissões culturais: bailarina/os, atores, clows, malabaristas, professores de teatro, dança, músicos.

Diário de observação em campo: continuo minhas pesquisas pela Terra e já me adianto ao evento científico de sábado a noite lançando mão de minhas mais recentes revisões de literatura sobre o vestuário feminino adequado: pretinho básico. Obtive informações de que esse traje pode ser adequado para as mais diversas situações. Vestidinho preto então para a festa de sábado.

Encontro o casal (heterossexual sendo este composto por uma espécie feminino a e um masculino) que me introduzirá no evento. No local: rua um tanto mal iluminada, muitos imóveis ao redor com placas de “aluga-se”, inclusive a casa onde é a festa. O casal informa: "eles estão mudando, a festa é de despedida, a casa está vazia".

O local, grande, sala sem móveis, música alta, poucos convidados. Na cozinha dispomos as bebidas trazidas pela pia e geladeira (a casa não está completamente vazia, se bem que a conta de água não deve ter sido paga, visto a descarga não funcionar).

De repente encontro um conhecido do planeta de onde venho. Estranhamento, o sujeito (em forma de espécie feminina) pergunta: “Quem você conhece aqui?”. Entendo o código, algo se assemelha aos filmes que estudei sobre a guerra fria, a sujeita me identificou como espiã e quis saber quem havia me introduzido no local. Respondida a pergunta, a sujeita apresenta-me sua namorada. Ok, talvez o evento n.2 não seja tão diferente do n.1 (relatada no post: “Quanto mais homem menos homem?” de 23 de novembro). Prosseguimos. Bebidas self-service em copos plásticos. “Com licença, posso pegar aquele copo ali?” Nenhum sorriso.

Hipótese 1: o pretinho básico não é básico por aqui. Parece que mais ninguém tem o básico no guarda-roupa. Salto alto então, nem pensar.

Percebo que errei no modelito e talvez essa seja a razão da cara de poucos-amigos que recebo.

OK, ninguém sorri, ninguém pergunta de onde venho ou se estou gostando da festa. Para não fazer pose de estátua e nem cansar as bochechas no sorriso de aproximação fracassado, danço.

Na pista de dança;
empenhei-me em minhas pesquisas tomando aulas de dança e revisando filmes para me integrar bem em um ambiente dançante (que faz parte da pesquisa), porém, percebo que talvez, assim como os trajes, meus movimentos não sejam os mais apropriados ao local.

Moças de cabelos cacheados curtos se balançam enroladas em tecidos coloridos, segundo minhas pesquisas, espécies de “cangas” ou “bandanas” maiores. Os movimentos dos dançantes assemelham-se às danças performadas em rituais de umbanda ou candomblé. Referências logo compreendidas quando sou informada, pelo casal-fonte, que muitos dos presentes pesquisam danças brasileiras na Unicamp.


Hipótese 2: os bailarinos “profissionais” (estudiosos das artes do corpo segundo as mais sofisticadas versões sócio-antropológicas da cultura brasileira) dançam feio.

Gênero: muitas mulheres, poucos homens (geneticamente falando), menos ainda em termos de escolha sexual. A espécie feminina do casal-fonte me informa um tanto alterada, que um homem (geneticamente falando) ali presente com a namorada teve um caso com seu vizinho, e que coitada não devia saber de nada.

Aqui a distinção entre os conhecidos tipos de escolha sexual: hetero, homo, bi, é dificultada pelos trajes semelhantes e por uma espécie de código de decoro (estudar antropologia serve para alguma coisa, mas não para aprender a dançar!) que é mais ou menos assim:

- as mulheres dançam poderosas
- poucos homens que sabem dançar integram-se com elas
- o restante dos homens recosta-se pelas paredes

Hipótese 3: os homens recostados pelas paredes seriam os heterossexuais protegendo a retaguarda ou homossexuais tímidos?

Avisto um espécie masculina, aparentemente gay, que dança animadamente com algumas mulheres. Eu que gostaria de aprender a dançar melhor em dupla digo com cara simpática: “Dança comigo?” Tentando mostrar da melhor maneira a empatia entre iguais, como se eu dissesse: “Amiga, somos iguais, vamos só nos divertir dançando.”
Resposta: Não.
O espécie masculina (em termos genéticos) sai rapidamente da pista. Reviso minhas teorias de aproximação social para ver onde há um erro tão grave a ponto de eu ter assustado o terráqueo. Seria apenas o fato de eu ser mulher? O pretinho básico? O cabelo liso (super out por aqui)?

Fim da noite;

único contato conquistado mediante aproximação contundente (“Oi, tudo bem? Como você chama? Quer ser meu amigo?”). Assunto: a produção cultural local é autêntica e fértil, no entanto não tem público para apreciá-la. Mas por outro lado é bom, porque vender arte sempre reduz a liberdade de criação então é melhor assim mesmo. Profissão do informante: biólogo, malabarista e trapezista.

Hipótese 4: a população em questão aprecia a posição social de des-privilégio financeiro mesmo.

Esperando na porta do banheiro;

antes de partir (experimentando um estado, até então apenas estudado teoricamente, de enxaqueca): chega um cara depois de mim, esperamos. Ele se senta no degrau em frente ao banheiro, nenhum contato visual. Abre-se a porta do banheiro, ele se levanta e entra. Eu tinha estudado que quem chega primeiro entra antes, e que essa regra poderia ser quebrada caso um espécie masculina quisesse, por gentileza, oferecer seu lugar à espécie feminina, não é assim no Titanic: mulheres e crianças na frente?

Conclusão parcial: pelo menos na balada gay te deixam passar na frente no banheiro! Mas nessa festa, a seleção musical: da trilha sonora de Pulp Fiction, passando por Tim Maia, Amy Winehouse e samba quase vale perder a vez no banheiro.

Por XL500

domingo, 6 de dezembro de 2009

Exaltação do outono: estrelando... O CARACOL (parte 1)



Enquanto alguns travam debates acirrados para definir se a cor de esmalte do verão é rosa chiclete ou a do sapato da Barbie, ou qual o modelito mais in do biquíni Bond Girl para exibir a silhueta na praia, em outras latitudes, como na minha, tem início todo um processo de exaltação do outono. As folhas ficam laranjas, os “boletaires” vão aos bosques coletar cogumelos (que são iguarias gastronômicas locais essenciais em qualquer quitanda e não uma espécie alucinógena exótica) e, no meio de todo esse panorama, uma estrela brilha em destaque na Catalunha: O CARACOL.

Sim, sim, pensem no bichinho deliciosamente ensopado como na vizinha França, essa coisa de le escargot que muita gente pensa ser chique não é apenas um mito (comer caracol é, na verdade, uma coisa de camponês). Mas é preciso explicar como – como? – a devoção por esse personagem tem início, algo que é transmitido às criancinhas ainda em idade muy tenra. Eu, como mãe estrangeira e observadora, me empenho em aprender as tradições locais, mas a coisa custa um pouco.

Depois de ouvir o Júnior cantar infinitas vezes, em catalão, o refrão de domínio público “Cargol treu banya, puja la muntanya...” (Caracol, mostra as anteninhas, sobe a montanha etc. e tal), eis que numa bela sexta-feira chega uma nota da escola: “Queridos pais, vamos começar a estudar os caracóis e montar um viveiro. Se vocês puderem ir ao parque com seus filhos neste fim de semana e trazer algum caracol vivo, agradecemos”.

VIVO? Hmmm. Ainda bem que o Júnior tem pai, um homem valente e viril que não tem nojo de bichinhos invertebrados e asquerosos. Domingão de sol, lá vão o Júnior, o pai e a Zilminha ao parque, cansar os moleques para a gente ter um pouco de paz à tarde e também caçar os tais caracóis. Depois de muito investigar o terreno (literalmente), voltam os três com uma das forminhas de areia repleta de caracóis (que são enormes para os padrões tupiniquins). Mas só um deles, o menorzinho, tinha lesma. O Júnior estava exaltante, já o Asdrúbal abriu uma cerveja. Me limitei a estacionar o copinho ao lado da janela da cozinha, sem encostar nas conchas (eca), e vou tocar a vida.

À noite, as crianças já dormindo, chega aquele momento de magia e exaustão de preparar a mochila para a escola no dia seguinte. Tenho que preparar também o caracol, encontrar um potinho onde o bicho possa dormir vivo e ser levado para que os pequenos cientistas montem seu experimento. Reviro os tupperwares da vida e concluo que o melhor seria um copinho de vidro de iogurte, pois temos vários e um a menos não vai fazer falat. Lá vou eu procurar o caracol na forminha de areia que deixei do lado da janela e... cadê o desgraçado? Já estava escalando a parede, em plena fuga. Quase perco o futuro científico do Júnior. Pior: tive que encostar na concha e observar como a lesma se despregava da parede com um "ploc" para encestá-la no copinho – aaaaargh, que nooooooooojo!!!

Cubro o copinho com Magipack, furo o plástico com um palito de dentes, preocupada com a respirabilidade da microcâmara até o dia seguinte e voilà, buenas noches, cargolet, até amanhã.

continua...

by Womber Woman

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Julie & Julia


Chove. Me sirvo de outra taça de vinho, hoje fui comprar e sempre que posso, tento encostar no sommelier para ver se aprendo algo novo, hoje aprendi: untuoso. O quê? Não sei o que é isso. É amanteigado. Untuoso de untar? Que nem unta fôrma de bolo, com manteiga? É. Ah!

A chuva acalma um dia quente com uma lista de 16 coisas para fazer. Um vizinho toca a campainha para devolver o prato no qual estavam os pedaços de bolo que ofereci ontem.

Um amigo da faculdade disse que um clichê é lindo quando é verdade. Por exemplo: Você é a manteiga do meu pão. Quem já viu identificou a frase: Julie & Julia.

É clichê escrever em um blog sobre um filme que fala de uma Julia que escreve em um blog. Mas é de verdade, então... Como foi lindo ver o filme usando colar de pérolas, sem saber antes do colar de pérolas das personagens. Dá uma sensaçãozinha de perda de direitos autorais quando a gente vê exatamente aquilo que queria dizer, ao mesmo tempo em que o coração se sente posto no colo.

Há dias venho pensando em uma coisa: na pressa. Em como a falta de tempo está na moda. Quanto pega bem falar que a agenda está cheia e quanto dá até vergonha falar no celular: "Não estou ocupada, posso falar". Ou: "Obrigada pelo convite, vou sim!"

Uma segunda-feira qualquer. 18:40h. Chego para pegar o carro que tinha deixado para lavar. Moça sentada em um banco do estacionamento/lava-rápido olhando para o chão. Me vê e: "Nossa que correria né? Tá uma correria, o ano já tá acabando!" Que boneco atual esse, pensei. Fica em stand by, quando alguém bate palma ele fala a frase gravada: correria...

Penso se a moça do lava-rápido seria muito diferente de todas as pessoas que ouço repetirem essa exata frase. Seriam minhas amigas tão mais ocupadas que a moça blade-runner?

No filme a Julia almoça com três amigas e cada uma fala no celular, uma delas “cordialmente” tenta agendar algo com Julia, saca seu sei-lá-o-quê eletrônico onde moram seus infinitos compromissos e diz que sua agenda está lotada. Talvez um café da manhã?

Jantar, nem pensar (prime-time, que nem na Warner) almoço também não, você não é tão relevante assim, já sei: café da manhã. Aquela refeição rápida que você tem que fazer mesmo, porque não aproveitar e encaixar 10 minutos de uma desimportante pessoa?
E eu até fiz um bolo para um desses breakfast dates (a palavra em inglês já diz: rápido).
Sou tão démodé.

Não é toa que o filme fala, se passa e traz a comida francesa à mesa. Os tempos indefinidos passados nos cafés, as refeições de 7 pratos, as receitas de um dia inteiro.

A minha Julie é a Heloisa Bacellar, estudou também na Cordon Bleu e escreveu dois livros (2 que eu conheço) lindos lindos com receitas que dão sempre certo, fotos de crianças, panelas e toalhas vermelhas.

A Heloisa me ensinou que não precisa ter louça combinando para convidar pessoas para jantar, que se pode fazer arranjo de flor do jardim e que é importante pensar se os convidados têm coisas em comum a conversar. Há pouco tempo me perguntaram: "Quanto tempo demorou para fazer tudo isso?/ O dia inteiro", respondi.

Nilton Bonder, um rabino que está escrevendo coisas interessantes, disse que pode ser que a mulher moderna volte para a cozinha. Cozinha não como escravidão e submissão, mas como outra relação com o tempo, com o servir e com o outro.

Sei que as orelhas se arrepiam ao falar em mulher na cozinha, mas não falo aqui na mulher viniciana (de Moraes, com suas 9 esposas), feita apenas para amar, para chorar/sofrer (não sei, os dois talvez) pelo seu amor e para ser só perdão- samba da bênção.

Mas das mulheres, e homens, que podem usar seu tempo para preparar algo para o outro. O que dá uma satisfação individual incrível, não tem nada a ver com santidade ou anulação, mas com aquela recusa, da qual nos fala tão docemente Lenine:

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Cozinhar demora. Cozinhar é valsa. Se um pão tem que esperar uma hora para crescer para depois ser sovado novamente e esperar mais 2 horas... nada acelera isso.

Quando penso na cozinha francesa e nas típicas dietas de revistas brasileiras me pergunto: como as francesas são magras e as brasileiras não? Os nutricionistas estariam errados nas contagens calóricas? Porque o que o filme mostra é verdade, você nunca vai comprar e usar tanta manteiga na sua vida quanto quando você cozinha receitas francesas.

Talvez o que a revista NOVA e a Woman´s Health não considerem é que a comida é mais que caloria, é alimento. E nada alimenta menos que barrinha de cereal e sanduíche light (daqueles embrulhados em plástico).

Sentir-se bem alimentada emagrece, porque não precisa comer mais.
Acho que por hoje, com o filme e o vinho, posso dizer (como se diz polidamente à mesa): estou satisfeita.
Por Mirabelle
Heloisa Bacellar: Cozinhando para amigos é o vol.1, o vol.2 se chama: Entre panelas e tigelas, é ainda mais bonito, mas prefiro a distribuição do primeiro, que é: dias quentes, na frente da TV, reveillon na praia etc, no vol.2 as receitas são separadas por situações como: festa junina, ovos, arroz e feijão.
O melhor mesmo é ter os 2. Já dei de presente em alguns casamentos, tenho considerado o presente mais delicioso de dar e receber. Editora DBA, fotos de Romulo Fialdini.
Nilton Bonder: o livro dele, A alma imoral, ed. Rocco, está entre os meus preferidos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Estou.


O vento me contorna,
reflito a luz numa parte lisa
guardo uma sombra n´outra curva
e faço calor.


Quero adormecer dentro
e acordar sem vazar.
Até que lugar é eu,
onde te começa?


Preciso caber só (e toda) nesse espaço
entre detrás do osso e o arrepio
um pouco além da pele
lá fora, já sua,
onde ainda eu assobio.


Por Pommelle

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Vontade-de-Jornal-Nacional


Não tenho tv a cabo (medida atual de nova fase da vida) e nem liguei a tv nova na antena do prédio, resultado: só dvd. Sou daquelas chatas que gostam de filme iraniano (juro que gosto, vi um em Barcelona que mais parecia uma poesia, “5 de la tarde”), peguei uma encomenda na Cultura hoje de um filme da B.B. (Brigitte Bardot). Sou daquelas chatas que não sossegam até ter visto essas coisas clássicas das quais a gente sempre ouve falar, mas nunca viu, por exemplo: Breakfast at Tiffany´s (traduzido por Bonequinha de Luxo), que tem aquela foto da Audrey Hepburn com uma piteira. Dos clássicos aos atuais, vejo e revejo as temporadas (aleatoriamente) do Sex and the City, mas hoje, surpreendentemente numa quinta-feira, veio aquela vontade conhecida de Jornal Nacional.


Vontade-de-jornal-nacional é mais que uma vontade, são várias vontades unidas sob a égide do Bonner e da Fátima. É vontade de noite normal, comum. Sabem aquele sentimento de mediocridade confortadora de ser mais um entre tantos milhões a ouvir o “boa noite” do William Bonner?
Poderia ser uma vontade-de-novela, mas essa é mais perigosa porque continua no outro dia, e normalmente é legal e você vai querer ver de novo, jornal nacional dá uma overdose de mães chorando por um filho que sumiu há 17 anos que você não tem vontade de ver de novo pelos próximos 7 meses.
Faz parte dessa vontade o desejo por qualquer comida da infância: coxinha de frango no forno, macarrão de gravatinha, arroz com ovo e tomate picado, farofa. Sei que a vontade-de-jornal-nacional é um alerta de colo, mas vamos deixar as interpretações acerca da angústia para o chato do analista (coitado, ele nem é chato, a minha voz interna que é).


É vontade de noite devagar, sem música, nem cerveja, nem prosecco, nem mensagem no celular. Junto dessa vontade vem vontade de que tudo esteja pronto e funcionando sem que você tenha que fazer nada, como quando a gente chega pra sentar à mesa quando criança e está tudo lá.


Vontade de não ter nada a ver com fazer as coisas funcionarem, ou acontecerem.


Naquele texto clichezíssimo e fofo do “Wear sunscreen” (vale a pena, vai lá no Google!), ele fala que nostalgia é reciclar as coisas por um valor maior do que de fato valeram. Pode ser. Mas que é demais de reconfortante ouvir o William, da TV do vizinho, e sentir que se o jornal nacional continua lá, falando que o Maluf (agora vai!) pode ser incriminado por ter acobertado o desaparecimento de presos políticos na ditadura (oh, jura?), se tudo continua igual, é porque existe consistência no mundo, uniformidade, mesmice. E nesses dias o igual é delicioso, e mais: necessário.


A vontade-de-jornal-nacional me visita em média duas vezes ao ano. Nos outros 363 dias a uniformidade e o mesmo (não o do elevador, o da mesmice mesmo) me apavoram (ou tem algo mais aterrorizante que o Faustão domingo?). Mas tem dia que me apavora mais a sensação volátil de suflê. Da vida suflê, inchada por fora, e com queijo derretido dentro, nada de persistente, de eterno (jornal nacional é eterno).


Viajar- como disse um querido viajador (que aliás está viajando hoje)- destampa a cabeça. O dia-dia faz a nossa cabeça de marmita mesmo, mas já tive a sensação, viajando, de destampar tanto que quase saí flutuando que nem bexiga de gás. Já sentiram, bem dentro da pele, que tanto faz o seu trabalho, a cidade onde você mora, ou qualquer outra escolha que, no momento marmita-tampada parece indiscutível e eterna?


É nesses dias em que a vertigem de todas as possibilidades se avoluma dentro da gente que a musiquinha do JN nos traz pelo pé àquela realidade que parece de verdade (que muita gente acredita) mas a gente sabe que não é nada disso.

A gente sabe que o Maluf não vai ser preso (ou não vai permanecer preso), que o jogador do Palmeiras vai dizer que a concentração é importante porque o jogo contra o Atlético vai ser difícil e todas essas realidades-de-marmita.


Mas que delícia que é marmita, de vez em quando, com o feijão misturado na farofa e um ovo em cima, e couve então? Com jornal nacional, combinação perfeita! Porque nem só de filme iraniano e confit de pato vive uma pessoa.

Por Mirabelle misturada com Cocobelle

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Quanto mais homem menos homem?



(Relatório 1.0 expedição Terra)


Grande área: antropologia cultural inter-planetária.
Local: Terra.
Era cultural: Pós-modernidade.
Foco de pesquisa: vestuário, moradia, comunicação grupal, relacionamento sexual dos habitantes locais.
Metodologia: 1. Participação como sujeito do evento em observação (Levi-Srauss). 2. Revisão sistemática da literatura terrestre dos campos: sociologia, antropologia, mitologia, psicanálise, religião e filosofia. 3. Questionário informal aplicado aos habitantes locais.


Pesquisador XL500 (não é nome de caminhonete nem de arma): sujeito em forma de habitante do sexo feminino (o que se refere ao corpo biológico como nasceu), solteira (referente ao estado civil, o que implica em sujeito não casado com outro de sexo oposto, ou do mesmo sexo, como o código jurídico de alguns países consideram), na faixa dos 20 aos 30 anos (contados em anos solares).


Evento n. 1: “Balada GLS”- festa, evento que costuma acontecer a noite (referente à transação da Terra em seu próprio eixo). G: gay. L: lésbica. S: simpatizante.
Objetivo específico: aproximação e convivência espacial com gêneros sexuais distintos com intuito de estabelecer parâmetros e concluir tipologias no que se refere a vestuário, comunicação e relacionamento.
Objetivo geral: incluir grande dossiê sobre a sexualidade e gênero interplanetário.

Diário de observação em campo: com o espírito dos antropólogos franceses que habitaram aldeias indígenas, dirijo-me ao local sábado a noite, 24 graus. Cidade de 14 milhões de habitantes, meio do feriado. Informam-me que tudo está vazio porque todo mundo foi a praia (anotado: terrestres vão à praia no feriado). Espécie feminina que me acompanha oferece dado curioso:


“Com esse carrão a gente vai fazer sucesso, homem adora esse tipo de carro, meio tanquinho de guerra, é tipo o brinquedo que eles adoravam quando crianças, só que de gente grande!”


Outro dado relevante: “Essa balada é gay, fui uma vez, é meio pesado, aqueles caras se pegando, não sei não!” - fala da fonte feminina.
Chegando: não há reação quanto ao veículo com o qual nos transportamos.

Hipótese 1: gay não liga pra carro.


Recentemente em minhas pesquisas ouvi, em tom jocoso, que: “Mulher gosta de dinheiro, quem gosta de homem é gay”. So far, a realidade oferece lastro para tal compreensão.
Na fila: GLS? Gays homens muitos (é o que parece pelos estudos que fiz). Lésbicas? Não. Simpatizantes? Não é possível saber. Penso em alguma espécie de placa, tiara com luz piscante ou cor de camiseta que identifique tão importantes decisões individuais, mas logo considero que a sugestão poderia não ser bem aceita. Entro.
A segurança revista-me duas vezes, uma antes de ver a bolsa, outra depois. Seria ela a primeira lésbica que identifico na balada? Questionamento pendente.
Lá dentro. Lugar agradável, com espaço aberto, duas pistas, bares distribuídos. 90% de terrestres organicamente masculinos. Esse, pelo que percebo, é o único dado passível de apreensão imediata (alertaram-me para o fato dessa observação ser possível tão somente não haja a presença de travestis). A categoria de gênero e escolha de parceiro sexual são áreas que começo a desconfiar serem bem mais complexas do que a literatura é capaz de apreender.


Em minhas pesquisas identifiquei algumas características marcadamente femininas: trejeitos, delicadeza, voz mais fina, movimentos suaves. Alguns terrestres masculinos (organicamente) apresentam tais características, o que facilita a identificação por uma opção homossexual: gostam da mesma coisa que uma mulher (em se tratando de escolha de parceiro). No entanto, em campo (balada GLS), uma informação factual conflita com meu arcabouço teórico.


Homens, como definido por diversos autores e pela maneira com que são ilustrados pela cultura em mitos, romances, poemas, novelas etc, são indivíduos com força física superior à espécie feminina. Tendo, portanto, desenvolvido ao longo da história, trabalhos fisicamente mais desgastantes e utilizado, inclusive, tal diferença física como parte do jogo de sedução e acasalamento com seus pares de sexo oposto para fins de perpetuação da espécie humana. Os “homens” (no sentido orgânico) dessa balada são os mais fortes que já vi desde que cheguei à Terra. A noite é um mar de músculos e barrigas definidas, auxiliadas por algum tipo de produto que reflete a luz: dançarinos de bermuda e botas bezuntados de óleo.

Segundo a literatura clássica ali estariam os Hércules pós-modernos. Pelo que estudei os gregos adorariam a pós modernidade!


Questionamento teórico paradoxal: quanto mais homem menos homem?

Sendo o primeiro no sentido físico e o segundo no de escolha sexual.

Diante da cena repetida de músculos e barrigas (não sei se o uniforme era calça jeans, tatuagem e mais nada, ou se era apenas a ditadura da moda) a mostra da espécie feminina (amiga) conclui: "Se eu fosse homem eu seria gay, olha que lindo!"
À medida que o álcool age no entorpecimento do SNC (sistema nervoso central- esse é outro assunto que merece pesquisa aprofundada) o que era esquisito passa a ser visto como lindo.


Tendo chegado um momento, já perto de amanhecer, em que uma espécie feminina um tanto acabrunhada de início passa a mão carinhosamente em duas carecas (faria parte do uniforme também?) de um casal de caras enormes “se pegando” (como se diz por aqui) e exclama: “Que liiiiiindo!”
(to be continued! )


Por XL500

sábado, 21 de novembro de 2009

Esmalte verde = Mesa redonda/ Placar





Esse calor... quarta fiz voz manhosa para uma amiga me acompanhar em uma, duas, três, quatro (etc)... cervejas lá pelas 10 e meia da noite, 27 graus, bar na rua, daqueles podrinhos, com qualquer coisa frita deliciosa, de croquete a bolinho de bacalhau. Não dava pra dormir. Entendi nessa semana o mistério de quarta-feira, há algumas semanas volto de um compromisso tarde e me pego sentindo que as paredes e assentos domésticos têm pulga. Não é uma invasão de insetos coceirentos: é dia de jogo!!!!!

Nunca morei em prédio, e ainda não concebo um lar em tão diminutas proporções. Continuo, como a minha cachorrinha, que fica parada na porta da sala como fazia na do quarto anterior, a pensar que depois daquela porta seguem-se os próximos cômodos da casa. Mas não, depois daquela porta seguem outros diminutos larzinhos de onde, de quarta, um som se repete infinitas vezes após as 21:30h. Aquele sxplet da latinha abrindo. Entendi, QUARTA É DIA DE JOGO!!!


Que alegria que é noite de jogo, 27 graus com a trilha sonora sxplet, independente de quem jogue (nunca tenho a menor idéia), segundo um primo corinthiano roxo, domingo é dia de jogo do Coringão, independente de quem esteja jogando. Quarta é dia de sxplet.

Então, novembro é mês daquela outra trilha sonora recheada de efeitos sonoros dos anos 80 que nos remete a tatuagens de pôr-do-sol com golfinhos. “Vem chegando o verão, muito amor no coração, essa magia colorida”. Não haveria pessoa melhor a falar de verão que a carioquésima Fernanda Abreu.

E não sei se empolgada pelos sxplets da vida, ou pelas revistas de moda, parece-me que esse verão traz coisas de fato novas que gostaria de dividir com vocês: scarpins fetichosos, biquínis e maiôs Bond girls, maquiagem mineral mate (desculpem meninos, aqui começamos a falar em outra língua mesmo, mas continuem nos acompanhando, se você tem interesse no universo feminino- ahá, agora não dá coragem de desistir de ler né? Nada como uma ameaça à masculinidade).

Digam aí chéries, o que pensam do esmalte verde que invadiu os salões de beleza em tons de menta (clarinho) e verde mais escuro? A Chanel lançou o esmalte JADE, de um verde chique e a Colorama e a Risqué fizeram suas versões brasileiras. Quem já não usou ou ouviu falar do Rosa-Chiclete, aquele rosa cor-de-sapato-da-barbie?

Aliás, uma menina daquelas muito cor-de-rosa falou para a sua psicóloga, ao ver as unhas da profissional esmaltadas com a tal novidade: “A minha Barbie tem um sapato dessa cor!” Só as meninas para se entenderem mesmo.

Testemunho de uma amiga ao usar o esmalte verde: “Você se sente meio estranha, sabe quando a gente fica roxa, e depois fica verde? Dá essa impressão de estar verde de depois de roxa”. Comentário: isso pode ser bom! Hehehe.

E os scarpins da Arezzo. Cores: coral, menta, rosa chok, vermelho- daquele vermelho de desenho animado do vestido da Jessica Habbit, lambram? Fetichozíssimos.

Experimentei o escarpim meia-pata (com aquele salto “embutido” que deixa o salto enorme sem ficar desconfortável- antes era usado só por travestis e pela Claudia Raia, mas agora é legal e moderno) peep toe (aberto na frente, dedinhos a mostra) verde menta e achei o máximo.

Comentei com uma espécie feminina ao lado: “Isso é uma coisa que nenhum homem entende!”. Falado isso um espécie masculina olha para o sapato com uma expressão de dúvida e confusão e exclama: “Porque um sapato dessa cor?”

É meninas, se vocês comprarem um scarpin verde menta e uma carteira coral (de verniz pra brilhar ainda mais!) não esperem que seus companheiros entendam, não é uma questão de gostar ou desgostar é de não alcançar o que a coisa significa, esse verbo bom em inglês que não temos em português: realize, eles não “realizam”. Assim como nós não realizamos a idéia da discussão ad eternun a respeito do Flamengo ter que empatar para o São Paulo continuar em primeiro.

Essas coisas são coisas nossas (desde pequenas, como nos mostra a menina que entende exatamente a idéia do rosa-chiclete) e para não deixar os meninos de fora, faço uma aproximação desses mundos que parecem não apenas distantes um do outro, mas que parecem vibrar em ondas de espécies distintas.

Essa conversa de esmalte verde, para mim, tem a mesma função, serve para a mesma coisa que aqueles programas de TV infindáveis sobre futebol. Esmalte verde = mesa redonda.

Viva a quarta sxplet de jogo de futebol que a gente sai com uma amiga pra falar de esmalte verde. Esses assuntos, que são mais como bolsões de falta absoluta de utilidade são como um balneário de descanso (um resort mental) do que é tido como importante, aquele espaço do qual fala Winnicott entre o que é de fora (realidade objetiva) e o que é de dentro (da gente).

Uma dica meninas: prestem atenção na discussão futebolística (se na hora não houver a mão uma espécie feminina pra falar de esmalte), eles falam deles, e falam da bola, e falam de novo de si mesmos, e falam do Wagner Love (a-do-ro esse nome, não é o máximo?). Como a gente, que fala da cor do scarpin, e fala da vida estar colorida, ou não. E fala do rosa-chiclete, e fala da Barbie que existe em nós mesmas.

Uma frase do grande frasista e romancista Oscar Wilde para fechar (e me garantir das críticas a respeito da futilidade do assunto):

“A mim dai-me o supérfluo, que o necessário todo mundo pode tê-lo.” (Oscar Wilde)

D. W. Winnicott- pediatra e psicanalista inglês que criou o conceito de espaço transicional/potencial. Área de experiência emocional que transita entre a percepção objetiva da realidade e a apreensão subjetiva. A brincadeira habita o espaço transicional, assim como a cultura e a religião. Os fetiches (no bom sentido também). Área de criatividade, de potencial para o nascimento do novo.

Por Cocobelle
(Pra quem gostou: leia também o post "Quase trinta" de 08 de setembro aqui mesmo no varaldedentro )

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Minha versão do dia


“agora que a madrugada se esvaiu - quem me devolve as intensidades do azul...?”
Ondjaki

Sem a mais mínima pretensão de conseguir me expressar como Mirabelle, uma das maiores devoradoras de livros que conheço, com invejável quilometragem de linhas lidas, resolvi pegar uma carona no post Minha versão da noite e compartilhar uma recente descoberta literária da nossa pátria língua portuguesa (que bom que Pessoa pensou assim e podemos adotá-lo como nosso compatriota!). Mesmo que culturalmente sejamos “países separados por uma mesma língua”, pois não sei sequer dizer o que poderia haver em comum (ou não) entre o Brasil e o Moçambique de Mia Couto ou a Angola de Ondjaki.

Ondjaki, esse moço que eu descobri, nasceu em Luanda em 1977 (ou seja, deve ter acabado de fazer trintinha, retomando outro dos nossos tópicos. A gente podia perguntar pra ele se ele já fez alguma plástica).

Ah, você nunca ouviu falar dele? Pois deveria. O rapaz é uma voz potente que vem de longe e tive que conhecê-lo lendo uma edição mexicana do romance Bom dia camaradas. Um dia, numa dessas conversas despretensiosas de sentar pra tomar um café-com-leite no meio da tarde, um amigo mexicano me falou dele e me deu o livro de presente. Era a edição em espanhol, e minha primeira reação foi de ficar bloqueada, pois era muito estranha a idéia de ler um texto escrito em português na tradução. Mas não agüentei de curiosidade e, como aqui no exílio não é tão simples encontrar a edição na língua materna, acabei me lançando.

Superado o estranhamento, gostei muito. E gostei mais ainda quando descobri que no site dele há um fragmento generoso em português. Gente, o sabor de ler as palavras que a gente entende e vêm de outro país é delicioso. E também o que a se aprende. O pano de fundo: a infância de crianças angolanas que estudaram com professores cubanos (e comunistas, claro, os camaradas!) que vieram para ajudar a reconstruir o país. O narrador é um dos meninos.

Agora trouxeram pra mim duas outras edições do Ondjaki made in Portugal, publicadas pela editora Caminho: E se amanhã o medo, de contos, e O Assobiador, outro romance curto, o próximo da minha fila de leituras depois da graphic novel lésbica e autobiográfica que estou terminando.

Aí folheando as primeiras páginas do Assobiador, encontrei esse trecho que abre o livro - e dialoga com o do Mia Couto que a Mirabelle citou:
...depois do amanhecer é quando já terei morrido. Nesse momento só conhecerei as belas coisas: as certas, as apetecidas. Quando o sol me banhar, serei outro: sem espelhos, sem tristezas. Terei falecido, mas terei renascido. Assobiarei melódicas entoações. Desprestigiadas mas, enfim, leves.
O Assobiador
Noite ou dia, depende de onde estão as estrelas que você vê, se perto demais para ofuscar as outras ou longe e serenas para permitir o escuro. Dois autores e um mesmo tema, duas vozes que brilham com raios discretos e ajudam a formar essa nossa constelação literária em língua portuguesa, que eu torço pra gerar muitos super stars.

Serviço:

Ondjaki – site oficial, com trechos deliciosos:
http://www.kazukuta.com/ondjaki/ondjaki.html

No Brasil você encontra:
Bom dia camaradas, Ed. Agir, 2006.
O Avodezanove e o Segredo dos Soviéticos, Companhia das Letras, 2009

E, como o moço também é poeta e antenado, você pode acompanhar os últimos versos no Twitter (achei genial esse movimento que em vez de poetry, faz poetwi!):
http://twitter.com/ondjaki

Fui.

Womber Woman

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Velha (humana) x Alien (de outro planeta)




Uma amiga recentemente me disse: não existe pessoa feia, e sim gente pobre!

Tenho menos de 30 anos, não me considero parte de nenhum grupo no qual a questão estética é um valor em especial no sentido profissional (como modelos, atrizes, e sei lá mais o quê) e acho que em torno de 75% das minhas amigas próximas (também antes dos 30) já fizeram algum “procedimento”: lipo coxa, barriga, costas, joelho, prótese nos seios. Imagino quando chegar aos 50...

Sem falar no Michael Jackson e sem tomar uma postura crítica natureba- hippie- religiosa partidária do corpo-como-Deus-o-fez ou o raio que o parta de ideologias des-pensantes diante da questão, acho bizarro no que vem se transformando a idéia da beleza física atualmente. Devem ter mais clínicas de estética na cidade do que padaria.

Uma consulta a dermatologista. Sugestão da profissional (sem que eu perguntasse): Você poderia fazer um sei-lá-o-quê no quadril para eliminar essa gordura localizada. Saí abalada. Nunca pensei nesses termos no meu quadril, até então eu achava que ser assim, como sou, era uma característica familiar herdada, as mulheres da minha família são assim, coisa que até então eu tomava como característica de equipadas mulheres e boas mães.

A médica transformou toda a questão de pertencimento à uma história (negros, italianos, alemães) inscrita no corpo em defeito. E se fosse um cirurgião que me tivesse marcado com aquelas canetas então, já estaria perguntando em quantas vezes ele divide no cartão e já que o anestesista tá lá mesmo (ouvi isso várias vezes de diferentes amigas), porque não fazer também queixo, umbigo e maxilar?

E não falo em uma indústria de luxo que se abastece de madames endinheiradas e entediadas, falo de qualquer uma que junta seus vários milhares de reais a duras penas para fazer uma lipo que não dá em nada porque a criatura não emagreceu, nem faz exercício e blá blá blá. Depois de grandes as pessoas voltaram a acreditar em qualquer coisa que prometa soluções mágicas e instantâneas, o cirurgião plástico virou a fada-madrinha das aspirantes a princesas pós-modernas.

Mesmo que ninguém saiba como envelhecer, porque na história humana é a primeira vez que se vive tanto, e as mulheres- em especial- não parecem se reconhecer com seus rostos e corpos de 35, 50, 68 e 75 anos e quando a gente (meninas) põe lingerie dá aquele estranhamento porque a gente compra achando (mesmo que bem no fundo) que nos tornaremos uma das Angels da Victoria Secret, e isso não acontece...

Mesmo que tudo isso justifique cada “ml” de prótese/botox que entra e de gordura que vai, tenho uma sensação não só de ressabiamento, crítica ou desconfiança, mas quando olho para a Elza Soares, para a Donatella Versace, para a Ana Maria Braga arrepia-me uma estranha impressão de estarmos abandonando algo de mais fundamental que rugas, marcas e gordura localizada, algo de essencialmente humano.

Porque vamos combinar que elas não parecem mais novas, elas só conseguem se parecer de outro planeta no qual a idade deve ser medida em anos astrais diferentes.
Por Cocobelle

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

5,4,3,2,1... Êêêê Reveillon!!!


Sei que sou uma voz solitária em meio á balbúrdia de roupas brancas, Iemanjá, cidra Cereser e tal, mas quando começo a pensar no Reveillon um mal-estar se apodera de minha pessoa. Não é pessimismo, é experiência, conto-lhes o início do trauma: pais separados, natal com a mãe, ano-novo com o pai, iuk!


Já passei ano novo na casa de tia evangélica distante num lugar mais distante ainda (quase no Paraguai), com uma amiga holendesa do meu pai que veio conhecer o Brasil (ok, o ano novo dela foi muito pior que o meu!) vendo aquelas filmagens bizarras do Edir Macedo acendendo charuto com dinheiro, e olha que esse foi dos menos ruins, imaginem!


Sei que em geral me acham chata, que seja, sou chata, mas quem acha legal trânsito de 8 horas até Ubatuba, chevete tocando funk, superocupação da areia, falta de dinheiro no caixa eletrônico e cidra cereser quente bebida no bico, me perdoem, perdi a fila da parcela Polyana da minha alma na entrada.


Acho essa coisa de ano novo um horror! Aí penso, ok, praias em São Paulo, Rio ou qualquer lugar para onde seja possível dirigir menos de 1000 kilômetros não, tudo muito lotado, mais longe: Bahia, Ceará. Imagino aquela areia branca que vai looonge, onde se anda até não ver mais ninguém e pode voltar e ver pessoas bonitas sem pagode, vendedor de biju, mindoim, tatuagem de henna e bilhete de loteria. E então me pego novamente (não me canso de me surpreender, todo o ano a mesma coisa me surpreende) surpresa com os preços das viagens. Ir para a Bahia de avião e ficar numa pousada custa mais que uma lua de mel nesses hotéis (chatos, mas tudo bem) do Caribe.
Sem contar a viagem, repasso as festas de fim de ano. Será que sempre fui nas erradas? Não, lembro de um luau na praia que foi legal! Quando chega perto do fim do ano começam a aparecer roupas lindas brancas nas vitrines, com brilhinhos e tal, me esqueci quantas vezes peguei-me pensando: mas onde eu vou com isso?


Não sei vocês chéries, que são pessoas finas e bem relacionadas, mas eu nunca passei a meia-noite com vestido brilhante tomando champagne...


O mais legal é parar para ouvir as histórias de ano novo das pessoas, porque teoricamente falar que passou a virada em Copacabana é legal, mas pergunta se choveu, se tinha o que comer e como a pessoa com a respectiva família de 20 pessoas voltou para a Barra depois...


Aí me apego a um antigo plano: eu, cachorros e a retrospectiva 2009 na TV. Não vejo Globo, mas esse seria um momento épico, um ato de resistência contra a superlotação de tudo, os preços altos, os amigos cada um em um lugar. Ou melhor, um ato de bravura que reverenciasse a minha incapacidade de planejar ou achar um ano novo bom.


Retrospectiva com o Faustão é demais, não me atreveria a começar um ano com esse avant-prémière de tamanho mal agouro. Outra idéia me ocorre: réveillon eu, cachorros e a coleção de filmes do Bergman, melhor, mas não sei se mais ou menos deprimente.


Aí você pensa: praia é caro, vou para o interior, Minas Gerais, uma pousadinha tranqüila. Quando chega lá entende porque é tranqüilo, porque ninguém quer ir para esse lugar onde as estrelas da festa são: O Doce de Leite e Caminhar. E hotel fazenda? Você cogita, e então pensa que talvez cavalos, patos e bingo não seriam bem o que você estava imaginando para a comemoração de fim de ano.


Sei que eu seria mais feliz se fosse menos chata, se fosse mais como uma amiga querida a quem admiro a infinita condição de ir em qualquer lugar, de Cancun a rodeio, bar de blues a Forró ao ar livre no frio, balada de música sertaneja, festival de pesca no Mato Grosso... não péra aí, o Faustão começa a não me parecer tão ruim assim.


Vejo na revista da minha imaginação uma festa com música boa, amigos, vestido branco, champagne gelada, em taça. Sou tonta de acreditar nessa propaganda que protetor solar e a CVC fazem? Talvez. Mas não canso de esperançar essa festa que nunca fui.

Por Cocobelle

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Minha versão da noite

“Já passou o meu momento... já me despedi de mim, nem eu me preciso... Como essa estrela já morta que ainda vemos por atraso de luz. Dentro de mim, até esse brilho esmoreceu. Agora estou autorizado a ser noite.”
(Couto, 2002, p. 238)

Não estrago a voluptuosidade da leitura de Mia Couto contando-lhes esse trecho. Voluptuoso sim. Eu não tinha certeza do sentido dessa palavra e o Aurélio só disse daquele jeito dele de dicionário: Voluptuosidade, de volúpia. Mas eu já sentia, ao ter a palavra na boca, que essa é daquelas que estouram e escorrem no lábio, deleitosa, deliciosa. Não encontro têrmo melhor para a escrita de Mia Couto, escritor moçambicano que me lembra Guimarães Rosa menos árido, mais molhado.

Li-o devagar, esquecendo-o alguns dias na tentativa de enganar as páginas que se avolumavam do lado esquerdo do livro aberto, prometendo o fim da leitura.

Lembro-me de ler “Felicidade Clandestina” de Clarice (Lispector) e ter aquela alegria que é quase choro quando a gente encontra outro alguém que nos diz sobre o que somos muito melhor do que nós mesmas jamais poderíamos um dia fazer. Ela conta que quando teve o livro tão esperado nas mãos:

“não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa.”
(Lispector, 1971 p. 18)

Li Mia Couto assim, indo passear e fingindo-o esquecer, para depois encontrá-lo, não é a toa que “volúpia” ocorreu-me, “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.” (Lispector, 1971)

No ceticismo das minhas crenças abro exceção à eles, os livros. Sei que são mágicos. Não mágicos no sentido óbvio de nos levar a lugares e blá blá blá. Sei e sempre respeitei com reverência a autoridade deles na nossa relação. Não sou eu quem os escolhe, eles o escolhem a mim, e têm seu tempo certo, preciso, não toleram adiantamentos, com atrasos são até mais indulgentes. Livros são lentos, eternos e constroem teias pelas quais se arrastam até mim. Compro-os quando isso é permitido. Não são das livrarias que eles preferem vir, alguns muito preciosos não admitem essa chegada.
Li aquele trecho do Mia Couto antes de dormir. Os livros têm seus caprichos com relação não apenas ao começo da leitura, mas à sua interrupção. Quando são lindos de doer, deve-se parar, e com reverência, fechá-lo. Quando um livro termina um grande número, se cansa. E se passamos para frente, sem saborear devidamente, eles sabem que deixamos escorrer o sublime. Dessa maneira que coloco o livro parece rabugento e intolerante. Não. Ele é sensível, e respeita os tempos.
Quando o tempo do livro e do leitor se alinham, as palavras ganham calor e recheiam balões que sobem e enfeitam dentro e fora da gente.

“Agora estou autorizado a ser noite” (Couto, 2002). Li e baixei o livro em reverência à morte mais bonita que já contaram. No sono, quando somos diretores e únicos expectadores das cenas de nossos sonhos, fiz uma assim:

SONHO: Uma mulher muito branca, magra e doente pedia remédios em inglês, como uma viciada envergonhada e agressiva, exigia o que precisava. Ao tomá-los, dormia. De sono desmaiado morto, mas acordava, e repetia o suplício de pedir remédios para dormir, e acordar, e não conseguir morrer. O cenário muda para um canto de uma varanda grande, três mulheres, a doente inclusive, saem de debaixo do telhado e olham o céu a noite, nublado.

Uma nuvem desce, a altura do alcance dos braços, na descida a nuvem se torna roxa, e se destaca no preto do céu. De nuvem vira fumaça, não fumaça quente, fumaça de nuvem, molhada, fria. A névoa roxa gira e forma uma flor, espécie de copo de leite. Uma das mulheres levanta o braço e ao alcançar a flor, esta se faz mais flor, em carne florida e não mais névoa. A mulher entrega a flor à doente. A mulher doente faz o mesmo gesto, estende a mão e alcança a haste de outra flor. Essa flor sobe levando-a consigo, ela não pesa. Está autorizada a ser noite.
Por Mirabelle.

Mia Couto, 2002. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Cia das Letras.
Clarice Lispector, 1971/1991. Felicidade Clasndestina. RJ: Francisco Alves.


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Senhor tá no céu/Senhora é a senhora sua mãe!


Mes chéris, conversemos sobre uma questão que me intriga!


Tive uma educação nada formal, não chamei meus pais nem mesmo avós de senhor e senhora. Porém, fui orientada a assim fazê-lo ao me dirigir a pessoas mais velhas que eu, com as quais não se tenha intimidade.

Eis aí o pepino contemporâneo brasileiro dos pronomes de tratamento.

Provavelmente passaram por essa situação, e não é das mais confortáveis: está lá você, com o código de politesse que sua mãe te ofertou com as pobres e poucas regras que ainda sobraram do código social, e manda um “Bom dia senhor!” a um homem de cabelos e barba brancos a quem acabou de conhecer. Em retribuição recebe um ofendido: “Senhor tá no céu!”, disfarçado com um sorriso.

Então você se desculpa em movimentos corporais e faciais de total envergonhamento e começa a busca inglória para encontrar outra maneira de se dirigir ao... (não pode falar senhor!) Você? Tiozinho? Alemão! Ô psiu! Corinthiano! E todos os nomes pelos quais os garçons tratam aos clientes e vice-versa. Imaginem chamar o Gandalf de: “Ô da barba!"

Desde que ter mais que 35 anos virou ofensa, não se pode mais ser educada com as pessoas. E eu lá tenho a ver com o problema que aquele senhor ou senhora tem com a própria idade????

Voilá o meu ponto: É por isso que eu prefiro Paris (É p. i. q. e. p. Paris!). Não deixem de ver a minha amiga Sheila que foi convidada pelo Terça Insana a falar a esse respeito. Vão lá: http://www.youtube.com/watch?v=VAjeU3nfh68

A questão de que idade virou ofensa merece outro capítulo! Prometo-o em breve, por enquanto mesieurs et mesdames, nada mais elegante que aceitar o senhor e senhora como tributo da civilização (ou os senhores preferem ser chamados de ponte-pretano?).
À toute suíte,
COCOBELLE

sábado, 3 de outubro de 2009

Trágame tierra moment # 1


  • Adiantamento de direitos autorais pago a um escritor estrangeiro cult para publicar seu livro no Brasil: 2.000 dólares
  • Tradução de texto para o português: R$ 12,00 a lauda
  • Impressão de 3.000 exemplares de um livro: R$ 10.000,00
  • Medo e submissão, da Amélie Nothomb: R$ 31,00
  • Perder seu escritor favorito, ganhador do prêmio Jabuti, que você não conhece e foi buscar no aeroporto com grande expectativa, um cartaz na mão e no carro que o cônsul te emprestou: NÃO TEM PREÇO.

(E me recuso a anunciar aquela marca de cartão de crédito enquanto ela não resolver me pagar cachê ou ao menos pagar micos comigo.)

Jogando a echarpe por cima do ombro antes de se desintegrar o mais rápido possível,

Sincerely yours,
Darling Darling

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

De-vez-em-quando


Nunca tinha me dado conta sobre algo da língua. Língua de linguagem. O tempo condicional é o futuro visto do passado e uma potencialidade ou irrealidade virtual. (Não sei se no português é assim, porque descobri que não aprendi nada de gramática do português quando fui estudar outra língua). A linguagem filosofa, organiza o tempo, pessoas, os sexos, as intenções futuras, os desejos possíveis, mas irrealizados. Tente falar em uma língua que não se sabe bem algo como: Se eu não tivesse ído, você estaria aqui hoje? “Tivesse”, “estaria”, hipóteses, perguntas que pertencem à uma irrealidade suposta, passada, mas não acontecida. Suposição ilusória sobre o futuro, a partir do que não foi, mas poderia ter sido.


Vi dois bouquets sendo levados para serem entregues hoje. Queria ganhar flores, acho que amanhã vou ganhar de mim mesma. De manhã vi um bouquet de rosas vermelhas... terá a noite sido boa? Ou muito ruim? As vidas que passam por mim na calçada, de dentro das janelas e pelas ruas que vejo e nas que nem andei me encantam a um ponto de vertigem.


É esse frio na barriga que se aninha em um canto de mim numa rua vazia domingo a tarde, a procura do apartamento de uma amiga. No caminho vejo alguém na varanda que fuma um cigarro, plantas no chão, em vasinhos, uma bandeira amarrada, música lá dentro. Nunca vou molhar essas plantas, nem conhecer o cheiro de tantos cabelos. Viver só a minha vida me depara com uma pequenez estonteante.


Hoje estive alerta e bem disposta pela manhã. Dormi umas 4 horas e estive muito melhor que ontem. Senti o cheiro do metrô vindo de baixo numa rua e senti uma saudade do agora.


Em poucos momentos estive neles de fato a ponto de dimensionar, de dentro, o tamanho que tinham, se vistos de longe. Geralmente precisamos de distância para enxergar. Como quando se conversa perto demais de alguém e o olho desfoca, aí a gente se afasta um pouco para ver melhor. Para isso talvez sirva teatro, filme, livro, para ver com outros atores a história que há pouco tinha a nós mesmos como personagens.


Quando podemos encenar e assistir ao mesmo tempo dá essa saudade de agora. Visitou-me agorinha uma parte de minha poesia preferida de criança. Morava em um livro de edição feia, cores baratas, acho que só laranja e azul, uma ilustração no canto da página mostrava uma estrela do mar na areia. A poesia montava uma cena de pais e filha caminhando na praia e pegando conchinhas, ao aparecer a primeira estrela, aparece também para mim, as palavras da poesia. A mãe diz à menina para fazer um pedido, e a criança pede:


“Primeira estrela que eu vejo, disse ela com suave acento, conserva tudo igualzinho como está nesse momento.” (Não sei de quem é)


Eu-hoje concordo com o que eu-ontem pensava ser felicidade, essa constatação do sublime, ser atriz e espectadora do instante. Os anos se passaram mostrando que a criança sabia que se nada precisava ser desejado, era porque tudo que se queria estava ali. Talvez o tempo só tenha acrescentado à cena ingênua e linda da praia, a promessa doída da saudade.

Porque crescemos, e vamos vendo que ao entardecer dos dias, descartar uma possibilidade de mudança (desejo) quando uma estrela aparece, é coisa que se de-vez-em-quanda na gente.

Por Mirabelle

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Do que é feito "si mesmos"

Se eu precisasse conhecer pessoas por um questionário, para contratar funcionários, ou criar um site de relacionamentos (e ficar bilionária que nem o cara do Facebook), seria assim:


Qual o cheiro mais antigo que você se lembra? Tem sempre déjà vus? Quantas vezes você assiste a um filme que gostou? Quando viaja, compra na ida ou na volta? Tem roupas vermelhas? Como você come manga, descasca ou não? E melancia? O que pensa sobre o mês de maio? E o que acha de bichinhos que voam em volta da luz? Música ruim te enjoa fisicamente? Você chega a vomitar? Sabe falar a língua do “P”? E jogar vareta? Nadava de olhos abertos ou fechados na piscina? Qual personagem da turma da Mônica mais lembra o seu irmão/ã (caso você não tenha irmão...ai coitado/a)? O que mais te assustava quando criança, lontras ou aqueles monstros (de papelão e isopor) do Jaspion? O que faz você pensar em se matar, ter que ir a um karaokê ou a um boliche? Pizza ou pipoca com guaraná? Quantos beijos apaixonados já deu na praia? Você canta no banho? O que é pluct-plact-zum? Molha o pão/bolacha no leite/café? Qual o seu charme especial? Pôr-do-sol ou nascer do sol? O que faz uma casa ser um lar: Lagartixa ou mariposa? O que pensa de domingo a noite? Guarda ou joga tudo fora? Dorme de pijama?


Penso que saber o número de televisores (visores!) serve mais para o departamento de marketing das casas Bahia programar as próximas promoções, e o número de banheiros então? O que o IBGE acredita que isso revela? Essas pesquisas se interessam pelo atacado de gente, e eu, pelo varejo.


Queria conhecer as gentes assim, de dentro, desde sempre. Saber se a pessoa, anos antes, ficava com olhos vermelhos depois de nadar, se tinha ataque de riso e ficava mole, se fica triste domingo. Queria conhecer todo mundo como se conhece quem dorme junto na casa da avó, quem leu os mesmos livros. Que nem a gente conhece a namorada do irmão, a irmã da amiga, despretensiosa e profundamente.


Descobri que em um sebo, feio, no centro, acabou um arco-íris. Encontrei numa prateleira alta e empoeirada o tesouro: uma coleção incompleta de livros editados pela organização sueca do prêmio Nobel com capa de couro branco onde foi gravada uma ilustração do Picasso. Os livros dos escritores que ganharam o Nobel de literatura de cada ano, 1937, 1967, 1988 etc... tão baratos que senti pressa em levar comigo para que ninguém mais descobrisse a preciosidade. Nesse dia ouvi alguém pedindo um livro vermelho e outro verde. A pessoa procura o livro pela cor da capa? Não entendi e perguntei para o moço, ele me esclareceu que decoradoras compram livros para decoração, não importa qual seja, mas o tamanho, a cor. Nunca pensei que um livro pudesse ser tratado como só isso. Imaginei a casa das pessoas com esses livros-mortos lá, combinando com a cortina ou o tapete. Tem casa que é fina como página de revista de decoração, e gente que se veste como vitrine de loja. Livro-objeto morto, casa cenário, gente manequim de plástico, oco.


Sou curiosa do que está escrito dentro, da casa que tem cheiro de bolo sexta a tarde. Sou curiosa das intimidades únicas, do material que faz cada um não ser outro.


Do barro que é usado para moldar si mesmos.

por MIRABELLE

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Software update: Liga de futebol espanhola 2009-2010




Cerca de três anos atrás, antes de o Júnior, o primogênito, nascer, comprei com meses de antecedência entradas para ver o Baryshnikov. Depois de ter sido matriculada no balé clássico aos seis anos de idade (provavelmente antes de ter uso da razão) e ter feito dança por mais de dez anos, ele era um ícone. Referência máxima do clássico naquele momento, esse homem russo e distante que bailava em outros continentes e às vezes ao vivo e tarde da noite na TV (eu ficava acordada morrendo de sono pra assistir aquelas formigas pulando na tela e só sabia que era ele porque era o único homem solista) poderia estar ali, ao alcance dos meus olhos, só ele no palco. E vê-lo dançar foi uma das experiências artísticas que mais me impactou até hoje.
Quando fui comprar as entradas, convidei o Asdrúbal (o queridão) para vir comigo. As sessões eram de quinta a domingo, e acabei escolhendo as entradas para domingo pois era o dia em que havia melhores lugares.
Acontece que esse domingo, descobri depois de comprar as entradas, era o dia da final da Copa do Mundo da Alemanha. E o jogo era bem na hora do Barysh. Resultado: o Asdrúbal pediu desculpas mas não, não ia me acompanhar para ver aquele deus da dança e perder o duelo de titãs do futebol (a Itália ganhou da França). Ofereci a entrada dele a um querido amigo artista plástico e gay que topou na hora me acompanhar.
* * *
Clichês, clichês. Meninas gostam de balé, meninos de futebol. Você se esforça por ser uma mulher evoluída, livre de preconceitos, mas a realidade é essa que acabei de contar. Aí você tem filhos e se promete que vai educá-los sem esses estereótipos. Por isso comprei o Zezinho, um boneco mulato, pro Júnior no segundo Natal dele, porque achei que ele tinha que ter também uma boneca pra brincar além daquele monte de carrinhos e bolas. Mas a gente não deixa de levar um susto de vez em quando.
* * *
Lançaram por aqui o álbum de figurinhas da Liga Española de Fútbol (o Brasileirão local). O álbum veio de presente com o jornal num domingo já com 12 figurinhas. O Júnior viu, se interessou e lá foi o Asdrúbal explicar o que era aquilo e ajudar a colá-las. Coisas de pai e filho, coisas de meninos. Não tenho certeza de quem gostou mais da brincadeira, mas o fato é que o Asdrúbal começou a comprar as figurinhas pro Júnior. Isso há coisa de três semanas. Como eu morro de tédio com futebol, observava de longe.
Hoje o Asdrúbal está fora de casa e, para fazer um mimo pro Júnior, decidi comprar alguns pacotinhos de figurinhas pra ele na saída da escola e me empenhar na causa. Abrimos um, ele logo viu o escudo do Mallorca e disse: “Esse a gente já tem”. Eu duvidei, achei que ele estava dizendo qualquer coisa, afinal ele ainda não tem nem três anos. Mas ele tinha razão: era repetida.
Na hora de colar as figurinhas, eu sentada na mesa de jantar solenemente com ele ao lado e o álbum aberto, antes que eu conseguisse ler no verso da figurinha de que raio de time era aquele jogador com camiseta amarela, vermelha ou listrada, ele já tinha soltado: “Do Valladolid! Do Sporting! Do Osasuna!”. E, para minha perplexidade, sempre acertava.
* * *
De modo que não sei o que acontece, se é parte do DNA masculino ou o quê. Mas que o Júnior já está com o software Liga Española de Fútbol 2009-2010 instalado, assim de pequenininho, ele está. E logo começará a recitar o breviário da escalação de cada time (cuidado, pois o álbum informa ano e local de nascimento, estatura, posição e times em que jogou). Enquanto isso, resta preparar-me para ensinar a Zilminha a soletrar Baryshnikov e declamar “tombé-pas de bourré-relevé-plié-pirueta e fechou” e esperar pra ver se com a onda nostálgica dos anos 80 ela vai querer brincar de Flashdance.

Nota: Consultei dois artigos da Wikipédia pra escrever este post: Baryshnikov (pra comprovar a grafia) e Copa do Mundo de 2006 (pra ter certeza de onde foi e de quem tinha jogado a final, pois é claro que meu hard disk não grava esse tipo de informação). Fica o convite para eles e elas conhecerem um pouco mais sobre o assunto pra desmontar os clichês.

por WOMBER WOMAN